Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas

Imagine que você recebeu um testamento deixado por alguém que te ama profundamente. Nesse documento, essa pessoa te concede uma herança inestimável, garantindo seu futuro. 

Agora, imagine que, em vez de honrar esse testamento final, as pessoas começassem a criar novos "testamentos" todos os dias, com regras diferentes, obscurecendo e, por fim, substituindo a vontade original daquele que te amou.

De maneira semelhante, Satanás se esforçou ao longo da história para corromper a Santa Ceia do Senhor. 

O ápice dessa distorção foi a criação de um ritual chamado missa, que transformou completamente o significado da Ceia. Este não foi apenas um pequeno desvio, mas uma mudança tão profunda que acabou por obscurecer o próprio evangelho.

Muitas pessoas, com sinceridade, creem que a missa é uma forma de adoração, uma obra meritória que agrada a Deus e traz perdão para vivos e mortos. Essa ideia está profundamente enraizada e se esconde sob uma aparência de piedade e reverência a Cristo.

Contudo, a Palavra de Deus age como uma luz poderosa que revela a verdade. 

A questão central que precisamos responder é: como essa mudança de significado da Ceia para a missa ataca o coração do evangelho e nos rouba dos benefícios que a morte de Cristo nos conquistou? 

Vamos usar a "bigorna" da Escritura para quebrar os argumentos humanos e redescobrir a beleza e a simplicidade da Ceia que Jesus nos deixou.

1. A Ceia celebra o sacerdócio único de Cristo

Para entender o problema, precisamos primeiro lembrar o que a Bíblia ensina sobre o sacerdócio. No Antigo Testamento, os sacerdotes eram mediadores que ofereciam sacrifícios a Deus pelo povo. Eram muitos, porque eram homens mortais e precisavam ser substituídos.

No entanto, a carta aos Hebreus nos mostra que Jesus é o Sumo Sacerdote supremo e final. Ele não foi consagrado por um tempo limitado. 

O Pai O designou "sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedeque" (Salmo 110:4). Como Ele é imortal, Seu sacerdócio é permanente e Ele não precisa de sucessores ou substitutos.

A ideia de que homens são ordenados como "sacerdotes" para oferecer sacrifícios diários na missa ataca diretamente essa verdade. 

Ela coloca homens no lugar de Cristo, como se fossem seus "vigários" ou sucessores. Isso não apenas rouba de Jesus Sua honra e dignidade, mas também tenta removê-Lo de Sua posição à direita do Pai, onde Ele intercede por nós como nosso único e eterno Sacerdote.

O autor de Hebreus é categórico:

Hebreus 7:23-24
"Houve muitos daqueles sacerdotes, pois a morte os impedia de continuar em seu ofício; mas, visto que Jesus vive para sempre, seu sacerdócio é permanente."

Portanto, a Ceia do Senhor não é um sacrifício oferecido por um sacerdote humano; é um banquete servido por um ministro, onde celebramos o sacerdócio perfeito e eterno de Cristo.

Aplicação

  • Confie no seu acesso direto a Deus. Porque Jesus é seu único e eterno Sumo Sacerdote, você não precisa de outro mediador humano. Você pode ir diretamente a Deus em oração, com a certeza de que Jesus intercede por você.

  • Abandone a mentalidade de "fazer para merecer". A obra do sacerdote era oferecer sacrifícios para obter o favor de Deus. A obra de *nosso* Sacerdote já foi feita. Aproxime-se de Deus não com base no que você faz, mas no que Jesus já fez.

  • Agradeça pelo sacerdócio de Cristo. Ao participar da Ceia, agradeça a Deus porque em Jesus você tem um Sacerdote perfeito, que nunca falha e que vive para sempre para interceder por você.

2. A Ceia aponta para um sacrifício feito uma vez por todas

O segundo e talvez mais grave erro da missa é que ela oprime e sepulta a cruz de Cristo. Como? Ao se apresentar como um sacrifício que se repete todos os dias. 

A verdade central do evangelho é que o sacrifício de Jesus na cruz foi único, perfeito e suficiente para nos santificar e redimir para sempre.

Se fosse necessário oferecer Cristo repetidamente, isso significaria que Seu sacrifício na cruz não foi perfeito e que lhe faltou poder para nos purificar eternamente. 

Mas a Escritura grita o contrário. A oferta do corpo de Jesus foi feita "uma vez para sempre". Com "uma só oferta" Ele "aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados".

O autor de Hebreus martela este ponto repetidamente para que não haja dúvidas:

Hebreus 10:12, 14, 18
"Mas este sacerdote, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, assentou-se à destra de Deus... Porque, por meio de um único sacrifício, ele aperfeiçoou para sempre os que estão sendo santificados... Onde há perdão... não há mais necessidade de sacrifício pelo pecado."

Quando Jesus estava na cruz, Suas últimas palavras foram: "Está consumado!" (João 19:30). Tudo o que era necessário para nossa salvação foi perfeitamente cumprido naquele único sacrifício. 

A missa, ao propor sacrifícios diários e inumeráveis, essencialmente ignora o brado de vitória de Cristo e sugere que a obra, na verdade, nunca está "consumada".

Aplicação

  • Descanse na obra finalizada de Cristo. Sua salvação não depende de um ritual repetido, mas de um evento histórico concluído. "Está consumado" significa que não há mais nada a acrescentar. Encontre paz e segurança nesta verdade.

  • Rejeite qualquer ensino que adicione algo à cruz. Seja um ritual, uma penitência ou uma boa obra, qualquer coisa que se apresente como um meio de "completar" ou "aplicar" o sacrifício de Cristo de forma meritória é um ataque à suficiência da cruz.

  • Veja a Ceia como um olhar para trás com gratidão. Nós olhamos para a cruz não para repetir o que aconteceu lá, mas para lembrar com profunda gratidão o que foi conquistado para nós de uma vez por todas.

3. A Ceia é um memorial que nos lembra da morte de Cristo

A missa apaga da memória dos homens a verdadeira e única morte de Cristo. Como um testamento só tem valor após a morte de quem o fez, nosso Senhor, com Sua morte, confirmou Seu testamento, no qual nos garantiu o perdão eterno dos pecados.

Qualquer um que tente mudar ou criar um novo "testamento" está, na prática, negando a validade da morte que selou o primeiro. 

O que é a missa senão a pretensão de ser um novo testamento? Cada missa promete uma nova remissão de pecados, como se fossem necessários infinitos testamentos. Isso destrói a memória e o significado da única e verdadeira morte de Jesus.

Além disso, a ideia de que Cristo é oferecido em cada missa implica que Ele é "morto" repetidamente. 

O Apóstolo argumenta que isso é um absurdo. Se Cristo precisasse ser oferecido muitas vezes, "seria necessário que Cristo padecesse muitas vezes desde a fundação do mundo" (Hebreus 9:26). 

Mas Ele não precisou, pois se manifestou uma só vez para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo.

A Ceia do Senhor, por outro lado, é exatamente o oposto: um memorial. É um monumento que o próprio Cristo ergueu para que nunca nos esqueçamos de Sua morte. 

Ele nos deu este sacramento não para que repetíssemos Seu sacrifício, mas para que nossa fé fosse nutrida e fortalecida ao lembrar do que Ele fez por nós na cruz.

Aplicação

  • Aproxime-se da mesa para *lembrar*, não para *recriar*. A ordem de Jesus foi "fazei isto em memória de mim". A Ceia é um exercício de memória grata, não um novo sacrifício.

  • Confie no testamento original. Sua herança eterna está garantida pelo testamento que Jesus selou com Seu sangue. Não procure garantias em novos rituais; descanse na promessa selada uma vez por todas.

  • Lembre-se do que está em jogo. Esquecer o significado da morte de Cristo é perder o coração do evangelho. A Ceia nos ajuda a manter essa verdade central sempre viva em nossa memória.

4. A Ceia é um dom a ser recebido, não um sacrifício a ser oferecido

Finalmente, a missa destrói a Ceia do Senhor ao inverter sua natureza fundamental. A Ceia é um dom de Deus, que devemos receber com gratidão.

A missa é apresentada como um sacrifício ou pagamento que oferecemos a Deus para obter Seu favor.

A diferença entre dar e receber é abismal. Na Ceia, reconhecemos nossa pobreza e a imensa liberalidade de Deus. Na missa, o homem se coloca na posição de oferecer algo a Deus, como se Deus fosse seu devedor. Isso é uma trágica ingratidão.

Além disso, a Ceia foi instituída para ser celebrada e distribuída na congregação pública, para nos instruir na comunhão que todos temos em Cristo. 

A missa, com seu erro de ser um sacrifício, abriu a porta para as "missas privadas", onde um sacerdote realiza a cerimônia sozinho, "em nome da igreja". Isso destrói a comunhão. Um sacerdote que come seu próprio sacrifício se separa da congregação dos fiéis.

O mandamento do Senhor foi claro: "Tomai e distribuí entre vós". O ensino de Paulo é que o partir do pão *é* a comunhão do corpo de Cristo (1 Coríntios 10:16). Onde não há distribuição e comunhão, não há Ceia do Senhor, mas uma falsificação que destrói o propósito de Cristo.

Aplicação

  • Venha à mesa para receber. Sua única tarefa na Ceia é estender as mãos da fé e receber o dom que Deus lhe oferece. Não há nada que você possa oferecer em troca, exceto sua gratidão e louvor.

  • Valorize a unidade da Igreja. A Ceia é o sacramento da comunhão. Olhe para seus irmãos e irmãs à mesa. Vocês estão participando juntos do mesmo pão, sendo nutridos pelo mesmo Cristo, formando um só corpo.

  • Celebre o sacerdócio de todos os crentes. Na Ceia, não há um sacerdote especial fazendo uma obra. Somos todos um "sacerdócio real" (1 Pedro 2:9), oferecendo juntos a Deus nossos "sacrifícios de louvor", que é o fruto de lábios que confessam o Seu nome.

Conclusão

A Santa Ceia do Senhor é um tesouro que precisa ser resgatado das trevas da superstição. Vimos que a ideia da missa como um sacrifício repetido desonra o sacerdócio único de Cristo, anula a suficiência de Sua cruz, apaga a memória de Sua morte e nos rouba dos frutos da Sua paixão, além de destruir a própria natureza da Ceia como um dom comunitário.

Que possamos, portanto, rejeitar com firmeza essas invenções humanas e nos apegar com simplicidade e alegria àquilo que o próprio Cristo instituiu. A Ceia não é um sacrifício que oferecemos, mas um banquete no qual nos alimentamos.

Não é uma obra que fazemos para aplacar a Deus, mas um dom que recebemos do Deus que já está aplacado pelo sacrifício perfeito de Seu Filho. Que possamos vir a esta mesa com fé e gratidão, para lembrar, celebrar e sermos nutridos pelo Cordeiro de Deus que foi imolado uma vez por todas.

Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo XVIII - "A missa papal: um sacrilégio pelo qual a Ceia de Cristo foi não apenas profanada, mas totalmente destruída"


Lista de estudos da série

1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas

3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas

5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas

6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas

9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas

13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas

14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas

15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas

16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas

17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas

18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas

19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas

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