Na nossa jornada de fé, as cerimônias e os rituais ocupam um lugar especial. Eles marcam momentos importantes e nos conectam a verdades profundas.
Batismos, ceias, casamentos, ordenações... são momentos que valorizamos na vida da igreja. Mas uma pergunta fundamental sempre surge: quais desses rituais são verdadeiramente especiais, divinamente ordenados para selar as promessas de Deus em nós?
Ao longo da história, essa questão gerou muitos debates. No estudo anterior, vimos a beleza dos dois sacramentos que o próprio Senhor Jesus nos deixou: o Batismo e a Santa Ceia.
No entanto, uma tradição muito difundida na igreja estabeleceu o número de sete sacramentos, acrescentando outros cinco à lista. Essa ideia se enraizou tão profundamente que, para muitos, questioná-la parece abalar os fundamentos da fé.
A nossa discussão aqui não é uma briga por palavras ou por teologia abstrata. O nome "sacramento" carrega um peso imenso.
Quando chamamos algo de sacramento, estamos dizendo que é um sinal visível da graça invisível de Deus, um instrumento do Espírito Santo para nos dar perdão e justiça.
Isso nos leva a uma questão crucial e profundamente pastoral: Como podemos diferenciar entre as cerimônias que Deus instituiu para fortalecer nossa fé e aquelas que, embora possam ter algum valor, são invenções humanas? O que faz de um rito um verdadeiro sacramento?
1. Um sacramento verdadeiro tem uma promessa de Deus
Antes de mais nada, precisamos lembrar o que define um sacramento. Um sacramento não é apenas um ritual bonito ou uma tradição antiga. A essência de um sacramento está em duas coisas inseparáveis:
Primeiro, ele deve ser instituído por Deus. Nenhum ser humano, nenhum anjo, nenhuma igreja tem a autoridade para criar um sacramento.
Somente Deus pode instituir um sinal que sirva como testemunho de Sua boa vontade para conosco. Afinal, como alguém poderia testemunhar sobre a vontade de Deus sem ser Seu conselheiro?
Segundo, ele deve ter uma promessa clara da graça de Deus ligada a ele. Um sacramento é o selo de uma promessa. Como Agostinho disse, é a Palavra de Deus que, unida ao elemento físico, faz o sacramento.
A Palavra precede o sinal e lhe dá todo o seu significado e poder. Sem uma promessa específica de salvação e graça, uma cerimônia é apenas uma cerimônia, não um sacramento.
Essa é a régua de ouro que devemos usar. Um sacramento verdadeiro é um ato divino que sela uma promessa divina.
Muitas práticas na igreja são boas e úteis — orar de joelhos, levantar as mãos santas, reunir-se para adoração —, mas não são sacramentos, pois não possuem um sinal físico instituído por Cristo com uma promessa específica de selar a nossa salvação.
Com esse critério em mente, vamos examinar as outras cinco cerimônias que foram chamadas de sacramentos.
Aplicação
Valorize a Palavra acima da cerimônia. Antes de se impressionar com a beleza de um ritual, pergunte-se: "Qual promessa da Palavra de Deus este ritual está confirmando?". A Palavra é sempre o fundamento.
Agradeça pela clareza dos dois sacramentos. Deus não nos deixou em confusão. Ele nos deu dois sinais claros e poderosos: o Batismo e a Ceia. Descanse na suficiência e na simplicidade do que Cristo instituiu.
Diferencie entre tradição útil e sacramento. Sua igreja pode ter muitas tradições valiosas (apresentação de crianças, cultos especiais, etc.). Participe delas com alegria, mas entenda que elas não têm o mesmo peso e função de selar a promessa da salvação como o Batismo e a Ceia.
2. A confirmação é um costume, não um sacramento
Na igreja antiga, havia um costume muito valioso. As crianças que haviam sido batizadas, ao chegarem a uma idade de entendimento, eram apresentadas ao bispo.
Elas faziam uma confissão pública de sua fé, respondendo a perguntas sobre a doutrina cristã. Para tornar esse ato mais solene, o líder impunha as mãos sobre o jovem como um sinal de bênção e oração.
Essa prática era excelente! Ela combatia a negligência dos pais na educação dos filhos e garantia que os jovens tivessem um entendimento claro da fé que professavam. Essa cerimônia, na sua forma pura e original, seria muito bem-vinda na igreja de hoje.
No entanto, com o tempo, esse costume foi transformado em algo que nunca foi: um sacramento da confirmação.
Inventou-se que este rito, feito com óleo consagrado (crisma), conferia o Espírito Santo para "aumento de graça" e para nos "armar para a batalha", como se o Batismo fosse incompleto.
Onde está o erro? O erro está em que não há nenhuma Palavra de Deus prometendo a presença do Espírito Santo através deste óleo. É uma cerimônia inventada por homens, sem qualquer mandamento ou promessa de Cristo.
Apelar para o exemplo dos apóstolos que impunham as mãos (Atos 8) é inútil, pois ali o Espírito se manifestava com dons visíveis e miraculosos, algo que não acontece hoje. Eles não usavam óleo, e o dom que era conferido cessou. O que resta é uma imitação vazia, um ritual sem o poder que os apóstolos possuíam.
Gálatas 3:27
"pois os que em Cristo foram batizados, de Cristo se revestiram."
Dizer que o Batismo é incompleto e precisa da "confirmação" para nos armar para a batalha é uma afronta ao próprio Batismo. A Palavra de Deus ensina que no Batismo já somos unidos a Cristo e recebemos tudo o que é necessário para a vida cristã.
Aplicação
Valorize a profissão de fé. Incentive seus filhos e os jovens da sua igreja a estudarem a sã doutrina e a fazerem uma confissão pública e clara de sua fé. Este é o verdadeiro espírito da confirmação bíblica.
Entenda a plenitude do seu batismo. Não pense que falta algo em seu batismo. Nele, você foi unido a Cristo. Nele, você recebeu a promessa de toda a graça necessária para viver e lutar as batalhas da fé.
Busque o poder do Espírito na Palavra e na oração, não em rituais. O Espírito Santo nos fortalece diariamente através da leitura da Bíblia, da oração e da comunhão com os irmãos, não através de um óleo especial.
3. A penitência não é um sacramento, o perdão é uma promessa do Evangelho
A segunda cerimônia elevada indevidamente à categoria de sacramento é a penitência. Seus defensores falam dela de forma tão confusa que é difícil encontrar clareza.
Essencialmente, eles ensinam que a "absolvição" dada por um sacerdote após a confissão de pecados é uma cerimônia que confirma o perdão.
O problema, mais uma vez, é fundamental. Primeiro, não há uma promessa de Deus ligada a essa cerimônia específica. A promessa das "chaves do reino" (Mateus 16:19) não se refere a uma absolvição particular e privada, mas à pregação do Evangelho. O perdão de Deus é proclamado a todos que creem, e essa proclamação é o que "desliga" os pecadores de sua condenação.
Segundo, a cerimônia da confissão auricular e da absolvição sacerdotal é uma invenção puramente humana, sem base na Escritura. Não há mandamento de Cristo para isso.
Pior ainda, eles criaram um título para este falso sacramento que desonra o verdadeiro: chamam-no de "a segunda tábua de salvação após o naufrágio", como se o Batismo perdesse seu poder depois que pecamos. Isso é um erro terrível.
Como vimos, o Batismo é o sacramento da penitência por excelência. Sua promessa de perdão vale por toda a vida. Todas as vezes que pecamos, não precisamos de uma "segunda tábua", mas devemos nos lembrar da promessa selada em nosso batismo e nos apegarmos a ela pela fé.
Aplicação
Encontre segurança do perdão na Palavra. A certeza do seu perdão não vem da palavra de um homem, mas da promessa de Deus no Evangelho: "Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1 João 1:9).
Lembre-se do seu Batismo. Quando a culpa te assaltar, não busque um novo ritual. Volte à fonte. Lembre-se que em seu batismo, a promessa do perdão completo em Cristo foi selada para você de uma vez por todas.
Confesse seus pecados a Deus. A confissão é vital, mas ela deve ser dirigida a Deus, que é o único que pode perdoar. Confessar a um irmão quando pecamos contra ele também é bíblico e necessário para a reconciliação.
4. Os outros ritos não são sacramentos
Os outros três rituais apresentados como sacramentos podem ser tratados mais brevemente, pois caem pelos mesmos motivos.
A extrema unção (unção dos enfermos) é baseada em uma interpretação equivocada de Tiago 5:14. Na era apostólica, a unção com óleo era um sinal externo ligado ao dom miraculoso de cura.
Como esse dom específico e temporário cessou, continuar com a cerimônia é como uma imitação vazia, um teatro sem o poder que o acompanhava. O óleo não tem virtude em si mesmo. O que permanece para nós hoje é a ordem de orar pelos enfermos com fé.
A ordem sacerdotal (ordenação) tem, de fato, uma base bíblica. A imposição de mãos para separar ministros para o serviço é uma cerimônia bíblica (1 Timóteo 4:14). Pode-se até considerá-la um sacramento em um sentido específico, pois é um rito para um ofício particular.
Contudo, a versão que se tornou comum, com sete "ordens" diferentes, unção e a ideia de um sacerdócio que oferece sacrifícios, é uma corrupção total do ministério cristão que Cristo instituiu, que é o de pregar o evangelho e apascentar o rebanho.
O matrimônio, por fim, é sem dúvida uma instituição divina, santa e boa. Mas não é um sacramento da nova aliança. Deus o instituiu na criação para toda a humanidade, não apenas para a Igreja.
Embora Paulo o chame de grande "mistério" (Efésios 5:32), apontando para a união de Cristo e a Igreja, ele está usando a palavra "mistério" como uma analogia, e não no sentido técnico de "sacramento". Não há uma promessa de graça salvadora ligada à cerimônia do casamento.
Aplicação
Ore pelos enfermos com fé, sem superstição. Não precisamos de óleo mágico. O que temos é o mandamento de orar uns pelos outros, confiando no poder e na soberania de Deus para curar.
Honre seus pastores, mas rejeite a ideia de um sacerdócio especial. Respeite e apoie os ministros que Deus chamou para pregar a Palavra, mas lembre-se de que todos os crentes formam um "sacerdócio real" (1 Pedro 2:9), com acesso direto a Deus por meio de Cristo.
Celebre o casamento como um dom da criação. Honre o casamento como uma bênção de Deus para a humanidade e uma bela figura do evangelho, mas não o confunda com os sacramentos que selam nossa salvação pessoal.
Conclusão
Nossa discussão nos mostra a importância de nos apegarmos à Palavra de Deus como nossa única regra. Satanás busca constantemente nos distrair com invenções humanas que parecem piedosas, mas que, no fundo, nos afastam da simplicidade do Evangelho e da suficiência dos sacramentos que Cristo instituiu.
A Igreja Cristã deve se contentar com os dois sacramentos que recebeu de seu Senhor. O Batismo é nossa entrada na Igreja e a marca da nossa fé inicial.
A Ceia é nosso alimento contínuo, que nos sustenta ao longo da jornada. Neles, temos tudo o que precisamos para que as promessas de Deus sejam seladas em nossos corações.
Não precisamos de mais nada. Em Cristo, "estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e do conhecimento" (Colossenses 2:3).
Que possamos descansar Nele e em Suas ordenanças, livres da tirania das tradições humanas e seguros na graça que Ele nos oferece em Sua Palavra e em Seus verdadeiros sacramentos.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo XIX - "As outras cinco cerimônias falsamente chamadas de sacramentos: Prova de que não o são"
Lista de estudos da série
1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas