Em um mundo com tantas vozes e opiniões, encontrar a verdade pode parecer uma tarefa esmagadora. Dentro do cristianismo, temos diferentes denominações, pastores famosos, livros e seminários, cada um apresentando sua perspectiva sobre a fé.
Em meio a essa diversidade, é natural que busquemos um ponto de referência seguro. A quem devemos ouvir? Quando a Igreja se reúne para decidir uma questão, sua decisão é final e infalível?
Essa questão nos leva diretamente ao tema dos concílios – as grandes assembleias de líderes da Igreja ao longo da história que se reuniram para definir doutrinas e resolver controvérsias.
Para muitos, esses concílios representam a voz autoritativa da própria Igreja, guiada pelo Espírito Santo. Mas qual é a verdadeira autoridade de um concílio?
Devemos aceitar suas decisões cegamente, ou existe um padrão superior pelo qual até mesmo os concílios devem ser julgados?
No último estudo, vimos como o poder na Igreja deve ser usado para edificar, e não para destruir, estando sempre limitado pela Palavra de Deus. A partir de agora, aplicaremos esse princípio aos concílios e à sua autoridade.
Vamos explorar o que a Bíblia ensina sobre assembleias de líderes, o que a história nos adverte sobre sua falibilidade e onde podemos encontrar a verdadeira segurança para a nossa fé.
1. A verdadeira autoridade se reúne em nome de Cristo
A maior promessa sobre a autoridade de qualquer ajuntamento cristão, seja ele uma pequena reunião de oração ou um grande concílio universal, encontra-se nas palavras de Jesus:
Mateus 18:20
Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles.
Esta promessa é o fundamento de toda a autoridade eclesiástica. No entanto, o ponto crucial está na condição que o próprio Jesus estabelece: estarem reunidos “em meu nome”.
O que isso significa? Não é uma fórmula mágica que valida qualquer decisão tomada por um grupo de cristãos. Reunir-se "em nome de Cristo" significa reunir-se sob a Sua autoridade, sujeitando-se à Sua Palavra e buscando a orientação do Seu Espírito.
Isso implica que qualquer concílio ou assembleia que se desvia da Palavra de Deus, que acrescenta ou remove algo de Seu mandamento, ou que inventa novas doutrinas por conta própria, não está verdadeiramente reunida em nome de Cristo.
Podem até ser bispos e pastores piedosos conspirando por uma causa que julgam boa, mas se a sua regra não for a Escritura, eles não têm a promessa da presença de Cristo para ratificar suas decisões.
O pacto que Deus fez com Seus ministros, desde os sacerdotes levíticos até os apóstolos, sempre foi este: que eles ensinassem o que ouviram de Sua boca (Malaquias 2:7).
Aplicação
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Avalie as reuniões em sua igreja: Quando seu conselho, grupo de estudo ou comitê se reúne para tomar uma decisão, a primeira pergunta é “O que a Bíblia diz sobre isso?”. A oração e a discussão devem girar em torno da Palavra de Deus, e não apenas de opiniões humanas ou tradições.
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Não use o nome de Deus em vão: É perigoso tomar uma decisão baseada em nossas próprias vontades e depois dizer: “O Senhor nos guiou a fazer isso”. A verdadeira orientação divina vem através de uma submissão humilde à Sua Palavra revelada.
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Encontre segurança na promessa condicional: A promessa de Cristo não nos dá licença para sermos descuidados, mas nos dá grande confiança quando buscamos sinceramente nos reunir sob a autoridade de Sua Palavra. Quando o fazemos, podemos confiar que Ele está presente e nos guiará.
2. A presença de líderes não garante a presença da verdade
Uma das objeções mais comuns é que a verdade deve residir nos pastores e líderes da Igreja. Se eles se reúnem e concordam, como poderiam estar errados?
Afinal, eles não são os guardiões da fé? A história e a Escritura, no entanto, nos advertem de forma contundente que a presença de líderes, mesmo em grande número, não é garantia da presença da verdade.
Os profetas do Antigo Testamento pintam um quadro sombrio da liderança de Israel. Isaías os chama de “atalaias... cegos” e “cães mudos, que não podem ladrar” (Isaías 56:10). Jeremias lamenta: “Desde o profeta até ao sacerdote, todos usam de falsidade” (Jeremias 6:13).
Mesmo quando a verdadeira Igreja de Deus existia em Israel, seus pastores oficiais estavam frequentemente em profunda apostasia.
O Novo Testamento ecoa o mesmo aviso. Jesus nos alertou sobre os "falsos profetas" (Mateus 24:11). Paulo, em seu discurso de despedida aos presbíteros de Éfeso, fez uma previsão chocante: “Eu sei que, depois da minha partida, entre vós penetrarão lobos vorazes, que não pouparão o rebanho.
E que, dentre vós mesmos, se levantarão homens falando coisas pervertidas para arrastar os discípulos atrás deles” (Atos 20:29-30). O maior perigo, adverte Paulo, viria de dentro da própria liderança.
O exemplo mais terrível é o concílio que se reuniu para condenar Jesus (João 11:47). Do ponto de vista externo, ele tinha toda a aparência de legitimidade: o sumo sacerdote presidia, os líderes religiosos estavam presentes, e uma invocação solene foi feita.
No entanto, aquele foi um concílio onde Cristo foi condenado e Sua doutrina rejeitada. Isso prova de forma definitiva que a Igreja não estava dentro daquela assembleia, apesar de todas as aparências.
Aplicação
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Não aceite cegamente a autoridade: O respeito aos líderes é bíblico, mas a submissão cega não é. Nossa lealdade final é a Cristo e à Sua Palavra. Temos a responsabilidade de avaliar o que é ensinado, não importa quem o ensine.
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Ore pela fidelidade de seus pastores: Reconhecer a falibilidade dos líderes deve nos levar à intercessão, não ao cinismo. Ore para que seus pastores permaneçam fiéis à Palavra, protegidos do erro e da tentação de agradar aos homens em vez de a Deus.
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Esteja ciente de que a apostasia é sutil: O erro raramente se apresenta como um ataque frontal à fé. Muitas vezes, ele entra sutilmente, misturando a verdade com o engano. Um coração firmado na Escritura é a nossa melhor defesa.
3. A Palavra de Deus é a régua final que mede toda decisão
Se a autoridade de um concílio depende de ele se reunir em nome de Cristo, e se a presença de líderes não garante a verdade, como podemos ter certeza? Como podemos distinguir um concílio fiel de um apóstata? A resposta é clara: a determinação de qualquer concílio deve ser examinada à luz da Escritura.
Não estamos dizendo que todos os concílios não têm valor. Pelo contrário, nós abraçamos e reverenciamos com gratidão os antigos concílios, como os de Niceia, Constantinopla, Éfeso e Calcedônia, que foram usados por Deus para refutar heresias e afirmar os dogmas centrais da fé.
Mas por que os aceitamos? Não por causa de uma suposta infalibilidade inerente aos concílios, mas porque suas decisões não continham nada além da pura e genuína interpretação da Escritura.
Aqueles santos pais usaram a Palavra de Deus com sabedoria para destruir os inimigos da fé. A autoridade deles não vinha de si mesmos, mas de sua fidelidade à regra superior da Palavra.
O grande teólogo Agostinho nos dá o modelo perfeito para isso. Em um debate com o herege Maximino, que usava a autoridade de um concílio para defender sua posição, Agostinho disse:
Nem eu devo usar o Concílio de Niceia contra ti, nem tu o de Rímini contra mim... Que a questão seja decidida pelas autoridades da Escritura, que são testemunhas comuns a ambos.
Este é o princípio correto. A Escritura deve ter o lugar supremo, e tudo o mais deve ser submetido a ela.
Aplicação
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Torne-se um estudante da Palavra: A única maneira de julgar o que você ouve é conhecer bem a régua da verdade. Um profundo conhecimento pessoal das Escrituras é a ferramenta mais importante para o discernimento espiritual.
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Aprenda com a história, mas não a idolatre: Os credos e as decisões dos grandes concílios são ferramentas maravilhosas para nos ensinar e proteger. Estude o Credo de Niceia, por exemplo. Mas entenda que seu valor vem do fato de ser um resumo fiel do que a Bíblia ensina sobre a divindade de Cristo.
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Quando surgirem controvérsias, corra para a Escritura: Seja em uma discussão teológica online ou em um debate em sua igreja, o ponto de partida e o árbitro final devem ser sempre a Palavra de Deus. A pergunta correta não é "O que tal pastor pensa?", mas "O que a Escritura diz?".
Conclusão
A autoridade na Igreja é um tema de imensa importância, e compreendê-lo corretamente nos protege da tirania e do caos.
Aprendemos que a verdadeira autoridade de qualquer reunião cristã vem da presença de Cristo, que é prometida apenas quando nos reunimos em Seu nome, ou seja, sob a autoridade de Sua Palavra.
Fomos advertidos de que a presença de líderes não garante a verdade. A história e a Bíblia estão repletas de exemplos de pastores que se desviaram e levaram outros ao erro. A apostasia muitas vezes começa de dentro.
Finalmente, encontramos nossa segurança na verdade de que a Palavra de Deus é a régua suprema pela qual todas as decisões, todos os líderes e todos os concílios devem ser julgados.
Os grandes concílios da história são reverenciados não por serem infalíveis em si mesmos, mas por sua fidelidade em interpretar a Escritura contra o erro.
Que possamos, portanto, ter uma estima reverente pelos concílios e líderes que fielmente nos servem com a Palavra.
Mas que nossa fé não repouse sobre eles. Que ela esteja firmemente ancorada na única autoridade infalível, eterna e completamente confiável: a Palavra viva e eficaz do nosso Deus.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo IX - "Os concílios e sua autoridade"
Lista de estudos da série
1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas