O termo reavivamento é recorrente no cenário evangélico brasileiro. Desde canções que o mencionam, livros com títulos ou subtítulos relacionados ao tema, ou faixas afixadas no frontal de algumas igrejas, encontramos anúncios dele em vários lugares. Existe até quem defenda que o nosso país passa por um reavivamento.
A fim de evitar mal entendidos, é necessário estudar o assunto segundo a Palavra de Deus e observar suas manifestações na história bíblica e na história do cristianismo.
1. O que é reavivamento?
A Bíblia não nos apresenta uma definição de reavivamento. Contudo, o princípio está claramente revelado em suas páginas (cf. SI 51.10; 85.6; Is 40.31; 57.15; Hc 3.2; Sf 3.17; Rm 12.2; Ef 4.23; Ap 2.5).
Além do princípio, a Bíblia também menciona algumas de suas manifestações, registra orações em favor da visitação divina no meio do seu povo e nos dá princípios para avaliar se um movimento é a expressão do agir de Deus ou o engodo de Satanás.
Reavivamento não é o mesmo que reavivalismo, individualismo, emocionalismo ou idealismo. É, sim, "... a revitalização e aprofundamento da experiência religiosa na vida de indivíduos ou grupos” (Alderi S. de Matos).
Uma vida — ou igreja — reavivada, acrescentamos, é um poderoso instrumento de Deus no cumprimento da sua vontade. Cabe ressaltar ainda que, historicamente, os despertamentos restabeleceram a igreja na verdade bíblica, trouxeram quebrantamento coletivo e ocasionaram ações evangelísticas acima do normal.
2. Reavivamentos na história de Israel
Em alguns períodos do Antigo Testamento, houve extraordinárias manifestações do Espírito Santo. Uma delas aconteceu no reinado de Asa. “Veio o Espírito de Deus sobre Azarias, filho de Obede.
2 Crônicas 15.1-2
Este saiu ao encontro de Asa e lhe disse: Ouvi-me, Asa, e todo o Judá, e Benjamim. O Senhor está convosco, enquanto vós estais com ele...
Reanimado pela palavra do Senhor, o rei lançou fora as abominações idólatras (v 8), tirou sua mãe do posto de rainha (v. 16), renovou o altar (v 8), congregou o povo, ofereceu com ele sacrifícios (v. 11), fizeram aliança com Deus (v 12) e “o Senhor lhes deu paz por toda a parte" (v. 15).
Nos dias do rei Josias também ocorreu um grande despertamento. A Bíblia destaca seu governo: “Antes dele, não houve rei que lhe fosse semelhante, que se convertesse ao Senhor de todo o seu coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças, conforme toda a lei de Moisés; e depois dele nunca se levantou outro semelhante” (2Rs 23.25).
Josias foi homenageado pelo profeta Jeremias na sua morte (2Cr 35.25). Mas, o que sucedeu no seu reinado?
A Casa do Senhor foi restaurada dos seus estragos (2Rs 22.5). Nessa reforma, o Livro da Lei foi achado (22.8), lido perante o rei (v. 10), que rasgou suas vestes (11). Josias enviou uma comitiva para consultar a profetisa Hulda (v. 14). Deus revelou que, devido ao seu quebrantamento, ele teria paz durante todos os seus dias (20). Em decorrência disso, Josias empreendeu uma reforma espiritual (cf 2Rs 23 e 2Cr 34-35).
Após o exílio na Babilônia, encontramos evidências de uma significativa reforma espiritual sob a liderança de Esdras e Neemias. Eles reconduziram o povo à aliança com o Senhor (Ne 9.38).
Isso começou com a leitura (8.3) e explicação da lei de Deus (8.7). A compreensão dela foi seguida de celebração (8.12), Festa dos Tabernáculos (13-18), jejum coletivo (9.1) e confissão de pecados (9.2).
Com a aliança firmada, a cidade de Jerusalém foi repovoada e a “dedicação dos muros" foi acompanhada de grandes sacrifícios “pois Deus os alegrara com grande alegria". De longe se ouviu o júbilo de Jerusalém (12.43).
O livro termina (cap. 13) mencionando o afastamento dos estrangeiros, a expulsão de Tobias do templo, o restabelecimento do ministério levítico, a observância do sábado e a condenação do casamento de judeus com gente de outros povos.
3. Reavivamentos na história do cristianismo
Ao longo dos séculos, houve muitos reavivamentos na igreja cristã. No entanto, poucos estão bem documentados.
Ora mais curtos e circunscritos a certas regiões ou cidades, ora de maior duração e proporção geográfica, em alguns contextos podemos identificar, de maneira clara, as manifestações extraordinárias do poder de Deus na vida do seu povo.
Sob o período apostólico — época singular, quando o evangelho se expandiu e alcançou lugares e povos de forma impressionante — Lucas nos relata a poderosa ação do Espírito Santo no dia de Pentecostes (At 2).
O fenômeno das línguas entre os apóstolos, a conversão de quase três mil pessoas em resposta ao sermão de Pedro, o modo de vida dos crentes e o impacto causado pela comunidade atestam uma situação atípica na vida da igreja.
As cidades de Antioquia da Pisídia (At 13.44-52) e Éfeso (At 19) também foram fortemente impactadas pela obra que Deus realizou por intermédio dos seus servos.
Após a Reforma Protestante, vemos no Pietismo outra experiência avivalista. Situado entre 1670 e a primeira metade do século 18, o movimento se desenvolveu no seio do luteranismo alemão e teve como principal líder Philipp Jakob Spener (1635-1705).
As reuniões que ele começou em sua casa (collegia pietatis) e, sobretudo, seu livro Pia Desideria (Desejos piedosos) deram início a um despertamento cujas ênfases podem ser resumidas na santificação e testemunho de vida, como vimos em lição anterior.
Mas foi nos Estados Unidos que ocorreram os mais notórios reavivamentos. E certo que a tradição puritana anglo-saxônica e a projeção de líderes evangélicos ingleses como John Wesley e George Whitefield são elementos indissociáveis da experiência americana, assim como a contribuição do pietismo alemão por meio de pessoas que migraram para o país.
O Primeiro Grande Despertamento começou em Nova Jersey e, ao longo das décadas de 1730 e 40 se espalhou por toda a Nova Inglaterra (o que seria futuramente os EUA era um grupo de colônias da Inglaterra).
Jonathan Edwards, George Whitefield e Gilbert Tennent são reconhecidos como seus maiores pregadores. Mais impactante e considerado o mais importante na história da nação foi o Segundo Grande Despertamento.
Na realidade, a expressão abrange uma série de experiências de revitalização espiritual e avanço evangelístico entre 1790 e 1840, de norte a sul do país. Nomes como os de Francis Asbury, Charles Finney, Timothy Dwight e Asahel Nettleton ganharam notoriedade.
Dentre os desdobramentos do Segundo Despertamento podem ser listados o considerável crescimento numérico das igrejas, os “camp meeting" (acampamentos evangelísticos que reuniam centenas de pessoas para ouvirem pregadores avivalistas), a criação de muitas sociedades voluntárias (Juntas Missionárias, Sociedade Bíblica Americana, União de Escolas Dominicais, etc.) e o envio de missionários para muitas partes do mundo, inclusive o Brasil.
Mais recentemente, no século 20, Deus abençoou a Coréia com um reavivamento. Ocorrido nas primeiras décadas, os efeitos da ação divina ainda se fazem sentir por lá.
A situação não se restringe aos números; o fato é que a sociedade coreana, em geral, tem sido grandemente beneficiada pela influência evangélica. Na África do Sul, na província de Natal, no pastorado do Rev. Erlo Stegen, Deus derramou seu Espírito de maneira poderosa nas décadas de 60 e 70 no meio dos Zulus.
4. Vida cheia do espírito santo
Tão importante quanto considerar o que Deus fez na sua igreja no passado é colocar em prática o que ele nos prescreve em sua Palavra: “... não vos embriagueis com vinho, no qual há dissolução, mas enchei-vos do Espírito, falando entre vós com salmos, entoando e louvando de coração ao Senhor com hinos e cânticos espirituais, dando sempre graças por tudo a nosso Deus e Pai, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, sujeitando-vos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef. 5.18-21).
É interessante observar que, na sequência do texto, Paulo demonstra as implicações disso no contexto do casamento (5.22-33), da relação entre pais e filhos (6.1-4) e do relacionamento envolvendo senhores e servos (6.5-9).
Em resumo: a direção do Espírito nos fará pessoas mais fraternas nas diferentes esferas da vida em sociedade (conjugal, familiar e profissional). Uma pessoa guiada pelos valores do céu fará uma santa diferença aqui na terra.
Como filhos da Aliança, devemos buscar a plenitude do Espírito. Isso não depende, necessariamente, dos nossos líderes, da fase da igreja local, de ir a show de música gospel ou seguir aparentes fórmulas de sucesso espiritual.
Também não tem a ver com manifestações carismáticas, libertação de males temporários, cura espiritual, riso santo, etc. A verdadeira espiritualidade é bíblica e cristocêntrica.
A ação do Espírito nos leva a obedecer a Deus, à santidade de vida. O caminho para o crescimento e revitalização da fé já está revelado: guardar a palavra no coração (SI 119.2-3), buscar a Deus como o salmista fazia (SI 63.1-2), obedecer à liderança que Deus põe sobre nós e ajudar os que precisam (ITs 5.12-14).
A História nos ensina que os reavivamentos começaram pelo quebrantamento diante de Deus, com a leitura da sua Palavra. Foi assim que aconteceu com Asa, Josias, Esdras, Spener, Zinzendorf, Whitefield, Edwards e tantos outros. Vidas reavivadas que, dirigidas por Deus, conduziram à igreja dos seus dias ao despertamento espiritual.
Também é necessário apreender outra lição que a história do Cristianismo nos dá: mesmo em épocas que não conheceram uma visitação extraordinária do Espírito Santo na experiência de um grupo ou igreja em particular, Deus encheu certas pessoas com seu poder e elas realizaram grandes coisas em prol do reino.
Lutero, Calvino e John Knox no século 16; John Wesley no século 18; George Muller, Robert Murray M'Cheyne, Robert Kalley e Charles H. Spurgeon no século 19; Francis Schaeffer, John Stott e Billy Graham no século 20; e entre nós, brasileiros, louvamos a Deus pelo que ele tem realizado por meio de crentes piedosos.
Conclusão
Jonathan Edwards (1703-1758), um dos principais nomes do Primeiro Grande Despertamento, tendo testemunhado muitas conversões e experiências de quebrantamento espiritual, deparou-se com uma situação inusitada: "por um lado, tinha que argumentar contra aqueles que descartavam todo o avivamento como histeria irracional; por outro, tinha que argumentar contra aqueles que pareciam pensar que tudo o que aconteceu no avivamento era 'de Deus', não importando quão estranho, extremista ou desequilibrado fosse”.
Foi nessa situação que ele escreveu seu Tratado sobre Emoções Religiosas. Dessa obra, hoje clássica, inferimos que:
1. As legítimas experiências espirituais são geradas pelo Espírito Santo no coração dos regenerados;
2. O propósito de um reavivamento é a promoção da glória de Deus;
3. A experiência do despertamento espiritual nos humilha na presença do Senhor;
4. Pessoas que experimentam o genuíno quebrantamento demonstram uma mudança que persiste em sua vida, resultando em amor, humildade, paz, perdão e compaixão à semelhança de Cristo;
5. O equilíbrio emocional é uma evidência da graça divina nos crentes;
6. Pessoas cheias do Espírito, reavivadas, desejam e perseguem a santidade em sua vida;
7. O fruto do avivamento é a prática das virtudes cristãs e do amor ao próximo.
Aplicação
Reflita sobre qual tem sido a sua resposta à ordem de Deus: “enchei-vos do Espírito”, levando em consideração a importância que você tem dado à vida devocional (estudo bíblico e oração).
Analise, segundo a contribuição de Edwards, se o que tem caracterizado o movimento evangélico no Brasil é fruto de reavivamento, ou de mero entusiasmo religioso. Você tem incluído o tema reavivamento em suas orações?
Autor: Dráusio Piratininga Gonçalves