Textos básicos: At 1.8 e 2 Co 5.17-20.
Introdução
Dez dias antes do Pentecostes Cristo disse: "Sereis minhas testemunhas... até aos confins da terra". Essa ordem vai se cumprindo através dos séculos. Foi assim mesmo que se deu a expansão da igreja cristã: firmou-se em Jerusalém, passou a Samaria e a toda a Judéia e o mundo então conhecido.
Ao fim de 2 séculos e meio todo o Império Romano havia sido penetrado pelas testemunhas de Cristo. Recordem-se os fatos da História da Igreja relatados no último estudo bíblico. Chegamos aos dias da Reforma de 1517 e até meados do séc. XVI; 13 séculos se passaram.
Após 1517 mais 130 anos se passaram até que a Reforma se consolidasse em vários países da Europa, como vimos na lição anterior. Seguiu-se um período apologético, de discussões teológicas e defesa da doutrina genuinamente cristã, evangélica. Foi semelhante ao que acontecera nos tempos dos apóstolos, no séc. I: fundação das igrejas, formação do Novo Testamento, correção de erros doutrinários, etc.
Já no século XVII as igrejas evangélicas foram despertadas para a necessidade de enviar missionários para outras partes do mundo. Assim como em Jerusalém a igreja crescia satisfatoriamente, mas só despertou para a obra missionária quando Deus permitiu a perseguição que dispersou e levou os crentes a toda parte, assim também foi com a igreja reformada na Europa, em outras circunstâncias.
Deus mesmo despertou em William Carey, e em outros, no fim do séc. XVIII o ardor missionário; missões foram organizadas e partiram os pregadores das boas novas para a Ásia, a África e a América. Era como o Espírito Santo dizendo à igreja de Antioquia: "Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado" (At 13.2).
Na América do Norte, quando os primeiros colonizadores chegaram em 1607, a Igreja Presbiteriana e outras já foram se estabelecendo.
Vejamos como se cumpriu o "Ide" de Cristo atingindo o Brasil.
I. Primeira tentativa.
Desde 1500 existe o catolicismo romano em nossa terra. Mas a Igreja Romana, que se estabeleceu tão cedo, não tinha o Evangelho para pregar. Iniciada oficialmente a colonização portuguesa no Brasil em 1532, estabeleceu-se aqui um totalitarismo religioso que nada ficou devendo ao da Idade Média.
Os padres para aqui enviados eram jesuítas que, no Concílio de Trento (1545-1563), receberam todo o apoio para combater a Reforma, e levar o "evangelho romanista" aos outros continentes. Traziam o romanismo conservador, antirreformista, medieval, que não admitia contestação nem o livre exame das Escrituras. Isto lembra Lc 11.52: "não entrastes e impedistes os que estavam entrando".
Ainda no século XVI foi feita a 1.ª tentativa de estabelecer uma igreja reformada e pregar o Evangelho no Brasil. Havia perseguição religiosa na França e alguns protestantes pensaram em criar na América um país onde houvesse liberdade religiosa.
Foi quando o rei de França deu todo apoio a Nicolas Durant de Villegaignon, apoiado também pelo almirante francês Gaspar de Coligny (pronuncia-se Colinhi), líder calvinista leigo na França. A intenção era criar no Sudeste brasileiro a "França Antártica".
Villegaignon trouxe centenas de soldados e também 14 pregadores calvinistas, chamados na França "huguenotes". Também veio o padre franciscano André Thevet. Era o ano de 1555 (Hist. Brasil, Calmon, pág. 267).
Os calvinistas saíram da França do modo como os primeiros cristãos deixaram Jerusalém, tangidos pela perseguição: com a consciência de que eram testemunhas de Cristo e que deviam pregar o Evangelho por onde quer que andassem (At 8.4). Mas assim como o Adversário levantou em cada cidade os que se oporiam ao Evangelho (At 13.8 e 50), assim também foi no Brasil.
O próprio Villegaignon se levantou contra os missionários quando começaram a surgir atritos entre os católicos romanos e os protestantes. Proibiu-os de pregar e por fim expulsou-os do Brasil. Deu-lhes um velho barco para empreenderem a viagem de volta à França.
O barco "fazia água" e não suportava o peso de todos. Cinco deles voltaram, então, à terra, entre eles Jean Jacques Le Baleur, o único que conseguiu fugir de Villegaignon. Presos por ordem do governador, os quatro restantes foram intimados a abjurar sua fé evangélica e voltar à fé romana. Recusaram-se e foram condenados à morte.
Na noite que antecedeu sua execução eles escreveram maravilhosa reafirmação de sua fé, uma verdadeira confissão de fé, documento de grande valor espiritual e teológico. No dia seguinte foram executados (1). Veja Mt 10.21,22.
J. J. Le Baleur, também conhecido na História do Brasil como Jean Bolés, não negou jamais sua fé. Por isso ele foi mais tarde preso no Rio de Janeiro, pelos portugueses, e condenado à forca pela intolerância romana.
De sua execução participou o Padre José de Anchieta, razão pela qual até 1981 não se conseguira ainda a sua beatificação para depois chegar-se à sua canonização.
Le Baleur foi condenado e executado como se estivesse perturbando a ordem como um criminoso. Ele reviveu o episódio de At 17.1-6 acontecido com Paulo e Silas, acusados de "transtornar" o mundo. Realmente o Evangelho causa um alvoroço no coração e na consciência dos que o ouvem.
E quando as primeiras conversões se dão, os costumes dessas pessoas mudam, e então há um alvoroço na sociedade: seus costumes e valores são postos em dúvida e a maioria não o admite. A incredulidade e a intolerância geram o ódio e começa a violência (Mt 27.20).
II. Segunda tentativa
Deu-se ela quando os holandeses se estabeleceram no Nordeste brasileiro, chegando a dominar desde Sergipe até o Rio Grande do Norte e depois Ceará e Maranhão. É inegável que os holandeses eram movidos por interesses comerciais e políticos, ao apossar-se de terras de Portugal, o qual estava, desde 1580, ligado à Coroa Real da Espanha, inimiga da Holanda.
Outro fato, porém, é o trabalho de evangelização feito pelos crentes calvinistas; assim também as mudanças profundas havidas no "Brasil Holandês", de 1624 a 1654, especialmente durante o governo do Conde Maurício de Nassau, de 1637 a 1644: liberdade religiosa – para católicos romanos, judeus e protestantes; democracia, com a criação do Conselho de Escabinos (Câmara Municipal), obras públicas como construção de pontes sobre o rio Capibaribe, drenagem de córregos, criação de museu artístico, de Jardim Botânico, de Zoológico, de Observatório Astronômico, etc.
Houve conversões no Nordeste nesse período, mas, com a expulsão dos holandeses em janeiro de 1654 e a volta do domínio português e da intolerância religiosa, inclusive com a atuação da inquisição no Brasil, não ficou ali plantada uma igreja evangélica.
III. Absolutismo romanista.
O contraste entre o espírito democrático, compreensivo e tolerante do Evangelho, com a intolerância religiosa romanista é chocante e trágico.
Além dos calvinistas martirizados por Villegaignon, as maiores vítimas desse absolutismo religioso no Brasil foram judeus e descendentes de judeus, os chamados "cristãos novos".
Estes eram descendentes de judeus que à força haviam sido batizados pela Igreja Romana em Portugal nos fins do século XV e início do século XVI ("História da Inquisição em Portugal" - Alexandre Herculano, tomo I, págs. 149 a 155).
Pode ter havido "conversões" espontâneas de judeus ao romanismo. O certo é que através de séculos eles e seus descendentes foram vítimas do "Santo Ofício". Eram sempre suspeitos de heresias.
Quando denunciados por qualquer pessoa, eram presos, ouvidas as testemunhas em segredo, submetidos a interrogatórios e, se não confessavam suas faltas, eram submetidos a torturas. Muitos foram condenados à morte na fogueira e executados em Portugal; outros foram condenados à prisão perpétua.
Mesmo quando não eram condenados, eram libertados mas obrigados a usar, para sempre, o sambenito, um hábito que os identificaria em qualquer lugar como suspeitos de heresia.
Esse absolutismo permaneceu no Brasil até a outorga, por D. Pedro I, da 1ª Constituição Brasileira, que estabelecia a liberdade de cultos no Brasil. A liberdade religiosa foi ainda teórica durante muito tempo.
Daniel Parrish Kidder, missionário metodista, veio para o Brasil como agente de Sociedades Bíblicas e aqui realizou importante trabalho de colportagem (venda de Bíblias), de 1836 a 1842; foi seguido por James Cooley Fletcher, também missionário metodista, que realizou o mesmo trabalho de 1851 a 1865.
A intolerância religiosa continuou com os padres promovendo queima de Bíblias tomadas aos católicos romanos, em praças públicas. Isto se deu até mesmo nas primeiras décadas deste século XX.
IV. Implantação definitiva do evangelismo no Brasil.
Deu-se com a chegada do Rev. Robert Kalley em 1855, vindo da Ilha da Madeira tangido pela intolerância religiosa. Fundou no Rio de Janeiro a igreja que existe até hoje, a Igreja Evangélica Fluminense.
Quatro anos depois, em 1859, chegou Ashbel Green Simonton, o pioneiro presbiteriano, que iniciou o trabalho também no Rio de Janeiro.
Nossa igreja se expandiu rapidamente, tanto aqui no Sul como no Nordeste e Norte, com o trabalho de duas missões presbiterianas, de duas igrejas americanas, do Norte e do Sul, logo reforçadas pelos primeiros pastores nacionais, a começar com o ex-padre Rev. José Manuel da Conceição.
Conclusão
Existe na história do evangelismo brasileiro o sangue de mártires, bem como o trabalho imenso de vidas inteiramente dedicadas ao reino de Deus.
Há na história da igreja, nestes 19 séculos e meio, a vida de milhares de cristãos fiéis que literalmente deram suas vidas - vivendo e morrendo por Jesus Cristo, a fim de que um dia a Palavra da Salvação chegasse até nós.
Isto não nos desafia a que vivamos do mesmo modo, a fim de que muitos outros, depois de nós, recebam também o Evangelho para sua salvação? "O sangue dos mártires clama".
Autor: Rev. Rubens Pires do A. Osório