Sem isso, nada muda: A centralidade do arrependimento para a Reforma – Estudo Bíblico sobre a Reforma Protestante

No dia 31 de outubro do ano de 1517, um monge chamado Martinho Lutero marcou a história afixando 95 teses na porta da igreja do castelo de Wittenberg, na Alemanha. 

Embora tenha sido uma atitude comum — como quem convida outros para um debate — Lutero enfatizou algo necessário diante da corrupção na igreja: o arrependimento. A primeira das teses dizia assim:

"Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo, em dizendo ‘Arrependei-vos", (...) afirma que toda a vida dos fiéis deve ser um ato de arrependimento."

Lutero via uma corrupção generalizada desde o clero até a venda de indulgências (uma forma de comprar o perdão e garantir a morada celestial com dinheiro). Portanto, ele visava reformar a igreja, não provocar uma cisão; mas para que houvesse reforma era preciso haver arrependimento.

Já vimos que a Igreja Evangélica Brasileira precisa de reforma na doutrina, no culto e na vida. Contudo, essa reforma não acontece até que o arrependimento a produza. Como Lutero, precisamos exortar os crentes ao arrependimento. A reforma é a consequência externa de uma mudança interna.

A partir de agora trataremos acerca do arrependimento genuíno que traz reforma na vida individual e da igreja.

1. Considerações gerais sobre o arrependimento

Arrepender-se significa dar meia volta. É uma combinação de voltar-se do pecado e virar-se para Deus (ITs 1.9). Antes do arrependimento, você está de costas para Deus e caminhando por uma vida de pecado. Com o arrependimento, que é a meia volta, você passa a ficar de costas para o pecado e caminha em direção a Deus.

Três elementos precisam fazer parte do arrependimento para que seja genuíno e leve alguém a reformular a sua vida.

O elemento intelectual

Consiste numa mudança de conceito, um reconhecimento de que o pecado envolve culpa pessoal; é o que Paulo chama de "conhecimento do pecado” (Rm 3.20). Só este elemento não faz o arrependimento. Se o que você chama de arrependimento só foi algo da mente, então você tem temor do castigo, ao invés de ódio do pecado.

O elemento emocional

Envolve uma mudança de sentimento, uma tristeza pelo pecado contra Deus, que é santo e justo. Quando acompanhado pelo elemento subsequente, é tristeza segundo Deus, mas se não for acompanhado por ele, será tristeza do mundo (2Co 7.9-10), que se manifesta em remorso e desespero (Mt 27.3; Lc 18.23).

O elemento volitivo

Contém uma mudança de propósito, acompanhado de ódio ao pecado; este elemento é que realiza a mudança de 180 graus no nosso caminhar. A junção dos três elementos é que faz um arrependimento ser genuíno.

Um grande exemplo de arrependimento é o personagem rebelde da parábola do filho pródigo. Quando ele caiu em si (Lc 15.17), reconheceu que estava errado, sentiu grande tristeza pelo seu erro, e mudou a sua atitude de dá-me (Lc 15.12) para faze-me (Lc 15.19). É assim que o arrependimento produz as reformas na sua vida.

Esse arrependimento deve ser constante, e não somente no ato de nossa conversão, porque nossos erros e desvios são frequentes. Devemos nos arrepender do início ao fim desta vida, pois sempre existem áreas que precisam de reformas.

Assim como há o lema “Igreja Reformada sempre reformando”, devemos dizer que uma vida reformada por Cristo deve estar em constante reforma. Mas para haver constante reforma é preciso haver constante arrependimento.

O perigo de buscar uma vida de arrependimento constante é torná-lo mecânico. O arrependimento tem de vir do coração assim como veio o pecado.

Entretanto, nosso coração endurecido nem sempre produz arrependimento genuíno. Temos a tristeza de constatar, em muitas situações, que do nosso coração não sai qualquer atitude que nos faça abandonar o pecado; sabemos que erramos, às vezes até choramos, mas não mudamos nosso caminhar.

Não devemos parar no desespero, ou no remorso, mas devemos odiar nossos erros que tanto desagradam a Deus; quer seja na doutrina, no culto ou na vida. 

Só então teremos reforma na vida individual e da igreja. O que conforta nosso coração é saber que o arrependimento é dom de Deus (At 11.18; Rm 2.4). Devemos pedir a Deus que visite o seu povo com arrependimento para que haja reforma.

2. O arrependimento precedendo a reforma nas igrejas

Cinco das sete cartas que Jesus Cristo envia por intermédio de João às igrejas da Ásia Menor, contém uma exortação ao arrependimento (Apocalipse 2.5; 2.16; 2.21-22; 3.3; 3.19).

Cristo está pedindo uma volta às primeiras obras, um retorno ao que haviam aprendido anteriormente, um abandono de práticas pagãs. A mesma mensagem de arrependimento é colocada a todas as igrejas que merecem alguma crítica.

Embora o chamado ao arrependimento seja o mesmo, as falhas das igrejas são diferentes, e exigem mudanças em áreas distintas.

A igreja de Éfeso

É forte na doutrina mas precisava de reforma na vida: “volta à prática das primeiras obras” (2.4-5).

A igreja de Pérgamo

(2.14-15) precisava de reforma na doutrina (davam abertura à doutrina de Balaão e a doutrina dos nicolaítas) e reforma no culto (elementos do paganismo que alguns ainda apreciavam: comida sacrificada a ídolos e prostituição cultual).

A igreja de Tiatira

Precisava de reforma na doutrina e no culto (2.20). A igreja de Sardes precisava de reforma na vida; “não tenho achado íntegras as tuas obras" (3.2).

A igreja de Laodicéia

A única igreja que não recebe um elogio sequer de Jesus Cristo, precisava reformar seu interior orgulhoso (3.17).

Para todas, o chamado ao arrependimento é o mesmo. As quatro primeiras tinham qualidades que foram ressaltadas; Jesus não as despreza, mas de todas diz "Conheço..."

Mas estas igrejas precisavam reformar outras áreas. As exortações ao arrependimento são sempre acompanhadas de algum castigo caso as igrejas não se arrependam (2.5; 2.16; 2.22-23; 3.3). Caso se arrependam, e reformulem o que precisa ser mudado, serão chamadas de “vencedores” e receberão bênçãos em grande medida.

Se cada cristão genuíno e se cada igreja verdadeira recebesse uma carta do Senhor Jesus, provavelmente conteria alguns elogios, críticas, chamada ao arrependimento, ameaça de castigo, e recompensas ao vencedor. As áreas de atuação seriam diferentes, mas a estrutura provavelmente seria a mesma.

Portanto, toda igreja e todo cristão, individualmente, deveria tomar os seguintes passos que ligam o arrependimento à reforma:

Reconhecer o pecado

“Lembra-te, pois, de onde caíste” (2.5); “Lembra-te, pois, do que tens recebido e ouvido (3.3); peça ao Senhor sensibilidade para detectar as suas falhas.

Requisitar o perdão

Esse pedido é feito com base nos méritos de Cristo Jesus; devemos buscar as suas virtudes (3.18).

Renovar a pureza

"Cria em mim, ó Deus, um coração puro e renova dentro de mim um espírito inabalável.” (SI 51.10); essa é a atitude que o cristão toma, quando abre a porta para cear com Cristo (Ap 3.20).

Conclusão

Você e eu, além de nossas igrejas como corpo, precisam de reforma. Portanto peçamos o arrependimento a Deus. Peçamos a Deus que visite a Igreja Evangélica Brasileira dando a ela consciência de seus erros, tristeza por eles, e desejo de mudar os seus procedimentos.

A obra de reforma é tanto divina quanto humana, pois a Bíblia diz: “desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor (Paulo dizendo que precisamos melhorar); porque Deus é quem efetua em nós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade (Paulo constatando que Deus é quem opera essa em nós).” (Fp 2.12-13).

Aplicação

Na vida cristã, para crescer é preciso diminuir (Jo 3.30; Tg 4.10; Lc 18.9-14). A diminuição acontece quando nos arrependemos, reconhecemos nossa pequenez. Nossa pequenez engrandece a graça de Deus.

Autor: Heber Carlos de Campos Júnior

Semeando Vida

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