“Eu amo Jesus, mas não suporto a igreja”. Você já ouviu essa frase? Talvez até já tenha pensado algo parecido.
Em uma cultura que valoriza a independência e o individualismo, muitos se sentem confortáveis com a ideia de uma fé pessoal e privada, distante dos problemas, da hipocrisia e das complicações que, por vezes, encontramos nas comunidades cristãs.
Essa mentalidade levanta uma questão fundamental para nossa jornada de fé: qual é o verdadeiro papel da Igreja? Será que ela é apenas uma instituição opcional, um “clube social” para religiosos, ou ocupa um lugar central e insubstituível no plano de Deus para nossa salvação e crescimento espiritual?
No último estudo bíblico, exploramos como, pela fé, nos unimos a Jesus Cristo e recebemos a salvação que Ele nos trouxe. A partir de agora, trataremos de uma verdade igualmente vital: Deus não nos salva para nos deixar sozinhos.
Devido à nossa fragilidade, ignorância e preguiça espiritual, Ele estabeleceu um ambiente para nos nutrir e proteger: a Igreja. Ele a encheu de recursos – pastores, mestres e sacramentos – para que a nossa fé não apenas nasça, mas cresça forte e madura.
Vamos mergulhar no que as Escrituras ensinam sobre a natureza e a necessidade da Igreja, descobrindo por que não é possível separar o que Deus uniu: um Pai celestial e uma mãe espiritual para Seus filhos.
1. A Igreja é a mãe que nos gera e sustenta na fé
Imagine uma semente delicada. Para que ela germine e se transforme em uma árvore robusta, ela precisa do ambiente certo: terra fértil, água, luz solar e proteção contra as tempestades.
Tentar cultivá-la no asfalto frio seria inútil. Da mesma forma, Deus sabe que nossa fé, especialmente no início, é frágil e precisa de um ambiente de cuidado para florescer.
Este ambiente é a Igreja. Ela não é um mero edifício ou uma organização humana; é a comunidade que Deus designou para ser nossa "mãe espiritual".
É no "ventre" da Igreja que somos concebidos espiritualmente pela pregação do Evangelho. É em seus "braços" que somos alimentados e nutridos através do ensino, da comunhão e dos sacramentos.
A ideia de um cristão autossuficiente, que cresce isolado, é tão estranha à Bíblia quanto a de um bebê que se cria sozinho.
O apóstolo Paulo, em Efésios 4, nos dá uma imagem clara dessa dinâmica. Ele diz que Cristo concedeu à Igreja “apóstolos, profetas, evangelistas, pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo” (Efésios 4:11-12).
O objetivo é claro: maturidade. Chegarmos à “medida da estatura da plenitude de Cristo”. Este processo de crescimento não acontece no vácuo; ele ocorre dentro da estrutura de cuidado que Deus estabeleceu na comunidade dos fiéis.
Por isso, fora do "rebanho" de Deus, não há promessa de salvação ou vida eterna. Os profetas já anunciavam isso. Isaías e Joel afirmavam que a salvação estaria em Sião e em Jerusalém (Isaías 37:32; Joel 2:32), símbolos do povo de Deus reunido.
Abandonar a comunhão da Igreja é um passo perigoso e mortal, pois significa rejeitar o método que Deus ordenou para nos salvar e santificar.
Aplicação
-
Examine sua atitude em relação à Igreja: Você a vê como uma mãe indispensável ou como um “restaurante espiritual” onde você consome o que gosta e vai embora? Peça a Deus para lhe dar um amor genuíno pela noiva de Cristo, mesmo com suas imperfeições.
-
Valorize os instrumentos de Deus: Honre e ore por seus pastores e mestres. Eles são dons de Deus para o seu crescimento. Receba a pregação da Palavra com um coração dócil e ensinável, entendendo que através de lábios humanos, Deus está falando com você.
-
Comprometa-se com uma comunidade local: Um cristão sem igreja é como um órgão sem corpo. Se você está "desigrejado", procure uma comunidade onde a Palavra é fielmente pregada e os sacramentos são administrados. Envolva-se, sirva e permita-se ser cuidado.
2. A Igreja tem uma face visível e uma face invisível
Quando olhamos para a Igreja no mundo, vemos uma realidade complexa. Vemos pessoas sinceras e devotas, mas também vemos hipócritas. Vemos atos de amor e sacrifício, mas também conflitos, falhas e pecados. Como conciliar essa imagem manchada com a "noiva pura e imaculada" de Cristo?
A resposta está em entender que a Escritura fala da Igreja de duas maneiras. Existe a Igreja invisível e a Igreja visível.
A Igreja invisível é a totalidade dos eleitos de Deus ao longo de toda a história. Inclui os santos que já estão na glória e os verdadeiros crentes espalhados pelo mundo hoje. Ela é chamada "invisível" porque seus membros são conhecidos com certeza apenas por Deus.
É a esta Igreja que Paulo se refere quando diz: “O Senhor conhece os que lhe pertencem” (2 Timóteo 2:19). Nosso coração descansa na certeza de que esta Igreja, fundamentada na eleição eterna de Deus, jamais pode ser destruída.
Já a Igreja visível é a multidão de pessoas em todo o mundo que professam o nome de Cristo, participam dos sacramentos e se reúnem sob o ministério da Palavra. Ela é "visível" porque podemos identificá-la no espaço e no tempo.
No entanto, dentro desta igreja visível, há uma mistura. Jesus nos ensinou isso claramente na parábola do trigo e do joio (Mateus 13:24-30) e na parábola da rede de pesca (Mateus 13:47-50). Em ambas, bons e maus convivem juntos até o dia do juízo final.
Por isso, no Credo Apostólico, dizemos "Creio na Igreja", e não "Creio *em* a Igreja". Nossa fé e confiança repousam *em* Deus, que é o único perfeito e verdadeiro.
Mas *cremos* que a Igreja existe e que somos parte dela, tanto em sua dimensão visível quanto na invisível. Ambas são realidades que devemos abraçar pela fé.
Aplicação
-
Abandone o perfeccionismo paralisante: Não espere encontrar uma igreja perfeita na Terra. Aceitar que a igreja visível é uma comunidade mista de "trigo e joio" o libertará da amargura e do cinismo, permitindo que você ame e sirva as pessoas reais ao seu redor.
-
Encontre segurança na promessa de Deus: Mesmo quando a igreja visível parece fraca ou corrompida, lembre-se da Igreja invisível, eterna e perfeitamente guardada por Deus. A obra de Cristo não falhará. Ele preservou sete mil que não se dobraram a Baal nos dias de Elias, e Ele continua preservando Seu povo hoje.
-
Pratique o discernimento com caridade: Não nos cabe fazer o julgamento final sobre quem pertence ou não à Igreja invisível. Devemos, por um "juízo de caridade", considerar como irmãos todos que professam a Cristo, vivem de modo coerente e participam da vida da igreja, deixando o juízo final para Deus.
3. A verdadeira Igreja é identificada pela Palavra e pelos sacramentos
Se a Igreja visível é uma mistura de crentes genuínos e hipócritas, como podemos saber onde a verdadeira Igreja de Cristo se encontra?
Em um mundo com tantas denominações e grupos que se autodenominam "igreja", como podemos discernir? Deus não nos deixou sem um mapa. Ele nos deu duas marcas ou sinais claros e objetivos.
As marcas da verdadeira Igreja são: a pregação pura da Palavra de Deus e a correta administração dos sacramentos (Batismo e Ceia do Senhor) conforme a instituição de Cristo. Onde quer que encontremos esses dois elementos sendo levados a sério, podemos ter a certeza de que ali está uma igreja de Jesus Cristo, mesmo que ela tenha outras falhas e fraquezas.
A Palavra é central porque é por meio dela que a fé é gerada. “A fé vem pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo” (Romanos 10:17). Uma comunidade que abandona, distorce ou substitui o Evangelho por mensagens de autoajuda, prosperidade material ou legalismo, perde sua identidade como Igreja de Cristo.
Ela se torna apenas um clube ou uma empresa. A Igreja é chamada por Paulo de “coluna e baluarte da verdade” (1 Timóteo 3:15), e sua principal tarefa é guardar e proclamar fielmente a verdade de Deus.
Os sacramentos são os sinais e selos visíveis da Palavra. Eles confirmam as promessas do Evangelho aos nossos sentidos e testificam nossa unidade em Cristo. Desprezá-los ou alterá-los é desprezar a ordem do próprio Senhor.
Portanto, qualquer grupo que abandone essas duas marcas essenciais não pode ser legitimamente considerado uma Igreja, não importa quão impressionantes sejam seus programas ou quão grande seja seu número de seguidores.
Aplicação
-
Escolha sua igreja com base no critério certo: Ao procurar uma comunidade, não priorize o estilo da música, a beleza do prédio ou a simpatia das pessoas. A pergunta mais importante é: "O Evangelho é pregado fielmente aqui? Os sacramentos são administrados com seriedade e de acordo com as Escrituras?".
-
Seja um bereano: Como os crentes de Bereia (Atos 17:11), examine as Escrituras diariamente para confirmar se o que está sendo ensinado é verdadeiro. Não aceite passivamente qualquer mensagem; cultive o discernimento bíblico para proteger a si mesmo e a sua família.
-
Não se separe por questões secundárias: Se uma igreja mantém a pregação fiel do Evangelho e a correta administração dos sacramentos, não devemos abandoná-la por causa de discordâncias em assuntos não essenciais à salvação. A unidade da Igreja é preciosa demais para ser quebrada por orgulho ou teimosia em pontos secundários.
4. Somos chamados a permanecer unidos, mesmo em uma Igreja imperfeita
Uma das maiores tentações para os crentes zelosos é a de se afastar da Igreja por causa dos pecados e falhas que veem nela.
Ao observar a falta de correspondência entre a doutrina pregada e a vida de muitos, alguns concluem: “Isto não pode ser a Igreja de Deus” e se isolam, movidos por um zelo que, muitas vezes, esconde orgulho e uma falsa noção de santidade.
No entanto, a Bíblia nos mostra repetidamente que a Igreja na Terra sempre será uma comunidade de pecadores em processo de santificação.
Consideremos a igreja de Corinto. Era uma comunidade assolada por divisões, inveja, imoralidade sexual escandalosa, processos judiciais entre irmãos e até mesmo erros doutrinários graves sobre a ressurreição.
Mesmo assim, Paulo se dirige a eles como “à igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para ser santos” (1 Coríntios 1:2).
Se Paulo não abandonou os coríntios, quem somos nós para abandonar uma igreja por problemas muito menores?
A ordem do Senhor não é para fugirmos ao primeiro sinal de pecado, mas para exercermos a paciência, a correção mútua e a clemência. O desejo de encontrar uma igreja perfeitamente pura neste mundo é uma armadilha diabólica que leva à fragmentação e à destruição da unidade pela qual Cristo orou.
Abandonar a comunhão de uma igreja onde a Palavra e os sacramentos ainda estão presentes é um ato de divórcio espiritual gravíssimo.
É negar a Deus e a Cristo, pois se tenta separar o Filho de Seu corpo. Devemos, sim, lamentar as falhas, trabalhar pela reforma e corrigir o que está errado com amor e humildade, mas sempre dentro da comunhão, e não fora dela.
Aplicação
-
Distinga entre falhas morais e apostasia: Há uma diferença entre uma igreja que luta com o pecado de seus membros e uma igreja que abandona o Evangelho. Enquanto a Palavra de Deus for pregada e os sacramentos celebrados, nosso dever é permanecer e trabalhar pela edificação, não desertar.
-
Pratique a admoestação com amor: Se um irmão pecar, o caminho bíblico não é a fofoca ou o afastamento, mas a disciplina restauradora descrita em Mateus 18. Nosso objetivo deve ser sempre a recuperação do irmão e a saúde do corpo de Cristo.
-
Examine seu próprio coração: Muitas vezes, um zelo excessivo pela pureza da Igreja mascara um coração orgulhoso e impaciente. Lembre-se de que você também é um pecador que depende diariamente da graça de Deus e da paciência de seus irmãos.
-
Não se contamine com o pecado alheio na Ceia: Paulo instrui cada um a examinar-se "a si mesmo" antes de participar da Ceia do Senhor (1 Coríntios 11:28), não a examinar o vizinho. Sua consciência não é manchada pela indignidade de outra pessoa, mas pela sua própria.
Conclusão
Voltamos à ideia inicial: um cristianismo sem Igreja. Vimos que essa é uma invenção humana, contrária a todo o plano de Deus.
Ele nos chamou para uma família, não para o isolamento. Ele instituiu a Igreja como nossa mãe espiritual, o ambiente seguro para nosso nascimento e crescimento na fé.
Aprendemos a discernir entre a Igreja invisível, conhecida perfeitamente por Deus, e a Igreja visível, nossa comunidade aqui na terra. Identificamos as marcas que nos garantem onde a verdadeira Igreja está: a pregação fiel da Palavra e a correta administração dos sacramentos.
E, finalmente, fomos desafiados a permanecer em unidade, suportando as imperfeições uns dos outros com paciência e amor.
Que o Senhor nos livre do orgulho de pensar que somos melhores que a comunidade que Ele mesmo redimiu com Seu sangue.
Que possamos amar a Igreja, servi-la, zelar por sua pureza e nos submeter ao cuidado que Deus nos oferece por meio dela. Pois não podemos ter a Deus como nosso Pai se nos recusamos a honrar a Igreja como nossa mãe.
Estudo Bíblico adaptado das Institutas da Religião Cristã - João Calvino / Livro IV - Capítulo I - "A Igreja verdadeira, à qual devemos estar unidos por ser ela a mãe de todos os fiéis"
Lista de estudos da série
1. A Mãe Espiritual: Por que um cristão não pode crescer sem a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas2. O DNA da Verdade: As marcas infalíveis da Igreja verdadeira – Estudo Bíblico sobre as Institutas
3. Vasos de Barro: Por que Deus usa líderes humanos e imperfeitos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
4. O Espelho do Passado: Lições da liderança e generosidade na Igreja Primitiva – Estudo Bíblico sobre as Institutas
5. O Ministério em Ruínas: Quando o serviço se transforma em busca por poder – Estudo Bíblico sobre as Institutas
6. Um Trono Vazio na Terra: Por que a Igreja tem uma única Cabeça, Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
7. A Sombra do Poder: Como a ambição corrompeu a liderança da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
8. Edificar ou Destruir: Os limites da autoridade na Igreja de Cristo – Estudo Bíblico sobre as Institutas
9. A Voz no Concílio: A verdadeira autoridade das assembleias da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
10. Um Rei para a Consciência: A liberdade do crente diante das regras humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas
11. A Disciplina do Amor: As chaves que protegem e restauram a Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
12. O Jardim de Deus: Como a disciplina cultiva a saúde da Igreja – Estudo Bíblico sobre as Institutas
13. A Armadilha da Piedade: As promessas que agradam a Deus e as que escravizam – Estudo Bíblico sobre as Institutas
14. A Graça Visível: Por que Deus nos deu os sacramentos – Estudo Bíblico sobre as Institutas
15. O Selo do Perdão: O significado profundo do batismo cristão – Estudo Bíblico sobre as Institutas
16. O Abraço da Aliança: Por que batizamos as crianças dos crentes – Estudo Bíblico sobre as Institutas
17. O Banquete do Rei: A Ceia do Senhor como alimento para a alma – Estudo Bíblico sobre as Institutas
18. Um Sacrifício, Uma Mesa: A Ceia como memorial, não como repetição – Estudo Bíblico sobre as Institutas
19. A Simplicidade de Cristo: Os dois sacramentos em contraste com invenções humanas – Estudo Bíblico sobre as Institutas