Texto básico: Ap 2.8-17
Introdução
Desde que a humanidade, em Adão, caiu, não há sobre a terra "nenhum justo". "Todos pecaram e carecem da glória de Deus" (Rm 3.23). O homem natural peca sempre, mesmo quando aparente praticar virtudes.
Deus que pesa os motivos, conhece a realidade, que se disfarça na roupagem das aparências agradáveis. O poeta Raul de Leoni disse bem, no poema almas frias, que nas almas desumanizadas "as suas próprias virtudes metem medo".
Isto é o que se pode dizer de todos os homens, à luz do realismo bíblico e dos fatos da história. Por isso, erra o homem; erram famílias; as instituições, mesmo as mais respeitáveis, erram. Só a graça de Deus, por Sua Palavra, pode iluminar, converter e santificar os homens.
O texto básico apresenta dois retratos; representam duas igrejas plantadas em duas cidades da Ásia Menor: Esmirna e Pérgamo. A de Esmirna era a igreja fiel.
Atribulada e perseguida, caluniada e ameaçada, provada e empobrecida, porém não sofre censura, e recebe a promessa da "coroa da vida" (Ap 2.10). A igreja de Pérgamo - "Sede do trono de Satanás", não nega formalmente o Nome de Jesus, mas se apresenta como igreja acomodada com o mal.
Trata os heréticos com "panos quentes", como diziam os antigos, e se apresenta manchada com os pecados de Balaão, homem de mau caráter do Velho Testamento - Nm 25.1,2. Sobre esta igreja, como sobre toda igreja infiel, pesa a espada do Senhor (Ap 2.16).
1. A igreja comprometida
Trata-se da igreja que se corrompeu, perdendo a sua identidade.
A Igreja do Novo Testamento é outra; tem um semblante com traços bem marcantes de espiritualidade, seriedade e simplicidade. Como pôde acontecer isto? Três circunstâncias explicam o fenômeno.
a) A chamada "conversão" do imperador Constantino.
Abriu a porta para a adesão em massa. O cristianismo tornou-se "a religião da moda". Este homem chegou a "convocar e presidir concílios", envergando o título de Constantino, o Grande, e homens houve, na igreja, que lhe chamaram São Constantino. Com ele, a igreja se corrompeu doutrinária e politicamente, abrindo a porta para tudo mais.
b) Ecumenismo.
Constantino entendeu, como todo político hábil, que a segurança estaria na unificação das massas. A igreja cristã era o veículo apropriado. Bastavam adesões de povos e a sacramentalização de todos, pelo batismo e outros ritos consequentes.
Emprestam o seu prestígio os filósofos gregos Platão e Aristóteles, cujos ensinamentos alteraram a Teologia Bíblica do Novo Testamento, que nutria a igreja nos dois primeiros séculos, embora já com algum fermento de má doutrina.
c) Alteração da ética, seja do comportamento ou do testemunho da igreja.
Desenvolveu-se um tipo de moral mesclada com os desmandos do Império, já em estado de desintegração política. Acentuamos o problema do DINHEIRO da igreja. Há um processo simoníaco em marcha.
Constantino, amigo da pompa e do luxo, deu um sentido de grandeza e de império salomônico à igreja. Depois de sua morte, o processo de mundanização continuou e se agravou. Apareceram os protestos. E para isto, montou-se um instrumento repressivo - a inquisição!
Martinho Lutero (1483-1546)
Toda a Idade Média, a partir do século XI, foi pontilhada de descontentamentos e protestos e repressões. Então, no século XVI, após tantas tentativas frustradas de reforma, ecoa e retumba nos ares O BRADO DE LUTERO.
Nascido em Eisleben, na Saxônia, de gente pobre. Pais religiosos, ofereceram-lhe o que tinham: a educação à luz dos moldes da Idade Média, como família católica romana.
Aos 18 anos, feitos os estudos preparatórios, inicia-se no curso de Direito na Universidade de Erfurt. O pai, lenhador, idealizava, para o filho inteligente a carreira de advogado, que reunia boas rendas, na época.
Em 1504 ou 1505, conforme Funck Brentano, ficou apavorado por uma tempestade com raios e trovões, nas cercanias de Sotterheim, invocou Santa Ana, fazendo-lhe a promessa de se fazer monge, caso escapasse vivo.
Dias depois, ainda amedrontado com alguns casos de morte, desejoso de resolver os seus problemas de consciência, numa reunião de amigos, com a surpresa de todos e o mau humor do pai, despede-se, declarando os seus intentos. Na mesma noite, o pesado portão do Convento Agostiniano de Erfurt range sobre os seus gonzos, abrindo-se para receber mais um noviço.
Como noviço, definhava, angustiado. Tanto jejuou que emagreceu. Tanto emagreceu que se lhe podiam "contar os ossos", disse um seu biógrafo.
Seu anseio pela salvação, em reiteradas procuras, se satisfez: ao descobrir uma velha Bíblia encontrada na biblioteca do convento; outros dizem que isto se deu ao aflorar-lhe na mente, quando em Roma (1510), o versículo 17 do capítulo 1º da Epístola aos Romanos - "O JUSTO VIVERÁ POR FÉ".
Conta-se que tinha o hábito de colocar o dedo sobre esta passagem e dizer aos seus ouvintes: EIS A PORTA DO PARAÍSO!
Tanta convicção lhe estruturou a fé, a ponto de repudiar o dominicano João Tetzel, com as 95 teses famosas, opondo-se colericamente à pregação das indulgências autorizadas pelo papa Leão X.
E estas teses, pregadas às portas do templo ou capela da Igreja de Wittenberg (31 de outubro de 1517), foram o estopim da Reforma!
Ulrico Zwinglio (1484-1531)
Nasceu na Suíça. Estudou nas universidades de Berna, Viena e Basiléia, sob a proteção de um tio padre. Deão de Wesen. Aprendeu aos pés de famosos mestres humanistas, instruindo-se, com um teólogo liberal, Thomas Wyttenbach. Recebeu influência de Erasmo, mestre holandês, humanista dos mais capazes, que traduziu, anotou e comentou o Novo Testamento, que foi editado em 1516.
Zwinglio se converteu, depois de um viver pregresso, na mais torpe imoralidade, como a maior parte dos padres e bispos da época. Foi padre em Glarus e em Zurique, onde reformou a Igreja Católica Romana.
Concordava, quase em tudo, com Lutero, menos na interpretação da Eucaristia, em que foi radical, despojando a Ceia de quase todo o conteúdo doutrinário, considerando-a como "simples memorial", sem levar em conta os textos de Paulo, como procedeu a interpretação de Calvino, ao comentar 1 Co 10.14-22 e 1 Co 11.23-34.
Extremou-se na luta e na guerra, talvez justificado à luz das circunstâncias, vindo a participar da guerra dos cantões católicos romanos contra os cantões protestantes, morrendo na batalha de Cappel em 1531.
Recusou, nos instantes finais, a extrema unção de um padre, morrendo de olhos voltados para o céu, com o corpo recostado num trono de árvore, conforme a pintura de C. Van Sichen (1608). Foi um grande reformador.
João Calvino (1509-1564)
Nasceu em Noyon, na Picardia, França, e é considerado, por muitos historiadores, o maior teólogo da Reforma e o maior reformador. Ele pertence à segunda geração da Reforma, portanto, o mais jovem. Seu pai, Gerald Chauvin era advogado da diocese, e sua mãe, Joana Le Franc de Cambrai, uma das mais educadas e mais belas mulheres da sua geração.
Ela morreu cedo. Calvino passou a viver com uma família nobre de Mont-Mor, com a qual aprendeu os requintes da boa educação. Na frase do historiador Muirhead: "adquiriu maneiras polidas da educação clássica e um certo modo aristocrático".
Desde pequeno, porque já gozava dos benefícios eclesiásticos, destinou-o, o pai, à carreira eclesiástica - tinha de ser padre! Mas a sua tendência era o estudo dos clássicos. Estudou nos colégios de Montaigu e de La Marche, em Paris.
Nesta altura (1528), o pai se desentendeu com o bispo, e o jovem Calvino foi transferido para Orleans, iniciando o curso de Direito. Graças aos seus esforços e inteligência, cursou a Jurisprudência e a Teologia, e mais tarde, a Universidade de Bourges.
Ignora-se como, quando, e em que lugar, se converteu. Talvez em Paris, quando recebeu em seu apartamento a visita do seu parente Olivétan, com quem teve um diálogo constrangedor em matéria de fé.
Em certo momento, Calvino ter-se-ia levantado, dirigindo-se à capela para rezar, deixando o parente a sós, orando pela conversão do circunspecto estudante.
A conversão se deu, provavelmente, nesta ocasião (1527). Por causa de um discurso de Nicolas Cop, reitor da Universidade de Paris, discurso este, cheio de "novas ideias" atribuídas à influência de
Calvino, em 1533, o próprio Calvino teve que fugir de Paris, de modo súbito. Aí começou uma série de andanças e fugas. Um dia, passando em Genebra, na Suíça, em que operava o reformador Guilherme Farel, foi, por este, constrangido a pastorear a igreja que se congregava na catedral de S. Pedro.
Ali ficou de 1536 a 1539, sendo então obrigado à deixar a cidade. É que ele impunha uma disciplina que Genebra ainda não estava em condições de aceitar. Desta vez ele se torna um exilado em Estrasburgo. Mas, ainda em 1539, deixa Estrasburgo, atendendo o convite angustioso para voltar. É que Genebra caíra na anarquia, e só um pulso como o de Calvino poderia impedir a dissolução social.
Então fica 23 anos, ou mais, em Genebra, concretizando uma obra notável:
- a) a regeneração de muitos, ocasionando a restauração da ordem política e social de Genebra;
- b) a composição da sua obra máxima "instituição da religião cristã", em que ficou consubstanciada a essência da teologia reformada;
- c) a fundação da academia de Genebra, que veio a rivalizar com a universidade de Sorbone.
A academia de Genebra teve como primeiro reitor Teodoro de Beza. Sua pedra angular trazia a inscrição do tema bíblico do discurso inaugural de Calvino: "O temor de Deus é o princípio da sabedoria".
2. Doutrinas básicas
O movimento da Reforma não esteve isento de erros. Equívocos lamentáveis foram cometidos pelos reformadores. A glória é toda de Deus, não dos homens.
Nem foram os três apresentados, os únicos reformadores. Muitos outros, como Melanchton, Le Fevre, Butzer (Búcero), Viret, Courault, mesmo Erasmo que deu a sua colaboração indireta, Capito e muitos outros.
Nem podemos dizer que todas as doutrinas de cada reformador devem ser aceitas sem reserva. Entretanto, joeirando tudo, criticando conceitos, remexendo ideias, rejeitando opiniões, a Reforma, ainda que não tivesse valido a pena por outros motivos, estaria justificada pelos seus princípios básicos, imbatíveis e imortais:
1) A supremacia das escrituras (combatendo-se o seu nivelamento com a tradição);
2) O sacerdócio geral, dos crentes (combatendo-se o sacerdócio exclusivo, a tirania do clero, a exagerada distinção entre o clero e o povo);
3) A supremacia da fé (as boas obras são fruto da vida do salvo; não causa da salvação).
Além desses, no aspecto reformado, temos ainda, a ressaltar:
- I) a restauração da teologia bíblica
- II) estabelecimento do governo bíblico da igreja;
- III) a reforma do culto à base do ensino de Jesus: "em espírito e em verdade";
- IV) a orientação da ética bíblica e da disciplina eclesiástica.
A Deus seja toda a glória.
Autor: Rev. Lázaro Lopes de Arruda