Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Você já se sentiu sobrecarregado pelas "regras não escritas" da vida cristã? A pressão para se vestir de uma certa maneira, ouvir apenas um tipo de música, evitar certos tipos de entretenimento ou seguir uma rotina devocional rígida para ser considerado um crente "sério"? 

Muitas vezes, essas expectativas vêm de um bom lugar, mas podem se transformar em fardos pesados, laços que sufocam a alegria e a liberdade que Cristo nos prometeu.

Jesus repreendeu duramente os fariseus por fazerem exatamente isso: "Atam fardos pesados e difíceis de carregar e os põem sobre os ombros dos homens; entretanto, eles mesmos nem com o dedo querem movê-los" (Mateus 23:4). 

Essa tendência de criar leis humanas e impô-las sobre a consciência das pessoas é uma das tiranias mais cruéis e sutis que podem afligir a Igreja.

No último estudo, vimos a autoridade dos concílios e como eles devem estar submetidos à Palavra de Deus. 

A partir de agora, vamos mergulhar em uma questão ainda mais pessoal e profunda: o poder da Igreja para criar leis que governam a vida espiritual. Qual é o poder real que a Igreja tem para estabelecer regras? 

Onde termina a autoridade da liderança e começa a liberdade do crente? E, acima de tudo, como podemos viver em ordem e santidade sem cair na armadilha do legalismo que aprisiona a alma?

1. Sua consciência tem um único Rei: Deus

Para navegarmos por essa questão complexa, precisamos primeiro entender o que é a consciência. A consciência não é apenas um sentimento de certo ou errado. Biblicamente, é uma realidade que existe no espaço sagrado entre uma pessoa e Deus. 

É um tribunal interior onde temos um senso do juízo divino, um "testemunho" interno que nos acusa ou nos defende diante de Deus (Romanos 2:15).

Como a consciência opera primariamente em relação a Deus, ela só pode ser verdadeiramente ligada pela Palavra de Deus. 

Nenhum homem, pastor, concílio ou igreja tem o direito de impor leis sobre a alma, como se o seu cumprimento ou violação fosse em si mesmo um fator determinante em nossa relação com Deus.

Impor tais leis é usurpar o trono que pertence unicamente a Cristo, o nosso único Legislador e Rei espiritual.

O apóstolo Paulo ilustra isso perfeitamente em 1 Coríntios 10, ao discutir o consumo de carne sacrificada a ídolos. Ele explica que, em si mesma, a carne é neutra. No entanto, se comer essa carne for motivo de escândalo para um irmão mais fraco, devemos nos abster. 

Mas note o raciocínio dele: "Mas, se alguém vos disser: Isto foi oferecido em sacrifício, não comais, por causa daquele que vos advertiu e por causa da consciência; consciência, digo, não a tua, mas a do outro" (1 Coríntios 10:28-29). 

A nossa *ação externa* é limitada por amor ao próximo, mas a nossa *consciência interna* permanece livre diante de Deus.

Aplicação

  • Distinga entre convicção bíblica e preferência pessoal: Aprenda a diferenciar o que a Bíblia claramente ordena ou proíbe do que são tradições ou preferências de sua cultura ou igreja. Sua consciência deve ser cativa à Palavra, não à tradição.

  • Liberte-se do medo de homens: Muitas vezes, nosso medo da desaprovação de outros cristãos é um laço mais forte do que o nosso temor a Deus. Peça a Deus coragem para viver para uma audiência de Um.

  • Use sua liberdade com amor: Ser livre em sua consciência não significa ser indiferente ao seu irmão. Em áreas onde você tem liberdade (as "coisas indiferentes"), a lei superior do amor pode levá-lo a limitar suas ações para não causar tropeço a um irmão mais fraco.

2. Deus é o único Legislador da verdadeira adoração

Por que Deus se reserva o direito exclusivo de legislar sobre a consciência? Existem duas razões fundamentais. A primeira é que a Sua vontade é a única regra perfeita de justiça e santidade. A verdadeira vida piedosa consiste em conhecer e fazer o que Lhe agrada.

A segunda razão é que, quando se trata de adorá-Lo, Deus quer reinar sozinho sobre nossas almas. Ele quer que nossa obediência e dependência sejam dadas somente a Ele. 

Quando os homens inventam novas formas de adoração ou criam regras "espirituais" que não estão em Sua Palavra, eles estão, na prática, competindo com Deus pela lealdade do coração humano.

É por isso que as Escrituras condenam tão veementemente a adoração baseada em preceitos humanos. 

O profeta Isaías, citado por Jesus, declara: "Este povo... honra-me com os seus lábios, mas o seu coração está longe de mim. E em vão me adoram, ensinando doutrinas que são preceitos de homens" (Mateus 15:8-9). 

O apóstolo Tiago é ainda mais direto: “Há um só Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e fazer perecer” (Tiago 4:12). Atribuir a homens o poder de criar leis espirituais é uma maldade que rouba de Deus a autoridade que Ele declara ser exclusivamente Sua.

Aplicação

  • Foque na obediência, não na inovação: A pergunta que devemos fazer em nossa vida de adoração não é "O que seria criativo ou significativo para mim?", mas "O que Deus ordenou em Sua Palavra?". A obediência é mais agradável a Deus do que qualquer sacrifício ou ritual que possamos inventar.

  • Simplifique sua vida espiritual: A vida cristã não é um conjunto complexo de regras. É uma resposta de amor e obediência aos mandamentos claros de Deus. Remova de seus ombros o peso de qualquer prática que você faz por obrigação, mas que não tem fundamento na Escritura.

  • Questione o "porquê" por trás das práticas da igreja: É saudável perguntar por que sua igreja faz o que faz. As práticas são baseadas na Escritura e servem para edificar? Ou são meras tradições que perderam seu significado ou, pior, obscurecem o Evangelho?

3. As tradições humanas podem anular a Palavra de Deus

O perigo das leis humanas na Igreja vai além de simplesmente serem ilegítimas. Elas têm um efeito destrutivo: com o tempo, elas tendem a obscurecer e até mesmo anular os verdadeiros mandamentos de Deus. Jesus apontou isso aos fariseus: “E, assim, invalidastes a palavra de Deus, por causa da vossa tradição” (Mateus 15:6).

Isso acontece porque a natureza humana se sente mais confortável com regras externas e visíveis do que com as exigências internas do coração de Deus. É mais fácil seguir um ritual do que amar o próximo. 

É mais simples abster-se de um tipo de comida do que lutar contra a cobiça no coração. Inevitavelmente, a energia espiritual das pessoas é desviada para a observância de ninharias humanas, enquanto os grandes mandamentos da lei – justiça, misericórdia e fé – são negligenciados.

No sistema papal, essa inversão se tornou grotesca. Considerava-se uma transgressão mais grave não se confessar uma vez por ano do que viver uma vida inteira de perversidade. Provar um pouco de carne na Quaresma era um pecado mais abominável do que se entregar à fornicação. 

Deixar de ir a uma peregrinação era mais sério do que quebrar todas as promessas feitas ao próximo. Quando as tradições humanas assumem o comando, a lei moral de Deus é inevitavelmente rebaixada.

Aplicação

  • Faça uma "auditoria" em suas prioridades espirituais: Em que você investe mais energia? Em guardar os mandamentos claros de Deus sobre amor, justiça, pureza e verdade? Ou em manter aparências e seguir as expectativas culturais do seu meio cristão?

  • Cuidado com a "aparência de sabedoria": Paulo adverte em Colossenses 2:23 que as regras humanas ("não manuseies, não proves, não toques") têm "aparência de sabedoria em devoção voluntária, humildade e rigor ascético", mas não têm valor real. Não se deixe enganar pela espiritualidade aparente de disciplinas que não são ordenadas por Deus.

  • Volte sempre aos fundamentos: Quando se sentir confuso ou sobrecarregado, volte ao que Jesus disse serem os maiores mandamentos: amar a Deus de todo o coração e amar o próximo como a si mesmo. Toda a lei e os profetas dependem disso.

4. A liberdade cristã nos chama a viver em ordem e amor

Significa tudo isso que a Igreja não pode ter nenhuma regra ou ordem? Absolutamente não. Rejeitar a tirania das leis humanas que prendem a consciência não significa abraçar o caos. Existe uma distinção fundamental entre leis que pretendem ser necessárias para a salvação e ordenanças legítimas que servem para a boa ordem da Igreja.

A própria Escritura nos ordena: "tudo, porém, seja feito com decência e ordem" (1 Coríntios 14:40). Em qualquer associação humana, a ordem é necessária para a paz e a concórdia. 

Na Igreja, isso é ainda mais vital. Assim, constituições eclesiásticas que regulam questões práticas como horários de culto, a forma de administrar os sacramentos, a disciplina e a paz da comunidade são não apenas úteis, mas necessárias.

A marca que distingue essas ordenanças legítimas das tradições tirânicas está em seu propósito. Elas não são apresentadas como parte do culto divino essencial ou como necessárias para a salvação. 

Elas não prendem a consciência diante de Deus. Seu objetivo é a honestidade pública e a paz comum. Nós as observamos não por uma superstição medrosa, mas por um desejo piedoso e pacífico de obedecer, por amor à unidade e à edificação do corpo de Cristo.

Aplicação

  • Submeta-se alegremente à boa ordem de sua igreja: Participe das práticas de sua igreja (como horários de culto, forma de ceia, etc.) com um espírito de cooperação e amor, entendendo que elas existem para o bem de todos.

  • Mantenha a liberdade de consciência: Mesmo ao seguir uma ordenança da igreja, saiba que sua consciência permanece livre diante de Deus. Orar de pé não é pecado se você não pode se ajoelhar por algum motivo. A regra serve ao homem, e não o homem à regra.

  • Adapte-se pela caridade: As ordenanças externas podem e devem mudar conforme a necessidade e o contexto cultural, sempre com o objetivo de edificação. A liberdade cristã nos permite ser flexíveis, guiados pela lei maior da caridade.

Conclusão

Navegar entre a tirania do legalismo e o caos da anarquia é um dos maiores desafios da vida cristã. A verdade bíblica nos oferece um caminho seguro e libertador. 

Aprendemos que nossa consciência tem um único Rei, Deus, e só pode ser ligada por Sua Palavra. Vimos que Ele é o único Legislador da verdadeira adoração, e que as tradições humanas, quando elevadas à condição de lei espiritual, inevitavelmente anulam a Palavra de Deus.

Ao mesmo tempo, entendemos que nossa liberdade em Cristo nos chama a viver em ordem e amor, submetendo-nos alegremente a ordenanças que promovem a paz e a decência na casa de Deus, sem jamais permitir que elas escravizem nossa consciência.

Que o Senhor nos dê sabedoria para discernir entre a voz do Bom Pastor e a voz dos homens. Que Ele nos livre de toda tirania que atormenta a alma e de toda desordem que perturba o corpo.

E que possamos viver na gloriosa liberdade dos filhos de Deus, usando essa liberdade não para nós mesmos, mas para servir uns aos outros em amor.


Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo X - "O poder da Igreja para criar leis. A cruel tirania e tortura que o papa e os seus exercem para atormentar as almas."

Lista de estudos da série

1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

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