Deus no trono, homem de joelhos: O resgate do lugar correto de cada um – Estudo Bíblico sobre a Reforma Protestante

Há muito tempo atrás, um Filósofo chamado Protágoras disse que o “homem é a medida de todas as coisas”. De lá para cá, o humanismo, uma corrente Filosófica que, como o próprio nome sugere, coloca o homem no centro das atenções, tem fomentado o pensamento da humanidade com a noção de que tudo existe por causa do homem.

No humanismo, o homem aparece como a base de todos os valores e de toda excelência, bem como o objeto de todas as atividades.

Augusto Comte foi o grande campeão de uma forma exagerada de humanismo onde a humanidade não só era o único objeto digno da nossa adoração, mas chegou mesmo a idealizar uma forma de religião de adoração do homem, em que o busto de um homem ocupava o lugar central.

É claro que isto é um exagero absurdo, entretanto, existem formas bem mais sutis de adoração ao homem que não são notadas com tanta facilidade. O que falar da veneração por artistas, cantores, e até mesmo pregadores do Evangelho?

Uma palavra que pode ser sinônima de “humanismo” é “egocentrismo”. Ou seja, tudo deve ser centralizado no homem e em seus desejos.

Será que a própria adoração cristã não tem sido, muitas vezes, influenciada por este conceito? Será que a importância maior não tem sido dada ao homem e, portanto, tudo está de fato voltado para ele?

Num mundo moderno, competitivo, onde a lei da melhor oferta é a que vale, e onde cidadãos ficam assentados em frente a sua televisão, com o controle remoto, escolhendo a melhor opção. 

Ou mesmo onde compras podem ser feitas pela Internet, sem sair de casa; cada vez mais as pessoas esperam ser bem atendidas, ter todos os seus desejos realizados, e isto custe o que custar.

Então, por que será diferente com respeito ao culto, se o é com respeito à própria Igreja? As pessoas escolhem aquela que melhor lhes agrada e, se algo não sai como queriam, simplesmente mudam, buscando uma opção melhor.

O que importa é a busca pela felicidade, e o que menos tem importância é a santidade. O sentir-se bem é elevado à mais alta categoria, já o comprometimento desce à mais baixa.

1. A insignificância do homem

O Salmo 8 tem muito a nos ensinar sobre o homem. Ele nos mostra qual é a opinião de Deus a respeito do homem. Nada melhor para entender o homem do que ouvir o que o seu Criador tem para dizer a respeito dele.

No Salmo 8, há uma pergunta que o homem tem tentado responder desde o começo do mundo. Uma pergunta que diz respeito à sua própria identidade, a sua razão de existir:

Salmos 8.4
que é o homem, que dele te lembres? E o filho do homem, que o visites?

O mundo tem oferecido muitas respostas, mas todas têm se demonstrado insatisfatórias por analisarem o homem como se ele fosse independente de Deus.

O Salmo 8 não faz isso. Ele analisa o homem em sua relação com o Criador. E este é o único modo confiável para se entender realmente quem é o homem, pois ele não existe por acaso, antes, faz parte de uma obra bem maior.

Podemos dizer que a primeira conclusão que o salmista chegou a respeito do homem nos parece a principio muito negativa: o homem é insignificante.

Diante da grandeza da criação

O autor, Davi, muito antes de ser rei em Israel, era pastor de ovelhas nas regiões montanhosas de Belém.

E, como pastor, certamente dormiu muitas noites ao relento, tendo apenas o céu estrelado como cobertura. Lá, no céu límpido do Oriente, Davi podia contemplar a Lua, e as estrelas criadas por Deus, e se admirar diante da grandeza das obras da mão do Criador.

Quem já teve a oportunidade de deitar-se numa bela noite estrelada e contemplar o céu, sabe da sensação de pequenez que toma conta diante da imensidão que os nossos olhos tentam inutilmente captar.

Provavelmente pensando nisso, Davi formulou a pergunta: "que é o homem?". Diante da imensidão das coisas que foram criadas, o homem é insignificante.

E quanto mais o homem tem progresso em seu conhecimento da criação, mais motivo tem para sentir-se pequenino. 

Com todas as descobertas científicas onde aprendemos sobre a imensidão das galáxias e das estrelas incontáveis, bem como de tudo quanto se esconde dentro do tamanho minúsculo de uma simples célula, deveria ocorrer-nos a pergunta: "que é o homem diante de todas essas coisas?".

Diante da grandeza do criador

O motivo maior que torna o homem insignificante, porém, não é a grandeza da criação, mas do seu Criador. 

Esta criação tão grande e majestosa possui um Criador ainda maior e muito mais majestoso. Isto fica muito claro no texto, em primeiro lugar, pelos nomes aplicados a Deus. Ambos são traduzidos em nossa língua como Senhor.

A diferença é que o primeiro SENHOR está todo em letras maiúsculas. Na língua em que o Salmo foi escrito, é YAHWEH, e refere-se, em geral, ao fato de que Deus é o Deus do pacto com os seres humanos, enquanto que o outro Senhor que está em letras minúsculas é ADON, o dominador, o Senhor, o que tem domínio sobre todas as coisas e deve ser obedecido.

O salmista usa os dois nomes para mostrar a grandeza de Deus em seus vários atributos. O mesmo Deus do pacto é o Deus que domina sobre tudo.

Além disso, toda a majestade da criação louva o nome daquele que a criou:

Salmos 8.1
Ó SENHOR, Senhor nosso, quão magnífico em toda a terra é o teu nome!

Aquele que criou todas as estrelas dos céus e o próprio homem é o único realmente grandioso, e diante dele o homem não passa de uma sombra. Diante da sua majestade o homem é insignificante, e não só ele, mas tudo o mais que existir.

O principal motivo e que, por certo, mais espantava o salmista é a condescendência e Deus. “Que é o homem para que dele te lembres? E o filho do homem que o visites?”. É isto o que querem dizer as palavras “lembrar” e “visitar”: cuidar. Portanto, diante desta atitude tão graciosa, Deus se torna ainda maior e o homem, ainda mais insignificante.

2. A grandeza do homem

A partir do verso 5, parece que o autor começa a desfazer tudo o que disse até então. Ele começa a falar o quanto o homem é grande e importante. Mas, se olharmos atentamente, veremos que não há contradição alguma.

O Salmo nos mostra duas verdades com respeito ao homem, sua insignificância diante de Deus e de tudo o que ele é, e faz; e sua grandeza, exatamente por ter sido feito por Deus, à imagem de Deus e por ter recebido uma função de suma importância das mãos do próprio Deus.

Porque Deus lhe criou

O salmista diz:

Salmos 8.5
Fizeste-o, no entanto, por um pouco, menor do que Deus e de glória e de honra o coroaste.

A maior de todas as qualidades do homem é ter sido criado à imagem de Deus. Isso não quer dizer que o homem é divino, mas antes que foi criado para refletir perfeitamente o caráter de Deus.

Com a queda no pecado, esta imagem se distorceu, mas não deixou de existir completamente e, portanto, a dignidade do homem, como tendo sido leito a imagem de Deus, continua.

E à luz do Novo Testamento podemos dizer que esta imagem esta sendo restaurada. O Salmo é apontado em várias passagens do Novo Testamento como se cumprindo plenamente na pessoa de Jesus Cristo (ver Hb 2.5-9; ICo 15.27, 28).

Pois, ele também foi feito homem e, nesse sentido, “um pouco menor do que Deus", e através de sua obra na cruz pode refazer no homem a imagem de Deus. E não somente a imagem, mas o próprio domínio que Deus deu ao homem e que o torna tão importante.

Porque Deus lhe deu domínio

O Salmista diz:

Salmos 8.6
Deste-lhe domínio sobre as obras da tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste.

Quando Deus criou o homem, determinou que tivesse domínio sobre todas as coisas criadas, referindo-se, principalmente, ao reino animal e vegetal.

O homem deveria ser o administrador de Deus neste mundo, ou como alguns chamam, o seu “vice-regente”.

Nem é preciso dizer que esta função satisfazia plenamente tanto a Deus que se deleitava em seu “administrador”, quanto ao próprio homem que se sentia completamente útil e integrado com a obra de Deus. Portanto, o homem tinha uma função dentro do quadro maior, dentro do Reino de Deus.

Conclusão

Então qual é o lugar do homem e de Deus? O homem somente tem importância porque Deus existe, e porque tem um plano para o homem.

Somente quando o homem reconhece sua pequenez diante de Deus, e reconhece que Deus é gracioso por se relacionar com o homem, e tenta se adequar ao plano de Deus para sua vida é que ele vai se sentir humano de verdade.

O humanismo é anti-humano, porque tenta fazer do homem aquilo que ele não é, nem foi planejado para ser. A Bíblia é um livro humanista no verdadeiro sentido, pois coloca o homem no seu devido lugar: ele é criatura de Deus, criado para o louvor de Deus, e importante por causa disso.

O homem não é o centro do universo. Deus é o centro dele. O homem não se sentirá satisfeito enquanto lutar para querer ser mais do que é. Nunca se realizará assim.

Na estrutura da Reforma, não sobra espaço para glorificar o homem, toda a glória deve ser rendida a Deus.

A Reforma pôde proclamar Soli Deo Gloria (Glória somente a Deus), porque mais do que ninguém entendeu o ser humano. Quando temos uma visão melhor de nós mesmos e de Deus, diminuímos a nossa importância e aumentamos a dele. E interessante que a Reforma tenha produzido uma era de grandes pensadores e artistas, mas nunca exaltou o ser humano, antes prostrou o orgulho humano diante da majestade de Deus.

Mas, hoje, as coisas estão muito mudadas. O homem é exaltado e Deus diminuído. Nossos cultos e serviços são frequentemente celebrações de nós mesmos mais do que de Deus, há mais entretenimento neles do que adoração. Nunca antes, nem mesmo na era medieval, os cristãos tinham sido tão obsessivos consigo mesmos.

Nunca antes Deus foi tão totalmente esquecido. Gastamos a maior parte do tempo, como Narciso, contemplando nossa própria imagem distorcida na água, e não a autêntica imagem de Deus.

Aplicação

Quando nos relacionamos com Deus, qual é o entendimento que temos de nós mesmos? Quem somos nós diante de Deus? Será que nos aproximamos dele esperando que ele reconheça algo de bom que temos feito?

Ou reconhecemos nossa pequenez, e o fato de que somente podemos ser aceitos graças à sua misericórdia, por ele ter enviado o Senhor Jesus para ser o caminho que nos conduz até a sua presença?

Autor: Leandro Antonio de Lima

Semeando Vida

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