Teologia na prática: Como a sã doutrina deve transformar sua vida – Estudo Bíblico sobre a Reforma Protestante

Um dos chavões mais aplaudidos no meio evangélico diz o seguinte: “Nossa igreja não prega doutrina, nossa igreja só se preocupa com Cristo Jesus.” E a grande maioria evangélica concorda com esta ideia, pois doutrina parece ser sinônimo de diversidade e briga.

Há, contudo, um preconceito neste chavão, resultado da falta de conhecimento acerca do significado de doutrina. O primeiro aspecto a considerar, e que talvez choque muitos cristãos, é que as palavras de Jesus sempre foram consideradas doutrina (Mc 4.2).

Paulo diz a Timóteo que “se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs palavras de nosso Senhor Jesus Cristo... nada entende” (1 Tm 6.3). Paulo compara as sãs palavras de Jesus Cristo à doutrina, pois conhecer a doutrina significa conhecer a fé, as verdades espirituais.

Em João seis, quando Jesus diz que era o pão da vida, causou escândalo pela dureza de suas palavras (v. 60) e, como consequência, muitos “discípulos o abandonaram e já não andavam com ele” (v. 66). 

No entanto, Pedro reconheceu que os ensinamentos de Jesus eram “palavras de vida eterna" (v. 68), e essas palavras são doutrina. É a palavra doutrina que muitas vezes encaramos de modo negativo.

O segundo aspecto que contribui para a falta de entendimento do assunto é pensar que doutrina não tem nada a ver com devoção. Alguns até pensam que doutrina atrapalha a vida piedosa — se esquecem de que são os ensinamentos de Jesus que fazem de nós pessoas piedosas. 

Paulo, em suas cartas, mostra a conexão entre doutrina e vida piedosa, quando divide seus escritos em duas partes:

1. A primeira trata de quem é Deus, Jesus Cristo, e como se efetua a obra de salvação.

2. A segunda parte trata de como devemos reagir à vista do que Deus fez em nós (Ex: Romanos, Efésios, Colossenses). Esta conexão entre fé e prática também está presente em nosso texto básico – Judas 3,4.

1. A batalha é de todos (v. 3)

Ao descartar a ideia de escrever uma espécie de amplo tratado teológico “acerca da nossa comum salvação”, Judas detectou o perigo do falso ensino (v. 4) e escreveu a sua breve epístola no anseio de resolver esse problema.

Por considerar as deturpações teológicas dos falsos mestres extremamente prejudiciais à vida cristã, Judas escreve exortando os “chamados” (v.1) a batalharem pela fé. Este é o propósito de sua epístola: “exortando-vos a batalhardes, diligentemente, pela fé que uma vez por todas foi entregue aos santos” (v. 3).

Há duas verdades interessantes nesta pequena frase. A primeira é a de batalhar pela fé. Que fé é esta? Esta fé não é a confiança pessoal nos méritos de Cristo, a convicção das verdades espirituais em nosso coração. Por esta fé eu e você não podemos lutar pois não temos acesso ao nosso coração; Deus é o único que tem acesso à ele e pode zelar pela fé nele contida.

A fé pela qual nós lutamos é a fé que compõe o conjunto de verdades em que cremos, o corpo de doutrinas tirado do livro que é nossa regra de fé: a Bíblia. Por esta fé nós batalhamos quando reagimos às falsas interpretações e aos desvios doutrinários, quando rejeitamos a ideia de que a Bíblia é falha e perdeu a sua relevância para os nossos dias.

A segunda verdade importante é a de que esta fé, de uma vez por todas, foi entregue aos santos. Judas está dizendo que o evangelho de Deus já foi entregue aos fiéis e não precisa mais de acréscimos. Nosso conjunto de verdades já está completo, fechado e perfeito. Isto significa que a Bíblia, por ser Palavra de Deus, não deve ser aumentada ou diminuída (Ap 22.18,19; Dt 4.2).

O que Deus disse e foi registrado no seu livro não precisa de reparos, adaptações ou correções. Tudo o que o homem precisa saber sobre Deus, sobre si próprio, sobre a salvação e seu relacionamento com o Altíssimo já nos foi entregue por completo. Portanto, as Escrituras passam a ser a única e suficiente regra de verdades e doutrinas.

E por esta fé já entregue aos santos que Paulo tanto batalhava. Ele encorajou Timóteo a tornar-se soldado da fé mesmo que isto trouxesse sofrimentos e perseguições (2 Tm 2.3).

Uma de suas frases mais marcantes ao jovem pastor foi: “Combate o bom combate da fé” (1 Tm 6.12). O próprio Paulo sentiu-se realizado no final de sua vida, por ter sido zeloso pela fé: "Combati o bom combate, completei a carreira, guardei a fé” (2 Tm 4.7).

Mas o zelo pela sã doutrina não deve ser uma preocupação do ministro somente. Paulo escreve aos filipenses almejando ouvir falar que todos estavam “lutando juntos pela fé evangélica” (Fp 1.27); Paulo via esse zelo como uma preocupação de todo crente. 

Por isso, Judas escreve “aos chamados" acerca de zelo doutrinário, sabendo que todos os fiéis em Cristo deveriam reagir contra o falso ensino e rejeitar o erro doutrinário.

2. Os desvios doutrinários (v. 4)

O verso quatro ressalta dois erros dos falsos mestres que eram o motivo da preocupação de Judas: “transformam em libertinagem a graça de Deus e negam nosso único e Soberano Senhor, Jesus Cristo."

Abusavam da graça de Deus em direção à libertinagem no sentido de achar que por estarem salvos poderiam viver da forma como quisessem (veja Rm 6).

Muitos, hoje, dizem que a letra mata e por isso não devemos ficar "bitolados” pela Bíblia; dizem que fomos libertos da lei e já não temos qualquer vínculo com a mesma; "devemos deixar o Espírito fluir em nossa vida” é o que dizem. Isso é antinomismo, é uma contradição.

Estar contra a lei é ser contrário ao que Deus requer de nós nas Escrituras. Fomos criados para boas obras (Ef 2.10) e isso significa obediência à Lei de Deus como resposta agradecida pela salvação em Jesus Cristo.

Devemos responder à graça de Deus não com libertinagem mas com liberdade. Liberdade cristã não é estar ao seu bel-prazer, fazer o que se bem entende; significa sim, estar apto a fazer toda a vontade de Deus, algo que não podíamos fazer quando éramos escravos do pecado.

Os falsos mestres também negavam a Jesus na sua soberania e senhorio. Muitos chamados 'evangélicos' no Brasil de hoje, tem apreciado muito a ideia de Jesus como Salvador de suas vidas, mas não vivem como se ele fosse o Senhor de suas vidas. Querem os benefícios de salvação mas não querem a responsabilidade de viverem como servos de Cristo.

Contra ensinos errôneos como esses que foram mencionados é que tanto os "chamados" da época de Judas quanto nós, os “chamados” de hoje, temos de batalhar diligentemente.

Em nossos dias, muitos desvios doutrinários tem ameaçado a pureza do evangelho. No livro Reforma Hoje (Editora Cultura Cristã, p. 173), David F. Wells escreve:

"O problema fundamental no mundo evangélico de hoje é que Deus pesa pouco demais sobre a igreja. Sua verdade está distante demais, sua graça comum demais, seu juízo manso demais, seu evangelho fácil demais e seu Cristo simples demais".

Muitas são as doutrinas que sofrem deturpações em nosso tempo. A doutrina da soberania de Deus é praticamente descartada quando aqueles que deveriam ser servos submissos “determinam” em sua orações o que querem de Deus; oração não é cheque em branco no qual assinalamos a quantia que queremos, mas dependência daquele que é Senhor.

A doutrina da santidade de Deus tem sido pouco pregada porque mexe na ferida do pecado, e o ser humano não gosta de ter a sua imundície exposta; como consequência, fala-se muito de fé mas pouco de arrependimento.

Os pilares doutrinários defendidos na Reforma Protestante do século XVI também têm sido destruídos.

Sola Scriptura

Enquanto os reformadores diziam Sola Scriptura (só a Escritura é autoridade na igreja), muitos preferem buscar direcionamento nas profecias e visões; mas o Espírito de Deus sempre nos direciona com base na instrução da Palavra de Deus, nunca em contrário à ela.

Sola Fide

Enquanto os reformadores diziam Sola Fide (justificação pela fé somente), muitos evangelistas ensinam a necessidade de você primeiro abrir o seu coração em fé para que então Jesus entre; essa fé passa a ser obra, pois ela é que dá a permissão para que Jesus salve.

Sola Gratia

Enquanto os reformadores diziam Sola Gratia (somente a graça de Deus salva), há muitos que ensinam que a criança morta até uma certa idade vai para o céu porque é inocente; até as crianças necessitam da graça divina para a salvação pois foram concebidas em pecado (SI 51.5; 58.3).

Solus Christus

Enquanto os reformadores diziam Solus Christus (Cristo é suficiente como mediador de nossa salvação), os crentes continuam frequentando cultos de libertação e quebra de maldição, como se a cruz de Cristo não fosse suficiente para fazer de você uma pessoa livre e abençoada.

Conclusão

Portanto, lute! Batalhe como soldado da fé! Evite que a verdade de Jesus seja trocada por mentira. Lute, pois essas coisas afetam nossa vida. Lembrem-se de que os falsos mestres estavam levando as pessoas à libertinagem, a práticas mundanas.

Isto é porque doutrina influencia nossa vida prática, tanto positiva (se for a correta) quanto negativamente (se for uma errada). Somente crendo na verdade é que agimos conforme a verdade. Assim sendo, batalhe pela verdade de Deus.

Aplicação

Você já havia parado para pensar que a responsabilidade de lutar pela fé é de todo o cristão e não só do pastor? Quando você guarda a fé como Paulo, e a deposita no cofre mais íntimo - o coração, tem uma vida desprendida do pecado (SI 119.11).

Autor: Heber Carlos de Campos Júnior

Semeando Vida

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