Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Você já se perguntou por que Deus, que é todo-poderoso e poderia falar diretamente do céu, escolheu usar pessoas falhas e comuns para liderar Sua Igreja?

É uma questão que toca o coração de muitos crentes. Por que deveríamos ouvir um pastor, um ser humano com suas próprias fraquezas e limitações, quando poderíamos simplesmente buscar a Deus sozinhos?

Essa tensão entre a autoridade divina e a mediação humana é real. Em nossa cultura, que valoriza a autonomia, a ideia de se submeter à orientação de outra pessoa pode parecer antiquada ou até mesmo desnecessária. 

No entanto, ignorar o modelo que Deus estabeleceu para o governo de Sua Igreja é ignorar uma das Suas maiores demonstrações de sabedoria e amor por nós.

No último estudo, vimos como diferenciar a igreja verdadeira da falsa com base na fidelidade à Palavra de Deus.

A partir de agora, trataremos do governo interno da igreja verdadeira. Exploraremos a ordem que Cristo instituiu para o cuidado de Seu rebanho. Deus não apenas nos salva e nos reúne em uma comunidade; Ele providencia a estrutura e a liderança necessárias para que essa comunidade cresça em saúde e maturidade. 

Vamos descobrir por que Ele escolheu usar o ministério de homens e mulheres para realizar Sua obra, transformando fraqueza humana em um canal de Sua graça divina.

1. Deus governa Sua Igreja através de pessoas comuns

A primeira e mais fundamental verdade que precisamos entender é que Deus não precisa de nós, mas Ele escolhe nos usar. Ele poderia governar Sua Igreja diretamente, por meio de anjos ou por uma voz audível do céu.

Se Ele falasse diretamente, ninguém ousaria desobedecer. Sua majestade nos deixaria atônitos e Sua glória nos faria curvar em temor reverente. 

Mas Ele optou por um método diferente, um método que revela Sua sabedoria de três maneiras admiráveis.

Primeiro, ao usar pessoas, Deus nos dá uma prova de Seu amor e intimidade. Ele escolhe embaixadores dentre nós, seres humanos, para representar Sua própria pessoa e comunicar Sua vontade. 

Isso mostra que Ele nos considera tão preciosos a ponto de nos fazer Seus templos (1 Coríntios 3:16) e usar nossas bocas para falar como se estivesse falando do próprio céu.

Segundo, este método é um profundo exercício de humildade para nós. Quando um simples homem, sem nenhuma autoridade inerente em si mesmo, fala em nome de Deus, somos forçados a provar nossa obediência e reverência a Deus, e não ao homem. É fácil obedecer a um anjo glorioso ou a uma voz de trovão. 

A verdadeira prova de nossa humildade está em ouvir docilmente a Palavra de Deus vinda dos lábios de alguém como nós. Como Paulo diz, Deus escondeu o tesouro do Evangelho em “vasos de barro”, para que a excelência do poder seja de Deus, e não nossa (2 Coríntios 4:7).

Terceiro, o ministério humano é o principal vínculo para manter a caridade e a unidade na Igreja. Se cada um de nós fosse autossuficiente, nosso orgulho natural nos levaria a desprezar os outros. 

Ao designar um para ensinar e os outros para aprenderem com ele, Deus nos une em um vínculo de interdependência, forçando-nos a cuidar uns dos outros.

Aplicação

  • Veja seu pastor como um presente de Deus: Em vez de focar nas falhas dele, agradeça a Deus por ter providenciado um "vaso de barro" para lhe trazer o tesouro do Evangelho. Ore por ele, encoraje-o e receba a Palavra que ele prega com um coração humilde, discernindo a voz de Deus através da voz humana.

  • Examine sua própria humildade: Você tem dificuldade em receber instrução ou correção de líderes espirituais? Pergunte-se se sua resistência vem de um discernimento bíblico genuíno ou do orgulho de não querer ser ensinado por um igual.

  • Reconheça sua necessidade da comunidade: Abandone a ideia de ser um "cristão autossuficiente". Deus o projetou para crescer em comunidade, aprendendo com os outros e contribuindo com seus próprios dons. A interdependência não é uma fraqueza, mas o plano de Deus para a nossa força coletiva.

2. Os líderes são dons de Cristo para edificar o Corpo

O ministério na Igreja não é uma invenção humana ou uma conveniência organizacional. É um dom soberano de Cristo ressurreto ao Seu povo. 

O apóstolo Paulo, em Efésios 4, oferece a descrição mais completa sobre isso. Ele explica que, após ascender ao céu, Cristo “deu dons aos homens” (Efésios 4:8).

E que dons são esses? “Ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres” (Efésios 4:11). 

Note que os dons não são habilidades abstratas, mas as próprias pessoas que exercem esses ministérios. Um pastor fiel, um mestre dedicado – eles são presentes de Cristo para a Sua Igreja.

O propósito desses dons é explícito: “com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Efésios 4:12). O objetivo final é a nossa maturidade coletiva: que cheguemos “à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura da plenitude de Cristo”. 

Um ministério saudável nos protege de sermos "meninos, agitados de um lado para outro por todo vento de doutrina" (Efésios 4:14).

Portanto, menosprezar ou tentar destruir essa ordem de ministério que Cristo estabeleceu é, na prática, tentar destruir a própria Igreja. Assim como o sol, a comida e a bebida são essenciais para a vida física, o ofício pastoral e de ensino é essencial para a vida espiritual e a conservação da Igreja no mundo.

Aplicação

  • Identifique os dons em sua igreja: Reconheça e agradeça a Deus pelas pessoas que Ele levantou em sua comunidade para ensinar, pastorear e liderar. Elas são a provisão de Cristo para o seu crescimento espiritual.

  • Submeta-se ao processo de edificação: O ministério da Palavra existe para o seu "aperfeiçoamento". Você está se colocando debaixo do ensino bíblico de forma consistente? Você busca o conselho de seus pastores? Está permitindo que a Palavra pregada molde sua vida?

  • Promova a unidade, não a divisão: O propósito final do ministério é nos levar à "unidade da fé". Como você pode, em suas atitudes e palavras, apoiar a unidade em sua igreja, em vez de fomentar a discórdia ou seguir "ventos de doutrina" que causam divisão?

3. O pastor é um servo da Palavra e dos sacramentos

Dentro da variedade de ministérios que Cristo deu à Sua Igreja, alguns foram temporários, estabelecidos para a fundação da Igreja, enquanto outros são permanentes, destinados a perdurar até a volta de Cristo. Os ofícios de apóstolos, profetas e evangelistas foram, em grande parte, fundacionais. 

Os apóstolos foram testemunhas oculares de Cristo, comissionados para estabelecer as igrejas em todo o mundo. Os profetas do Novo Testamento recebiam revelações especiais para a edificação da igreja primitiva.

Os ofícios permanentes, dos quais a Igreja nunca pode prescindir, são os de pastores e mestres. Embora distintos, esses papéis estão intimamente ligados e muitas vezes são exercidos pela mesma pessoa. 

Um mestre (ou doutor) tem como principal função expor as Escrituras para preservar a sã doutrina. O pastor abrange isso e também a administração dos sacramentos, a disciplina e o cuidado pessoal do rebanho.

O ofício de pastor é, em essência, o mesmo dos apóstolos, com uma diferença de escopo. Enquanto os apóstolos tinham o mundo inteiro como seu campo, cada pastor é designado para cuidar de uma igreja local específica. Suas tarefas principais são duas, como uma lei inviolável: pregar o Evangelho e administrar os sacramentos.

Paulo define os líderes como “servos de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1 Coríntios 4:1). Em sua carta a Tito, ele afirma que o líder deve ser “apegado à palavra fiel... para que seja capaz tanto de exortar com a sã doutrina quanto de refutar os que a contradizem” (Tito 1:9). 

Isso envolve ensino público e exortação particular, como Paulo mesmo praticou, ensinando “de casa em casa” (Atos 20:20). O pastor é um vigia, e Deus cobrará de suas mãos o sangue daqueles que se perdem por sua negligência (Ezequiel 3:17-18).

Aplicação

  • Avalie a liderança pela fidelidade: A principal marca de um bom pastor não é seu carisma, sua habilidade de gestão ou sua popularidade, mas sua fidelidade em pregar a Palavra de Deus e administrar os sacramentos com integridade.

  • Não separe o que Deus uniu: Uma igreja que valoriza a pregação, mas negligencia os sacramentos (Batismo e Ceia), ou vice-versa, está operando de forma desequilibrada. Ambas as práticas são centrais para a vida e a saúde da comunidade.

  • Interceda pela fidelidade de seus líderes: Ore para que seu pastor tenha coragem para pregar toda a verdade, sabedoria para aplicá-la e compaixão para cuidar das ovelhas. A responsabilidade dele é imensa, e ele precisa de seu apoio em oração.

4. O chamado para o ministério é confirmado pela Igreja

Ninguém pode legitimamente entrar no ministério por autodesignação. Para que um ministro seja legítimo, ele precisa ser devidamente chamado. Esse chamado tem duas partes essenciais: o chamado interno e o chamado externo.

O chamado interno é o testemunho secreto da consciência de uma pessoa diante de Deus. É a convicção sincera de que o desejo de servir não vem de ambição, ganância ou orgulho, mas de um temor genuíno de Deus e um zelo pela edificação da Igreja. Sem essa motivação pura, o ministério se torna uma fraude.

Contudo, o chamado interno não é suficiente. Ele precisa ser confirmado pelo chamado externo, que é a eleição e ordenação pela Igreja. Esse processo envolve quatro elementos:

  1. Qualificações: Os ministros devem ser homens de sã doutrina e vida santa, conforme descrito detalhadamente em 1 Timóteo 3:2-7 e Tito 1:7-9.

  2. Forma: A eleição deve ser feita com reverência, oração e jejum, reconhecendo a seriedade de confiar a alguém o cuidado das almas (Atos 14:23).

  3. Eleitores: A eleição legítima envolve tanto a liderança existente (que preside o processo para garantir a ordem) quanto o consentimento e aprovação do povo. A prática apostólica, como vista na escolha dos diáconos em Atos 6 e dos presbíteros em Atos 14, mostra que os líderes eram escolhidos com a participação e o voto da congregação.

  4. Cerimônia: A ordenação é formalizada pela imposição de mãos, um ato solene que significa que a pessoa está sendo consagrada e oferecida ao serviço de Deus.

Assim, a vocação legítima não é uma decisão puramente individual nem uma nomeação autoritária de um único líder. É um processo comunitário, guiado pelo Espírito Santo, onde as qualificações bíblicas são reconhecidas e afirmadas pelo povo de Deus.

Aplicação

  • Para quem considera o ministério: Examine seu coração. Seu desejo é puro? Você está buscando as qualificações bíblicas em sua própria vida? Mais importante: você está submetendo seu chamado ao escrutínio e à confirmação de sua igreja local e de seus líderes?

  • Para os membros da igreja: Leve a sério sua responsabilidade na eleição de líderes. Participe do processo com oração e discernimento, baseando sua aprovação nas qualificações bíblicas, e não em preferências pessoais ou popularidade.

  • Respeite o processo ordenado: Desconfie de "ministros" autoproclamados que não têm o respaldo ou a ordenação de uma igreja legítima. O chamado de Deus é ordenado e confirmado através de Seu Corpo.

Conclusão

Deus, em sua infinita sabedoria, decidiu governar Sua Igreja por meio do serviço de pessoas comuns e imperfeitas. Ele faz isso não por fraqueza, mas para nos ensinar humildade, para nos unir em amor e para garantir que toda a glória seja creditada a Ele, e não aos "vasos de barro" que Ele usa.

Ele presenteou a Igreja com líderes – pastores e mestres – cujo principal dever é servir-nos com a Palavra fiel e os sacramentos sagrados. 

E estabeleceu uma ordem para o chamado e a eleição desses líderes, um processo que envolve tanto a convicção interna do indivíduo quanto a confirmação externa da comunidade da fé.

Que possamos, portanto, abandonar toda desconfiança e desprezo pelo ministério que Cristo instituiu. 

Em vez disso, que possamos receber com gratidão os líderes que Ele nos deu, orar por eles, submeter-nos ao seu ensino fiel e trabalhar juntos para a edificação do corpo de Cristo, até que todos cheguemos à maturidade e à plenitude que temos em nosso Senhor.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo III - "Sobre os doutores e ministros da Igreja: sua eleição e ofício"

Lista de estudos da série

1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

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