Texto Básico: João 17.14-19
Introdução
Uma pesquisa recente nos Estados Unidos mostrou que 66% dos americanos creem que não existe o que possa ser chamado de “verdade absoluta”. Entre jovens e adultos, a porcentagem é ainda maior: na faixa de 18 a 25 anos, 72% das pessoas não acreditam que existam absolutos.
Esta é uma pesquisa assustadora. Mas de onde vem esta ideia de que não existe uma única verdade? Podemos dizer que vem do pensamento que é chamado de “pós-moderno". No Brasil, ainda não foi feita uma pesquisa deste tipo.
Mas, em geral, o brasileiro segue de perto os padrões norte-americanos, portanto, não precisamos ser mais otimistas quando nos referirmos ao nosso próprio povo.
A verdade é que as pessoas não se sentem bem quando alguém quer lhes falar algo como "a verdade”. Esse pensamento tem deixado seus estragos dentro da Igreja também.
No século 16, a Reforma Protestante precisou se posicionar a favor da verdade, contra as reivindicações do subjetivismo de Roma que colocava o poder das decisões sobre a tradição. A Reforma fez questão de apontar para a existência objetiva da verdade e, pondo de lado todo relativismo, proclamou: “Sola Scriptura" (Somente as Escrituras).
I. Tempos pós-modernos
A cultura ocidental tem passado por muitas fases nos últimos tempos. Grandes transformações têm acontecido, verdadeiras catástrofes sociais têm desabado sobre o mundo, e o resultado é que as pessoas, ao passar por estes períodos, começam a ver o mundo de uma forma diferente.
Como exemplos disto, podemos citar o aparecimento do iluminismo no século dezoito; o romantismo e o materialismo científico no dezenove; o marxismo, o facismo, o positivismo e o existencialismo no século vinte. No início do século vinte e um, já vivemos na era que tem sido chamada de “pós-moderna".
A era moderna, que segundo alguns autores começou com a queda da Bastilha na Revolução Francesa e terminou com a queda do muro de Berlim, caracterizou-se por ser uma era contrária ao Cristianismo.
Mas, na era moderna acreditava-se que existia uma verdade. Se o Cristianismo era rejeitado, o motivo devia-se ao fato de que se pensava que ele não era verdadeiro, ou porque não se encaixava dentro dos padrões científicos.
Entretanto, na era pós-moderna acontece o inverso. Não se crê no Cristianismo, mas o motivo não é somente por achar que ele não seja verdadeiro, mas porque não se crê que existe a verdade, e o Cristianismo se considera “a verdade”.
II. Tua palavra é a verdade
O problema é que as implicações desta nova forma de pensar e de ver o mundo são amplíssimas e afetam todos os setores da sociedade. Veja: se a verdade não existe, ou se pelo menos não existe uma verdade absoluta, então, não existe nada que seja totalmente certo e, da mesma forma, nada que seja errado.
Logo, ninguém pode apontar o erro de ninguém, porque na verdade não existe erro algum. Mas, as coisas não param por aí, pois se não existe verdade, também não existe bem ou mal, justiça ou pecado, ou mesmo mentira.
De fato, não estamos em meio apenas a um colapso moral, enfrentamos também um colapso de significado: “não existem absolutos”, tudo é relativo, quer dizer, só é verdade até certo ponto, dependendo do ângulo que se olha.
Como afirmou R. Albert Mohler Jr., “tudo isso já seria suficientemente trágico se tais tendências configurassem a consciência do mundo, mas não da igreja". Mas, estas tendências invadiram a igreja. A verdade tem sido rejeitada dentro da própria igreja. Em muitas denominações, o conceito de ser ortodoxo ou herege já não existe mais.
A doutrina é continuamente posta de lado para que todos possam se encaixar. A ausência de precisão doutrinária e de pregação verdadeiramente bíblica caracteriza a época evangélica atual.
No texto de João 18, quando Jesus foi levado diante de Pilatos e este lhe perguntou se ele era o rei dos judeus (v.33), Jesus disse no verso 36: “meu reino não é deste mundo". No verso 37, Pilatos disse: "logo, tu és rei”.
Então Jesus disse: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”. Então Pilatos perguntou num tom de descaso: “que é a verdade?”.
Mas, não esperou qualquer resposta de Jesus. Ele não acreditava que Jesus lhe desse uma resposta, talvez, por não acreditar que a verdade realmente existisse, pelo menos não uma verdade absoluta. Então, poderíamos dizer que Pilatos, um habitante do primeiro século, já era um cidadão pós-moderno.
Se Pilatos esperasse, talvez Jesus lhe desse uma resposta. Em João 14.6, Jesus havia dito de uma forma absolutamente clara: “eu sou o caminho, e a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim".
Mas, no capítulo 17, entre os versos 14 a 19, está uma explicação mais extensa, e é neste texto que concentraremos nossa exposição. Jesus estava orando ao Pai pelos discípulos, e disse: “eu lhes tenho dado a tua palavra” (Jo 17.14).
E no verso 17 ele declarou: “a tua palavra é a verdade”. Não poderia haver resposta mais incisiva à pergunta de Pilatos. Que é a verdade? A tua palavra é a verdade.
Sim, existe uma verdade e ela é absoluta! Quando Jesus disse que havia dado a palavra de Deus para os discípulos, estava, sem dúvida, se referindo a todo o seu ministério de ensino.
Creio que é uma alusão ao verso seis em que ele havia dito: “manifestei o teu aos homens que me deste do mundo. Eram teus, tu mos confiaste, e eles tem guardado a tua palavra”.
Então, esta palavra é o nome de Deus, é o ensino de Jesus a respeito do Pai. E o verso 3 diz: “e a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste” (Veja também o verso 7). Portanto, a verdade é a Palavra de Deus a respeito da salvação. Esta salvação somente pode ser alcançada quando se conhece o Pai e o Filho.
Então a verdade existe, ela é a revelação de Deus aos homens sobre como podem ser salvos. Esta revelação está em nossas mãos em forma descritiva: a Bíblia, a Palavra de Deus.
Ela é a Palavra infalível de Deus, "inspirada por Deus e útil para o ensino, repreensão, correção, educação ...” (2 Tm 3.16). Esta Palavra nos revela Deus, seus atributos, seu plano eterno e imutável, e todos os meios pelos quais podemos viver e agradá-lo.
III. O ódio do mundo contra a verdade
No tempo da Reforma Protestante, procurou-se desenvolver alguns lemas que pudessem ajudar as pessoas a identificar com facilidade seus principais pontos de vista. O primeiro dos lemas que identificaram a Reforma foi o sola scriptura (somente a Escritura).
Talvez, este tenha sido o maior triunfo da Reforma Protestante: o triunfo pela Bíblia. Numa época em que praticamente ninguém do povo comum tinha acesso à Palavra de Deus, a Reforma conseguiu colocar a Bíblia na língua comum das pessoas e possibilitou que o acesso a ela fosse bem mais simples.
Entretanto, a Reforma não somente possibilitou que as pessoas tivessem acesso à Palavra, mas também que ela, a Palavra de Deus, tivesse o lugar de honra que possui de direito, e que todos a pudessem interpretá-la corretamente.
Pode a igreja legislar doutrinas ou leis morais que não são encontradas na Escritura? A Reforma respondeu: “não, somente a Escritura". Pode a Igreja manter uma interpretação infalível da Bíblia? A Reforma respondeu: “não, absolutamente não!”
A Reforma tirou o privilégio do clero de interpretar a Bíblia, mas não jogou este privilégio totalmente nas mãos dos leigos, de forma que cada pessoa pudesse dar a interpretação que quisesse. A Igreja como um todo, como o Corpo de Cristo, deve interpretar a Bíblia. Esse foi o grande lema da Reforma.
Entretanto, o texto nos fala mais sobre a verdade. Jesus diz a seus discípulos que o mundo odeia a verdade: “eu lhes tenho dado a tua palavra, e o mundo os odiou, porque eles não são do mundo, como também eu não sou” (v. 14). Por que será que o mundo odeia os discípulos?
Alguém diria: “porque eles não são do mundo” (vs. 14), e esta resposta está correta. Mas, além disso, a razão principal é que eles têm recebido a Palavra de Deus.
Jesus disse: eu lhes tenho dado a tua palavra e o mundo os odiou. Portanto, não é difícil concluir que o mundo odeia a palavra de Deus, assim como odeia os discípulos e o mestre, porque nenhum deles é deste mundo.
Temos dito que o mundo odeia a verdade. É perfeitamente evidente que ele prefere a mentira, porque a mentira lhe é uma coisa comum. A Bíblia ensina que o mundo está debaixo do poder do maligno. Sobre o diabo, Jesus disse que quando ele mentia falava do que lhe era próprio, porque ele é o pai da mentira (Jo 8.44). Essa é uma de suas influências no mundo, o amor à mentira e o ódio à verdade.
E, como consequência, o mundo substitui a verdade pela mentira. Este é o ensino de Romanos 1.18: "a ira de Deus se revela do céu contra toda a impiedade e perversão dos homens que detêm a verdade pela injustiça. Este verbo deter, significa "suprimir", "abafar".
O homem tem vontade de abafar a verdade e elevar a mentira. Isto é próprio do mundo. E o mundo ama isso porque é “seu” (Jo 15.19). Mas, não ama a verdade; ele a odeia, porque a verdade, que é a Palavra de Deus, revela quem o homem realmente é, sua salvação, sua culpa e sua condenação.
Se o homem aceitar a verdade, ele se sentirá nu na presença de Deus e, como Adão, logo achará folhas para se esconder.
Por isso, o pós-modernismo ataca a verdade. Mas, isto não é novo, pois o mundo sempre duvidou.
Entretanto, sem duvida, e uma nova forma de atacar quando se diz que ela não existe, sendo tão absurda e perniciosa quanto as outras tentativas foram. Mais uma vez, o homem quer fugir da verdade, desta vez negando que ela exista.
Conclusão
A nova forma de ver o mundo, que temos chamado de pós-modernismo, declara que não existe uma verdade absoluta, que tudo e relativo. Esta forma de pensamento pode ser encontrada em todos os lugares, quer entre a elite, quer entre os marginalizados.
Entretanto, esta forma de ver é completamente contrária ao que a Escritura ensina. Jesus declarou que a verdade existe. Ele é a verdade e, como consequência, a Palavra que o revela é a verdade. O princípio fundamental da Reforma é absolutamente necessário nos dias de hoje. Devemos voltar à Reforma e proclamar que a verdade existe, pois a Escritura é a verdade. Somente a Escritura.
Aplicação
Como crentes que somos, recebemos a missão de Jesus de falar da verdade para as pessoas. É nossa função testemunhar nestes tempos confusos da pós-modernidade que existe a verdade, e que ela é absoluta: Jesus Cristo é a verdade encarnada e, na sua Palavra, a Bíblia, o encontramos e podemos conhecê-lo.
Autor: Leandro Antonio de Lima