Texto Básico: Colossenses 2.16-23
Introdução
O homem nunca esteve satisfeito em confiar somente na graça para a salvação e, por isso, sempre tentou arranjar meios de dar uma “ajudinha para Deus. Essa ajudinha pode ser chamada de boas obras.
Uma tendência que temos visto assumir grande vulto dentro das fileiras evangélicas provém de grupos que ensinam a necessidade de observar certos ritos, cerimônias, costumes ou abstinências como meios de se alcançar a salvação.
Assim, é ensinado que além de crer em Jesus, é preciso se submeter a uma forma especial de batismo onde a água é o que mais conta, vestir-se de um determinado jeito, não comer certos alimentos, guardar este ou aquele dia, etc.
I. A volta do legalismo
Podemos identificar uma mistura de “ascetismo e legalismo sendo cada vez mais proclamadas dos púlpitos e publicações cristãs. A ênfase do ascetismo consiste em negar os direitos e vontades do corpo e, até mesmo, impor castigos sobre ele numa tentativa de purificar a alma os desejos carnais.
Entre as práticas do ascetismo encontram-se o jejum, o celibato, a autoflagelação, a abstinência de alimentos e prazeres, etc.
O legalismo, num certo sentido, é muito parecido com o ascetismo. O legalismo baseia-se na exigência da observação de certas leis como fundamentais para a salvação. Os judeus, em geral, eram muito legalistas. Entendiam que a salvação poderia sei alcançada somente pela estrita observação de certas leis e costumes.
Percebemos que o movimento evangélico moderno não conseguiu se libertar das práticas do ascetismo e do legalismo. Isso pode ser visto pela ênfase de certas denominações sobre o vestuário, abstinência de entretenimentos, bem como de comidas e bebidas, ou na exigência à observação de certos ritos referentes ao batismo, a santa ceia, ou ao sábado.
Isto tudo, certamente, deve-se à falta de entendimento bíblico e de como funciona a salvação. O Apóstolo Paulo diz: “pela graça sois salvos, mediante a fé, e isso não vem de vós é dom de Deus” (Ef 2.8).
Qual é a função, então, das obras? O mesmo texto diz que a salvação é dom de Deus e “não de obras, para que ninguém se glorie”, e acrescenta “pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.9-10).
Então, não somos salvos por causa das boas obras, antes por causa da graça de Deus, mediante a fé na obra redentora de Cristo, mas somos salvos para boas obras e, por isso, elas são tão importantes, porque são a prova evidente de que somos salvos.
II. A inutilidade do legalismo
O Apóstolo Paulo enfrentou sérios problemas com os cristãos da cidade de Colossos com relação a esse assunto. Os crentes de Colossos estavam sendo assediados por algumas pessoas que estavam se esquecendo da centralidade absoluta de Cristo e da graça de Deus.
Paulo fala dessas pessoas como tendo “raciocínios falazes” (Cl 2.4), e como sendo portadoras de uma filosofia cheia de vãs sutilezas, que eram “segundo a tradição dos homens, conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo” (Cl 2.8).
Mas, o que estas pessoas ensinavam de tão ruim? Podemos entender da carta aos colossenses que estas pessoas ensinavam que os crentes deveriam observar certas práticas, sem as quais não estariam sendo cristãos verdadeiros.
Entre as muitas coisas exigidas estava a abstinência de alimentos, a participação em cerimônias religiosas, a observação do Sábado (Cl 2.16), e muitas outras que Paulo não relata detalhadamente (Cl 2.21). Era o legalismo substituindo a graça de Deus.
São apenas sombras (Cl 2.16-17)
Qual é a utilidade da sombra? Ela nos dá uma vaga ideia de como o dono da sombra é. Por exemplo, quando alguém está se aproximando e nós não podemos vê-lo, mas apenas a sua sombra, podemos ter uma ideia de quem é. Neste caso, a sombra é útil.
Mas, quando podemos ver a própria pessoa, que importância tem a sombra? Assim eram os ritos, cerimônias e leis do Antigo Testamento.
Eles eram sombra de Jesus e da obra da graça de Deus, oferecendo uma noção para os crentes daquela dispensação sobre como seria o Messias e qual a sua obra.
Mas, agora que Cristo já veio, agora que já vemos seu corpo, porque voltaríamos a observar as sombras? Elas, hoje, não têm qualquer utilidade.
Segundo a argumentação de Paulo, as coisas do Antigo Testamento eram apenas sombra da realidade que já existe e que é Cristo. Assim, não havia motivos para ordenanças com respeito a comer, uma vez que o Pão da Vida já havia vindo (Jo 6.35,48).
Não havia necessidade da observância da páscoa como meio para o aperfeiçoamento espiritual porque “Cristo, nosso cordeiro pascal, já foi imolado” (ICo 5.7).
Assim também que motivo haveria para se impor sobre os novos convertidos a observância do sábado judeu, se aquele que veio trazer o descanso definitivo já havia vindo? (Mt 11.28,29; Hb 4.8,14).
A sombra, ou seja, aquelas práticas do Antigo Testamento, queria apenas apontar para Cristo, eram a sombra dele, mas agora já se podia ver o próprio “corpo de Cristo" (vs. 17) e, por isso, elas já não tinham mais razão de ser.
Não tem base verdadeira (2.18,19)
Não há apoio algum no Novo Testamento para a prática destas exigências legalistas e ascéticas, ou seja, elas não têm base. Mas, então, em que se baseiam os defensores destas práticas? O Apóstolo Paulo diz: em falsa humildade, no culto dos anjos, em visões e no vazio da sua mente carnal.
Novamente Paulo diz “que ninguém vos julgue. O sentido é que ninguém vos desqualifique". Ou seja, Paulo quer que os crentes não se sintam abatidos quando alguém tenta os desqualificar. O curioso é que eles argumentam que estes costumes são um sinal de humildade. Mas, Paulo diz: esta humildade é apenas um pretexto, ela é falsa.
Um outro argumento usado para convencer os colossenses era o culto aos anjos. Assim, o nome dos anjos era usado para tentar convencer os crentes a obedecerem àquelas práticas. As visões também eram usadas. Diziam que haviam recebido aquelas ordens em visões e, assim, todos deveriam obedecer.
Segundo Paulo, na verdade, estas pessoas eram enfatuadas, sem motivo algum, na sua mente carnal". Enfatuado quer dizer cheio de si, mas Paulo diz: cheio de si sem motivo algum.
Quer dizer, a pessoa não tem motivo algum para se sentir assim, pois sua mente é carnal e não espiritual. Ele não retém a cabeça (vs.19). Ou seja, na verdade, não tem nada a ver com Cristo, seus motivos são carnais, não são os motivos de Cristo.
Representam um retrocesso (2.20-22a)
Se Paulo já havia dito que a própria lei de Deus, como uma forma de alcançar a salvação, havia sido cancelada e pregada na cruz (Cl 2.14), que se dirá então desses preceitos, verdadeiros “rudimentos do mundo", coisas pueris, inventadas pelos homens?
Esse tipo de religião baseada em regras, em costumes, em observâncias, é uma religião mundana, uma religião terrena, ela não se baseia na Bíblia, mas nos costumes dos homens, às vezes, sob pretexto de humildade, revelações, etc.
O Apóstolo Paulo diz: não retrocedam, não voltem para trás. Sigam crendo que apenas Cristo é suficiente para vossa salvação e progresso na fé, pois esta é a verdadeira religião espiritual, a religião revelada por Deus. Em Cristo está nossa suficiência, ele nos basta.
Não ajudam na santificação (2.22b-23)
E, por fim, o último argumento de Paulo contra estas práticas ascéticas e legalistas é que elas não produzem resultado benéfico algum. O único resultado que produzem é o de deixar as pessoas orgulhosas pensando que somente elas estão certas e que todas as demais que não seguem os seus costumes estão erradas.
Paulo diz: "estas cousas com o uso se destroem. Não há valor algum em seguir mandamentos exigidos pelos homens, mas que não são exigidos pela Palavra de Deus. Tudo o que estas coisas têm é aparência.
Elas parecem sabedoria, mas, de fato, não são. São apenas “culto de si mesmas”, ou seja, não visam à glória de Deus, apenas a gloria das pessoas por causa de suas aparências humildes, mas que na verdade são falsas.
Não passam de um rigor ascético, mas que não tem valor. E não produzem qualquer efeito contra a sensualidade. Quer dizer, não vão ajudar ninguém a ser mais santo.
III. A superioridade da graça
Por essas razões, confiar no legalismo é uma péssima opção para o crente. E muito melhor confiar na graça de Deus.
Na Idade Média, as pessoas acreditavam que a única forma possível de poder agradar a Deus era vivendo em completa santidade. Pensavam que seu relacionamento com Deus dependia inteiramente delas.
Lutero foi um homem agoniado por estas ideias. Ele pensava na justiça e na santidade de Deus e se via tão pecador, de modo que se sentia perdido e completamente sem chances de alcançar a Deus. Foi somente quando entendeu pela Escritura que “o justo viverá pela fé” (Rm 1.17), que toda sua vida, de fato, se transformou.
Lutero e a Reforma entenderam que o homem não precisa se tornar justo para poder alcançar a vida eterna, pois isto ele jamais conseguida, uma vez que ninguém jamais cumpriu a lei de Deus (Rm 3.10,20, Gl 3.11), mas que baseado na justiça de Cristo, Deus pode e, efetivamente, declara o homem como justo quando ele crê.
Este ato de declarar é algo completamente gratuito, pois o homem nada fez para merecer isso, uma vez que tudo provêm da obra e dos méritos do Senhor Jesus Cristo, dessa forma a justiça de Cristo é colocada sobre nós como se fosse nossa.
Era isso que Paulo chamava de o “Evangelho da Graça de Deus” do qual ele queria testemunhar mesmo que lhe custasse a própria vida (At 20.24). O Evangelho da Graça de Deus era a boa notícia de que os pecadores podiam ser salvos através da obra salvadora de Cristo feita no lugar deles.
Na verdade, a Igreja sempre afirmou que a salvação era pela graça, mesmo antes dos Reformadores. O ensino oficial da igreja dizia que a graça era infundida ou derramada como um auxílio para nos ajudar a viver uma vida santa, o que, eventualmente, nos daria o direito de entrar no paraíso.
Entretanto, ao longo do caminho todos têm oportunidades de perder a graça. Por isso eram necessários os rituais, os exercícios espirituais, as fórmulas piedosas que poderiam ajudar a reconquistar a graça.
Então, a visão era que as pessoas são salvas pela graça, porque ela as transforma em pessoas santas. Contra isso se levantaram os Reformadores dizendo que na salvação Deus nos declara justos, no exato instante da conversão.
A salvação não é um processo, mas um ato de Deus em nossas vidas. Um ato da graça de Deus. A Reforma lutou contra toda ajuda que se pudesse dar a Deus no quesito salvação. É Deus somente que salva, e salva por sua graça.
Conclusão
Por mais que as práticas ascéticas e legalistas tenham uma aparência de piedade ou de humildade, são na verdade falsas e desnecessárias porque não são ensinadas pela Palavra de Deus.
Quando elas são impostas como meio de salvação são completamente heréticas e demoníacas, pois diminuem a suficiência da obra salvadora de Cristo e anulam completamente a graça de Deus. Como no tempo da Reforma, precisamos enfatizar a suficiência da Graça de Deus para nossa salvação.
Aplicação
Baseados em que cremos que podemos ser salvos? Estaremos confiando em alguma obra pessoal nossa? Estaremos confiando que nossas práticas podem de alguma forma agradar a Deus de modo que ele nos salve por causa disso?
Autor: Leandro Antonio de Lima