O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Imagine um jardim bem cuidado. Para que ele floresça, não basta apenas plantar e regar. É preciso podar os galhos secos, arrancar as ervas daninhas e proteger as plantas de pragas.

Sem esse cuidado constante, até o jardim mais promissor pode se transformar em um matagal abandonado.

Da mesma forma, a Igreja de Cristo precisa de cuidado para se manter saudável, pura e frutífera. A palavra que usamos para esse processo é disciplina. Para muitos, essa palavra soa como algo duro, pesado e punitivo. 

No entanto, quando a entendemos da forma correta, a disciplina na igreja é um ato de profundo amor e uma ferramenta fundamental para a saúde de toda a comunidade.

A disciplina não é sobre controle, mas sobre ordem, proteção e restauração. Se a doutrina da salvação é a alma da Igreja, a disciplina é como o seu sistema nervoso, que conecta todos os membros e os mantém funcionando em harmonia, cada um em seu devido lugar.

Ignorar a disciplina é, em essência, permitir que a igreja caminhe para a desordem. Se cada um puder fazer o que bem entende, sem correção ou advertência, a pregação da Palavra perde sua força.

A pergunta que precisamos responder é: como podemos praticar esse cuidado de uma forma que honre a Deus, proteja a comunidade e restaure quem se desviou?

Vamos descobrir juntos os fundamentos e os propósitos desta prática vital, um remédio que o próprio Cristo nos deixou para guardar a saúde e a santidade do Seu corpo na terra.

1. A disciplina é o sistema nervoso do corpo de Cristo

Nenhuma sociedade, nem mesmo a menor das famílias, consegue sobreviver bem sem algum tipo de disciplina. 

Regras e limites são necessários para manter a ordem e o bem-estar de todos. Se isso vale para a nossa casa, quanto mais para a Igreja, que deve ser a comunidade mais bem ordenada de todas?

A disciplina funciona como um freio que ajuda a conter aqueles que se rebelam contra o ensino de Cristo. 

É como um estímulo que desperta os que estão sonolentos na fé. E, por vezes, age como uma correção de um pai amoroso, aplicada com carinho para trazer de volta os filhos que erraram gravemente.

Líderes de uma igreja, como pastores e presbíteros, têm a responsabilidade especial de zelar por essa ordem. 

O trabalho deles não se resume a pregar no domingo; inclui também aconselhar e exortar as pessoas em particular, de casa em casa, especialmente quando a mensagem geral não foi suficiente.

O apóstolo Paulo levava isso muito a sério. Ele disse que ensinou não apenas publicamente, mas também "pelas casas", advertindo a todos "com lágrimas" (Atos 20:20-21, 31). 

Um ensino se torna poderoso quando o líder não apenas fala a todos, mas também conversa em particular com aqueles que percebe estarem se afastando ou sendo negligentes.

Esse processo geralmente segue os passos que Jesus ensinou em Mateus 18. Começa com uma conversa particular, de irmão para irmão. 

Se não funcionar, leva-se mais uma ou duas testemunhas. Se a teimosia continuar, o assunto é levado à igreja. Somente em último caso, se a pessoa desprezar a própria comunidade, ela é afastada da comunhão.

Aplicação

  • Reveja sua ideia sobre disciplina. Você a vê como uma punição fria ou como um cuidado amoroso para a sua alma e a da sua comunidade? Peça a Deus um coração que veja a disciplina como um presente da Sua bondade.

  • Esteja aberto para ser corrigido. Como você reage quando um irmão, em amor, aponta uma falha em sua vida? Em vez de se ofender, agradeça pelo cuidado. A humildade para ouvir é sinal de maturidade.

  • Corrija com um espírito de amor. Se você vir um irmão se desviando, não finja que não viu nem espalhe fofoca. Ore e, com um espírito humilde, converse com ele em particular. O objetivo é sempre a restauração, não a condenação.

2. A disciplina protege, purifica e restaura

A disciplina na igreja não é algo feito sem critério. Ela possui três objetivos claros e cheios de amor que a igreja deve sempre buscar.

O primeiro objetivo é proteger a honra de Deus. A igreja é o "corpo de Cristo" (Colossenses 1:24), e a forma como vivemos reflete diretamente Nele. 

Se pessoas que vivem em pecado aberto e sem arrependimento são tratadas como membros normais, o nome de Jesus é manchado. Isso se torna ainda mais sério na Ceia do Senhor

Permitir que alguém participe de forma indigna é desrespeitar o sacrifício de Cristo. A igreja tem o dever de proteger este momento sagrado.

O segundo objetivo é evitar que os bons se corrompam. O mau exemplo é contagioso. A natureza humana se desvia com facilidade. Por isso, Paulo usou uma analogia forte ao falar com a igreja de Corinto:

1 Coríntios 5:6
“Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa?”

O pecado tolerado dentro da comunidade é como um fermento que, aos poucos, contamina todo mundo. A disciplina age como uma barreira de proteção para que a saúde espiritual da maioria não seja prejudicada.

O terceiro objetivo é levar o pecador ao arrependimento. Este é o propósito mais cheio de esperança. A disciplina é um remédio amargo, mas que pode salvar uma vida. 

Ao ser confrontada e, em casos graves, afastada da comunhão, a pessoa é forçada a encarar a seriedade do seu erro. O objetivo não é expulsar para sempre, mas causar um choque de realidade que a leve de volta para Deus, buscando o perdão e a restauração.

Aplicação

  • Pense no testemunho da sua igreja. A sua comunidade é conhecida por sua santidade e amor, ou pela tolerância a comportamentos que desonram a Cristo?

  • Identifique os pequenos "fermentos". Em seus círculos de amizade na igreja, atitudes como fofoca, murmuração ou inveja estão sendo toleradas? Seja alguém que promove a cura, não a contaminação.

  • Ore pela restauração, não pela condenação. Quando souber de alguém que foi disciplinado, sua reação é de julgamento ou de compaixão? Ore para que o remédio da disciplina cumpra seu propósito de cura na vida dessa pessoa.

3. A disciplina sem amor se torna crueldade

Uma ferramenta poderosa usada da forma errada se torna uma arma perigosa. O mesmo acontece com a disciplina. 

A firmeza precisa andar de mãos dadas com um espírito de mansidão. A regra de ouro, ensinada por Paulo, é cuidar para que a pessoa corrigida "não seja consumida por excessiva tristeza" (2 Coríntios 2:7). Se isso acontecer, o remédio virou veneno.

O alvo final é sempre a cura. Por isso, quando a pessoa que errou demonstra arrependimento e abandona o comportamento que causou o problema, a disciplina deve parar. Insistir na punição depois disso é transformar a disciplina em crueldade.

Não podemos tratar a pessoa disciplinada como um inimigo perdido para sempre. Ela continua sendo um irmão pelo qual devemos orar. O apóstolo nos lembra:

2 Tessalonicenses 3:15
“Não o tenhais por inimigo, mas admoestai-o como irmão.”

Se este espírito de amor e compaixão não estiver no centro de todo o processo, a disciplina se transforma em um ato de orgulho e tirania. O objetivo é trazer de volta uma ovelha perdida, não abatê-la.

Aplicação

  • Examine o seu coração antes de corrigir alguém. Pergunte-se: "Estou fazendo isso por amor genuíno a essa pessoa e à glória de Deus, ou para me sentir superior?". Se o seu coração não estiver cheio de compaixão, ore mais antes de agir.

  • Esteja pronto para restaurar. Se um irmão que errou se arrepende de verdade, seja o primeiro a recebê-lo de volta com alegria e a "confirmar o vosso amor para com ele" (2 Coríntios 2:8). Não guarde rancor nem o trate com desconfiança.

  • Lembre-se de que você também é fraco. A Bíblia nos adverte: "Aquele, pois, que cuida estar em pé, olhe não caia" (1 Coríntios 10:12). Lembrar da nossa própria capacidade de pecar nos torna muito mais pacientes e cheios de graça com os outros.

4. A disciplina também nos fortalece em tempos de crise

Além da disciplina que corrige o pecado, existe uma disciplina que fortalece a vida espiritual da igreja. Ela não é uma punição, mas uma prática coletiva para buscar a Deus com mais intensidade, especialmente em momentos difíceis.

Essa prática acontece quando os pastores convocam o povo para jejuns e orações especiais. A Bíblia não define datas fixas para isso, deixando que a igreja use essa ferramenta conforme a necessidade.

Desde o Antigo Testamento, vemos que, diante de uma grande crise — uma guerra, uma doença, uma fome ou uma decisão muito importante — o povo de Deus era chamado a se humilhar, orar e jejuar (Joel 2:15).

O jejum bíblico e saudável serve a três propósitos simples:

1. Para controlar nossos desejos, nos ajudando a focar menos nas coisas do corpo e mais nas coisas do espírito.

2. Para nos preparar melhor para a oração, pois uma mente livre das distrações da digestão consegue se concentrar em Deus com mais fervor.

3. Para expressar nossa humildade, mostrando a Deus que reconhecemos nossa dependência e nossa culpa diante Dele.

É importante lembrar que o jejum nunca deve ser visto como um sacrifício para merecer algo de Deus ou como uma demonstração de superioridade espiritual. 

O profeta Joel nos adverte: "Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes" (Joel 2:13). Um jejum feito apenas por fora, sem um coração sincero, não tem valor algum para Deus.

Aplicação

  • Use o jejum para fortalecer sua oração. Experimente reservar um período para jejuar, não para "conseguir algo" de Deus, mas para se dedicar a Ele em oração com mais foco e intensidade.

  • Participe das orações coletivas. Quando sua igreja convocar um tempo de oração por uma causa específica, participe. A unidade do povo de Deus clamando em humildade é algo poderoso.

  • Fuja da religiosidade de aparências. Lembre-se que disciplinas como o jejum são, antes de tudo, para o seu relacionamento com Deus, não para serem vistas pelos outros. A sinceridade do coração é o que mais importa.

Conclusão

A disciplina na igreja é um presente de Deus para nos proteger no caminho da santidade. Ela não é um peso, mas uma cerca de proteção. Não busca condenar, mas restaurar. Não é um ato de poder humano, mas de amor divino.

Vimos que ela é vital para a saúde da igreja, protege a honra de Deus e busca a restauração de quem erra. Aprendemos que seu motor deve ser o amor, e que ela também possui ferramentas, como o jejum e a oração, que nos fortalecem para as batalhas da vida.

Que possamos abraçar essa visão bíblica, pedindo a Deus a coragem de corrigir com amor e a humildade de aceitar a correção com um coração grato. Que nossas igrejas sejam lugares onde a santidade é cultivada e a graça da restauração floresce para a glória de Cristo.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo XII - "Da disciplina da Igreja, cujo uso principal consiste nas censuras e na excomunhão"


Lista de estudos da série

1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

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