Nos dias 29 e 30 de maio de 1934, um grupo de teólogos alemães reuniu-se na cidade de Barmen. Naqueles dias, o tirano Adolf Hitler anunciava o domínio de seu governo sobre o Cristianismo alemão.
Os já citados teólogos elaboraram uma declaração que recebeu o nome da cidade onde estavam reunidos. A Declaração de Barmen, nas palavras do Rev. Júlio Andrade Ferreira, "lembra o espírito da Reforma do século XVI, bem como a firmeza da mensagem apocalíptica ante a ameaça do Império Romano".
O texto da Declaração fala a respeito do papel do Estado, suas competências e responsabilidades. Ao mesmo tempo, declara a necessidade da igreja cumprir sua missão, rejeitando o ensino errado de submissão absoluta ao Estado, que não é uma divindade.
Alguns pastores e teólogos alemães, como Dietrich Bonhöeffer e Martin Niemöller, foram mortos ou presos, por sua fidelidade suprema a Cristo, e não a um governo iníquo.
Esse episódio da Declaração de Barmen ilustra Apocalipse 10.1 a 11.14, que fala a respeito da igreja cumprir sua missão, mesmo sofrendo e sendo perseguida pelos poderes do mundo.
Análise do texto
Apocalipse 10.1 -11.14 é uma espécie de parêntese entre a sexta e a sétima trombetas. Algo semelhante já havia acontecido no trecho de 7.1-17, que é um parêntese entre o sexto e o sétimo selos.
O intervalo logo após a sexta trombeta prepara a atenção do leitor para o que a última trombeta tem a dizer. Além disso, o texto analisado no presente estudo tem muito a ensinar.
Como acontece com outros textos do Apocalipse de João, também esse tem sofrido interpretações que fogem por completo ao sentido pretendido originalmente por seu autor.
Especialmente o trecho de 11.3-14, que alguns intérpretes defendem que os dois personagens do texto em questão, surgirão em algum lugar do futuro e, assim, o texto terá cumprimento literal. Se essa interpretação fantasiosa é correta, esse texto não serviu para nada na vida dos cristãos que viveram nos últimos dois mil anos.
É muito melhor e mais coerente com os mais saudáveis princípios de interpretação bíblica, entender esse intervalo antes do anúncio da última trombeta, como uma descrição em linguagem apocalíptica, da missão do povo de Deus no decorrer da História.
O próprio texto deixa claro que é escrito com linguagem simbólica, não literal. O versículo 8 do capítulo 11 fala sobre "uma grande cidade que, espiritualmente, chama-se Sodoma e Egito, onde também o seu Senhor foi crucificado".
Não há dúvida de que João combina símbolos: Sodoma (símbolo de imoralidade e injustiça), Egito (símbolo de opressão e exploração) e, curiosamente, Jerusalém (símbolo de rejeição da vontade de Deus). Não há sentido em fazer como alguns que, mesmo diante de uma evidência tão forte do próprio texto, ainda insistem na interpretação literal e sensacionalista da passagem.
1. A missão do povo de Deus é anunciar ao mundo
O tema do capítulo 10 é o livrinho que João vê na mão de um "anjo forte" (10.1,2; cf. Ap 5.2). Alguns comentaristas antigos pensavam que esse anjo forte é o mesmo Cristo glorificado do primeiro capítulo, devido à semelhança da descrição de 10.1 com 1.13-15. Mas não há base no texto para essa interpretação.
Os versículos 3 e 4 falam sobre sete vozes de trovões que João ouviu, mas foi impedido de contar aos seus leitores. A luz do Salmo 29, que compara a voz de Deus ao trovão e, conforme o simbolismo aritmético do Apocalipse, que tem no número 7 um símbolo de perfeição, tem-se aí uma figura da voz de Deus. Essa passagem lembra II Coríntios 12.4, onde Paulo fala que não deveria divulgar o que viu e ouviu.
O versículo 6 é especialmente importante, quando apresenta o anjo jurando por Deus que "já não haverá demora". Essa pressa refere-se ao julgamento de Deus, que acontecerá com a sétima trombeta (11.15-19).
No versículo 7, João fala que "... cumprir-se-á, então, o mistério de Deus, segundo ele anunciou aos seus servos, os profetas". Na linguagem bíblica, a palavra "mistério" é sinônima de "evangelho", a boa notícia a respeito de como homens e mulheres podem ser aceitos por Deus, reconciliados com ele, por meio de Jesus Cristo (I Co 4.1; Ef 3.4-6; Cl 2.2; 4.3).
Esse mistério será cumprido com a última trombeta. Portanto, o livrinho da visão de João tem a ver com a mensagem do evangelho.
A missão do povo de Deus é anunciar esse evangelho para todo o mundo. O anjo que traz o livrinho que João comeu, tinha um pé sobre o mar e o outro sobre a terra (10.2), um símbolo da extensão de todo o mundo.
João recebeu ordem de profetizar para "povos, nações, línguas e reis" (10.11). Essa é outra indicação da abrangência da missão, que é anunciar o Evangelho de salvação.
Essa visão de João, sem dúvida, serviu como estímulo às igrejas perseguidas da Ásia que receberam seu livro. Estímulo para continuar anunciando o Evangelho, mesmo sofrendo martírio. Pela mesma forma, cristãos no mundo inteiro encontram, nessa passagem, ânimo para prosseguir no exercício de sua missão, que é de amplitude mundial.
Muitas igrejas gastam seu tempo, seu dinheiro, sua energia, seus talentos e seu material humano, cuidando apenas de seus próprios interesses, sem se preocupar com o mundo, que é o seu campo de missão.
É preciso aprender o que a Bíblia ensina tantas vezes, e que o Apocalipse repete - o mundo é o alvo da missão da igreja.
2. A missão do povo de Deus é testemunhar uma mensagem de vida ou morte
Na sequência, o capítulo 11 fala sobre a medição do "santuário de Deus, o seu altar e os que nele adoram" (v. 1). Aqui há outra indicação do caráter simbólico do texto.
Pois quando João escreveu o Apocalipse, o templo em Jerusalém havia sido destruído há uns 20 anos. Portanto, com certeza, seus leitores logo perceberam que se tratava de uma linguagem figurada.
O sentido da medição do santuário é garantir aos adoradores de Deus que estão protegidos pelo Senhor. Ainda que os "gentios" (simbolizando os rebeldes a Deus) estejam no "átrio exterior do santuário" (v.2), os fiéis seguidores do Cordeiro sabem que são protegidos por Deus, mesmo que sofram.
A seguir, o texto fala sobre o livrinho doce e amargo que João "comeu". O evangelho é doce como o mel para os que o aceitam (cf. Sl 19.9,10; 119.103). Mas, é também amargo, porque traz o juízo de Deus aos que o rejeitam.
As misteriosas testemunhas de 11.3-14 não representam, como pensam alguns, Moisés e Elias, ou Josué e Zorobabel, ou Pedro e Paulo. Antes representam a totalidade da igreja em missão.
As testemunhas vestem-se de pano de saco, que representa a seriedade da mensagem que perturba e incomoda as pessoas comprometidas com o sistema anti-cristão de rebelião contra a soberania de Deus e Seu Reino. Por isso mesmo, é mensagem que precisa ser testemunhada por meio de palavras e ações com a maior urgência. Essa é a responsabilidade maior do povo de Deus.
3. A missão do povo de Deus é testemunhar, mesmo enfrentando oposição
A missão do povo de Deus é anunciar a todo o mundo uma mensagem que é de vida ou morte, e que também suscita perseguição. A proclamação fiel da mensagem que convoca as pessoas a se submeterem ao senhorio de Cristo é uma provocação para os que preferem viver na idolatria do sistema de vida sem Deus.
Por isso, ao longo dos séculos, a igreja cristã tem tido uma longa lista de mártires. É conhecida a frase de Tertuliano, um dos antigos pais da Igreja, que disse: "O sangue dos mártires é a semente da igreja". De fato, tem sido assim desde o princípio. E continuará, até a volta do Senhor.
Em sua linguagem figurada, João fala das testemunhas de Jesus como tendo poder contra seus inimigos (11.4-6). Mas, posteriormente, são vencidas pela besta, símbolo dos poderes humanos que são adorados como divinos, tornando-se, então, instrumentos de Satanás (11.7-10). O que João está querendo dizer é que a igreja testemunha sua fidelidade a Cristo no enfrentamento da oposição.
A igreja, como um todo, é resistente aos ataques do diabo, ainda que seus membros, individualmente, possam tombar como vítimas da perseguição. Nesse combate, pode até parecer que a igreja está derrotada e morta. Mas a vitória final será das testemunhas de Jesus (11.11 -14), e não da besta.
No versículo 13, João chega a dizer que houve conversões como resultado da vitória do testemunho dado pelos seguidores de Jesus, pois os sobreviventes do terremoto que acometeu a cidade da maldade "deram glória ao Deus do céu".
Deve-se lembrar que, na língua grega, a palavra "testemunha" se diz "mártir". Comentando esse fato, o teólogo chileno Pablo Richard diz que "toda comunidade é chamada a ser profeta e testemunha (mártir) no tempo presente".
Há no mundo, atualmente, muitos lugares onde os cristãos estão pagando com a vida o seu testemunho profético de obediência e fidelidade ao Senhor Jesus.
No entanto, no Brasil, onde há tanta liberdade para os cristãos, muitos crentes ficam vergonhosamente brigando uns com os outros, criando conflitos e intrigas nas comunidades, ao invés de testemunharem o compromisso com Cristo na sociedade em que vivem.
Outros vivem de maneira egoísta, cuidando apenas de seus próprios interesses, sem se engajar com seriedade na luta pelo crescimento da igreja e pelo avanço do Reino de Deus. Que todos aqueles que se chamam de cristãos aprendam a testemunhar de Cristo, ao invés de atrapalharem a marcha de suas comunidades!
Autor: Rev. Carlos Ribeiro Caldas Filho
Lista de estudos da série
1. Não tenha medo: Como ler o livro da Revelação corretamente – Estudo Bíblico sobre a Introdução ao Apocalipse2. Mais que um profeta: A visão de Jesus que fortalece a esperança – Estudo Bíblico sobre Cristo em Apocalipse
3. Uma mensagem para hoje: O que Cristo diz à sua igreja – Estudo Bíblico sobre as Cartas às Sete Igrejas
4. Quem está no controle?: O governo soberano de Deus na História – Estudo Bíblico sobre o Trono Celestial
5. O mistério revelado: Por que só Jesus pode abrir o livro da História – Estudo Bíblico sobre o Livro e o Cordeiro
6. O mundo em crise: Entenda o significado dos cavaleiros do Apocalipse – Estudo Bíblico sobre os Sete Selos
7. O alerta divino: O que o som das trombetas anuncia ao mundo – Estudo Bíblico sobre as Sete Trombetas
8. Nossa maior tarefa: O papel da igreja em tempos de crise – Estudo Bíblico sobre a Missão do Povo de Deus
9. A guerra invisível: Entenda a vitória de Cristo sobre Satanás – Estudo Bíblico sobre a Mulher e o Dragão
10. Impérios vs. o Cordeiro: Identifique as forças que se opõem a Deus – Estudo Bíblico sobre as Duas Bestas
11. A ira do Cordeiro: A justiça final de Deus sobre a rebeldia – Estudo Bíblico sobre os Sete Flagelos
12. A queda inevitável: O fim de todo sistema que se opõe a Deus – Estudo Bíblico sobre a Queda da Babilônia
13. 1000 anos de paz?: O que a Bíblia realmente diz sobre o reinado de Cristo – Estudo Bíblico sobre o Milênio
14. O fim é apenas o começo: Descubra a promessa da vida eterna – Estudo Bíblico sobre Novo Céu e Nova Terra