Texto básico: 1 Jo 2.22-24
Como vimos no último estudo bíblico, não havia qualquer formulação sistemática da doutrina da Trindade até a formulação do Credo de Nicéia, mas na igreja apostólica e na pós-apostólica, com toda a evidência bíblica e histórica (que são indisputáveis) já se adorava o Redentor Divino-humano, Jesus Cristo, embora não houvesse também uma formulação clara a respeito das naturezas Divina e Humana em Cristo.
A experiência cristã daqueles crentes era ainda bem vívida e eles adoravam o seu Redentor. As primeiras gerações de cristãos (as que se seguiram aos apóstolos) indubitavelmente criam na divindade do Filho tanto quanto na do Pai e criam na humanidade dele porque muitos deles O viram face a face.
Mas, à medida que os anos foram passando, logo no 2.° século, começaram a aparecer as heresias sobre a Pessoa de Cristo.
Elas, as heresias, basicamente dividiam-se em duas correntes:
I. Havia aqueles que negavam a divindade de Jesus Cristo.
Os que faziam isto eram conhecidos como Ebionitas. Era um tipo de cristianismo que refletia fortemente tendências judaístas. Como se sabe, os judeus eram monoteístas (isto é, criam num só Deus) e, para defender o seu monoteísmo, negaram a divindade de Jesus com o intuito de negar outro Deus. Eles consideravam Jesus um mero homem, o filho de José e Maria.
a) Paulo de Samosata
(séc. III, bispo de Antioquia) cria que Jesus Cristo era um tipo de homem que foi elevado a uma posição superior no batismo, quando recebeu o poder ("dynamis") do céu. Esse poder, que passou a residir na pessoa humana de Jesus, qualificou-o para uma tarefa especial. Assim, pois, Jesus foi elevado a uma posição intermediária (uma espécie de "Superstar") entre Deus e os homens, mas Jesus não era essencialmente divino.
Ele era um homem, simplesmente. O que o colocava em uma posição superior, era o "dynamis" que ele recebeu no batismo (esse "dynamis" era o LÓGOS-Verbo). Mas, recordo, essencialmente Jesus não era divino, isto é, não era da mesma natureza do Pai. Jesus nasceu meramente homem, foi elevado a uma posição superior no batismo, mas nunca chegou a ser divino. Assim pensava Paulo de Samosata.
b) Ario
(250-336 AD - natural da Líbia e educado em Antioquia da Síria). Ele sustentava que Deus, o Pai, criou o Filho primeiro e, através do Filho, criou o Espírito, os homens e o mundo. Sendo assim, Jesus Cristo não é da mesma essência do Pai, ou da mesma natureza do Pai.
Todos os que assim pensavam eram chamados arianos. Segundo eles, o Filho existiu antes da fundação do mundo, mas ele não é eterno porque foi criado.
Portanto, sendo criado, não é Deus. Os semi-arianos (não tão radicais como os arianos) diziam que Cristo era semelhante a Deus, todavia não idêntico a Ele. Para ambos os movimentos Jesus não era o Deus-homem.
Obs: Todos quantos negam a divindade plena de Jesus são chamados ebionitas. A título de informação, observe que há seitas em nosso meio que refletem tendências ebioníticas - Exemplo: Testemunhas de Jeová. Elas negam que Jesus seja Deus.
II. Havia, por outro lado, os que negavam a plena humanidade de Jesus.
Era exatamente oposto. A ideia geral entre eles era que a humanidade de Jesus não era real, mas somente aparente. Os que assim criam eram chamados docetistas. Eles negavam a humanidade de Jesus, negando a Sua morte, afirmando que Ele não havia vindo "em carne", mas sim na aparência (ou aspecto) de um fantasma.
Parece-nos que João, o apóstolo, no primeiro século Já combatia um certo tipo de docetismo. Leia 1 Jo 4.1,2 - João está falando sobre falsos profetas que ensinavam que Jesus não havia vindo "em carne".
Então ele diz: "Nisto conheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus". (Examine as expressões: "ver com os próprios olhos... e apalpar com as mãos" em 1 Jo 1.1 - que indicam a realidade da encarnação do Verbo, e não um mero fantasma.)
Os docetistas, crendo na divindade de Jesus como fato absolutamente verdadeiro, todavia negavam a sua humanidade total ou parcialmente. Vejamos dois exemplos:
a) O gnosticismo
(que teve uma influência maior entre 135-160 AD) Era um movimento que cria que o homem poderia ser salvo através de uma sabedoria mística, mediante a qual os iniciados eram levados a um verdadeiro entendimento do universo e salvos deste mundo mau da matéria. Ele baseava-se no conhecimento - "gnôsis".
Os gnósticos possuíam tendências profundamente docéticas. Negavam plenamente a humanidade de Jesus. Alguns deles ensinaram que Cristo nunca esteve associado com a carne, ainda que parecesse ser homem, mas na realidade era puro espírito.
O gnosticismo é baseado numa ideia filosófica do mundo antigo de que a matéria é essencialmente má e, portanto, o espírito, que é puro, não podia ser unido ao corpo real composto de matéria que é má. Daí, o gnosticismo negava a realidade do corpo de Cristo, porque a matéria (corpo) era má.
b) Apolinário
Foi um outro tipo de docetista. Ele negava parcialmente a humanidade de Jesus. Para ele a humanidade de Jesus era incompleta. Apolinário era um bispo de Laodicéia (=fc 382) que cria numa divisão tríplice da natureza humana: corpo, alma e espírito.
Transportando isso para a pessoa de Jesus Cristo, ele disse que Jesus possuía um corpo (sôoma), uma alma (psiché), mas não possuía um espírito (pneuma) humano.
Em Cristo o espírito (pneuma) humano foi substituído pelo Verbo (Logos) divino. Por conseguinte, Cristo era realmente 2/3 humano, embora fosse plenamente divino.
Percebam que Apolinário refletiu tendência docetista, negando a plena humanidade do Salvador.
Obs.: Todos os que negam a plena humanidade de Jesus são chamados docetistas. Perceba que, às vezes, com medo de destruirmos a divindade de Jesus, negamos a Sua plena humanidade. Isso é reflexo de tendências docetistas.
III. Doutrina bíblica sobre a pessoa de Cristo
Jesus Cristo é uma pessoa divina constituída de duas naturezas: a divina e a humana. Ele é perfeitamente Deus quanto perfeitamente homem. Ele é o Redentor Deus-homem. Não devemos acentuar Sua divindade em prejuízo da Sua humanidade, e vice-versa.
Base bíblica da verdadeira humanidade de Cristo
1. Ele chamou-Se a Si mesmo homem e assim o fizeram outros: (Rm 5.15; Mc 14.71; 15.39; 1 Tm 2.5; Hb 2.6-9) - verifique a expressão "Filho do homem" que Ele usou a respeito de Si mesmo.
2. O "Verbo" manifestou-se "em carne" (assumiu a natureza humana) (Jo 1.14; 1 Tm 3.16; 1 Jo 4.2 - "carne" nestes textos significa o aspecto humano de Jesus Cristo).
3. Em Jesus havia aquilo que constitui a essência do homem: corpo material (Mt 26.26,28; Mc 15.46; Lc 24.39; Jo 2.21; At 2.31; Fp 3.21; Hb 10.5) e alma racional (ou espírito) (Mt 26.38; Lc 23.46; Jo 11.33; 13.21; 19.30).
4. Como homem, Jesus estava sujeito às leis ordinárias do desenvolvimento: Ele crescia nos vários aspectos (Lc 2.40,52).
5. Por causa da natureza humana decaída que Jesus assumiu, sofreu: (Hb 2.10,18; 5.8; Mc 8.31; 9.12; Lc 9.22).
6. Passou por experiências pelas quais todos os homens passam (Mt 4.2; 8.24; 9.36; Lc 22.44; Jo 4.6; 11.35; 12.27; 19.28,30).
7. Como os outros homens, foi tentado (Hb 2.18; 4.15).
Obs.: - Jesus foi semelhante em tudo aos Seus irmãos na Sua natureza humana (Hb 2.17), exceto no pecado. Sua natureza humana não era pecaminosa porque ela estava inseparavelmente unida ao Verbo divino (Hb 4.15). Realmente, Cristo não poderia pecar porque Ele era perfeitamente Deus.
Era necessário Jesus ser perfeitamente homem
1. Porque para receber o castigo, Ele tinha que recebê-lo como homem - o castigo era para o seu corpo e alma. E só o ser humano é dotado de corpo e alma (Jo 12.27; At 3.18; Hb 2.14; 9.22).
2. Porque Ele precisava passar pelas humilhações decorrentes das fraquezas da natureza humana decaída (Hb 2.17,18).
3. Porque, ao mesmo tempo, precisava ser homem sem pecado, para que pudesse fazer expiação pelos pecados dos outros (Hb 7.26,27).
4. Porque, sendo homem, poderia compadecer-se das misérias e sofrimentos da humanidade: tentações, provas, etc. (Hb 2.17,18).
Obs.: - Imagine o problema sério que os docetistas criam quando negam a perfeita humanidade de Jesus! Ele não poderia ter feito o que fez, se não fosse plenamente homem!
É claro tanto no VT como no NT este aspecto: No VT vemos Cristo como o Messias Divino - Sl 2.6-12 - O Messias Rei; Sl 45.6,7 (Hb 1.8,9); Sl 110.1 (Hb 1.13); Is 9.6; Mq 5.2; Ml 3.1.
No NT - a divindade de Jesus é altamente proclamada, principalmente no Evangelho Segundo João e nas cartas de Paulo - (Jo 1.3-3, 14, 18 - Deus, o Filho, com os atributos da Divindade; 3.16,17,35,36; 4.14; 5.18,21,22,23,25-28, etc.; Rm 9.5; 1 Co 2.8; 2 Co 5.10; Fp 2.6; Cl 2.9; 1 Tm 3.16; 1 Jo 5.10-12,20).
Era necessário Jesus ser perfeitamente Deus
1. Porque o sacrifício tinha que ser de valor infinito.
2. Porque a obediência tinha que ser perfeita e essa perfeição de obediência foi possível porque nele a natureza divina sustentava a humana.
3. Para poder suportar todo o peso da ira divina e resgatar os homens da maldição da Lei e do pecado, eternamente.
Obs.: Note que se o Redentor fosse apenas humano como criam os ebionitas, sujeito ao pecado e às falhas, Ele não poderia suportar o que suportou por amor a nós!
Conclusão
É profundamente necessário que creiamos de todo o coração na Pessoa de Cristo como Deus-homem, na Pessoa Divina com as duas naturezas: divina e humana. O nosso Redentor, sendo Deus-homem, pôde fazer o que fez para redimir-nos de tão terrível situação.
Tenhamos cuidado para não cair no abismo de doutrinas erradas a que alguns homens nos querem levar. Lembremo-nos de que esses mesmos erros dos séculos primeiros da nossa era repetem-se nos dias de hoje em nosso mundo chamado "cristão".
Autor: Rev. Heber Carlos Campos
