No decorrer da história da igreja os cristãos sempre se preocuparam em anunciar o amor, a graça, a misericórdia e a providência de Deus. Não há dúvida de que todas essas doutrinas fazem parte do ensino bíblico, e, por isso, os pregadores têm o dever de anunciá-las com sabedoria e zelo, ensinando a igreja a aplicá-las em sua vida cotidiana.
No entanto, o “cristo” anunciado por boa parte das igrejas evangélicas de nossos dias é um Cristo pálido e inerte, que dedica sua existência a satisfazer os desejos de seus discípulos.
Em algumas pregações ele chega inclusive ao ponto de ser totalmente subserviente a eles (pense nas “determinações” feitas pelos crentes a Deus). Além disso, o cristianismo moderno tem se caracterizado por uma grande deficiência moral.
Os crentes, em geral, se mostram cada dia menos preocupado com a necessidade de manter uma vida santa para agradar a Deus.
Em parte, isso acontece porque os crentes estão perdendo de vista o ensino bíblico de que Deus, embora seja amor, misericórdia, e graça, também é justiça. A justiça é a perfeição de Deus pela qual ele se manifesta ativamente contra todo o pecado e mostra que é totalmente santo.
Neste estudo, veremos o que a Escritura tem a nos dizer sobre a justiça de Deus e o que essa justiça tem a ver conosco.
I. A justiça de Deus: absoluta e relativa
A ideia de justiça está sempre ligada à ideia de conformidade a um padrão. No aspecto moral, ser justo é andar de acordo com a lei. Sendo assim, a princípio pode parecer estranho dizer que Deus é justo nesse sentido.
Afinal, que lei poderia estar acima de Deus para obrigá-lo a regular seu comportamento por ela?
Embora não se possa dizer que Deus esteja sujeito a uma lei fora de si mesmo, como estão os seres humanos, que estão sujeitos à lei instituída por Deus na criação, impressa em seu coração (Rm 2.14,15), e que é revelada plenamente na revelação escrita do Antigo e Novo Testamentos, é possível afirmar que Deus está sujeito à sua própria natureza.
Paulo afirma que Deus de maneira nenhuma pode negar-se a si mesmo (2Tm 2.13). Isso significa que Deus age sempre em conformidade com sua natureza, ou seja, de acordo com seus atributos.
Portanto, podemos dizer que a lei à qual Deus está sujeito é a lei de sua própria natureza, segundo a qual ele nunca pode deixar de ser Deus, perfeitamente santo, misericordioso, gracioso e assim por diante.
Sendo assim, quando a lei de Deus, expressão de seu próprio caráter, é quebrada, a santidade de Deus o obriga a se manifestar contra o pecado e a sua justiça faz com que ele trate o infrator como tal.
Há inúmeros textos na escritura que mencionam que Deus é justo quando pune o pecador. Dois deles são importantes para o contexto deste estudo porque relatam o momento da confissão de pecados do povo de Israel depois do cativeiro. Essa confissão foi feita por Esdras:
Esdras 9.15
Ah Senhor, Deus de Israel, justo és, pois somos os restantes que escaparam, como hoje se vê. Eis que estamos diante de ti na nossa culpa, porque ninguém há que possa estar na tua presença por causa disto.
E por Neemias:
Neemias 9.33
Tu és justo sobre tudo o que tem vindo sobre nós; pois tu fielmente procedeste, e nós, perversamente.
Repare que, nos dois textos, os servos do Senhor reconhecem que a disciplina imposta por Deus ao povo de Israel (destruição do templo, dos muros de Jerusalém, cativeiro, extradição e morte), foi justa porque o povo havia pecado grandemente contra o Senhor, fazendo-se merecedor da disciplina.
A justiça de Deus também pode ser entendida por duas perspectivas diferentes.
1. Justiça absoluta
O teólogo Louis Berkhof define a justiça absoluta de Deus como a retidão da natureza divina em virtude da qual Deus é infinitamente reto em si mesmo.
A justiça absoluta de Deus está diretamente ligada à sua natureza e à preservação de sua santidade. E por causa de sua justiça absoluta que Deus não pode pecar (Hb 6.18), deixar de ser Deus (Tg 1.17), nem tolerar o pecado (Hc 1.13).
2. Justiça relativa
A justiça relativa de Deus pode ser definida como a perfeição de Deus pela qual ele se mantém contra toda violação da sua santidade e mostra, em tudo e por tudo, que ele é o Santo.
E a que ele exerce em relação ao ser humano. Ela se manifesta quando Deus trata cada um conforme seus próprios merecimentos. O propósito deste estudo é analisar a justiça relativa de Deus. Veremos como ele aplica sua justiça relativa, dando a cada um o que lhe é devido.
II. Distinções aplicadas à justiça de Deus
A justiça de Deus em relação ao cumprimento de sua lei se manifesta de duas formas; através da distribuição de recompensas, quando a lei é cumprida, ou de punições, quando a lei é violada.
Quando a justiça se refere à recompensa aos obedientes, ela recebe o nome de justiça remunerativa; quando se refere ao castigo dos desobedientes, recebe o nome de justiça retributiva.
1. Justiça remunerativa
São as bênçãos decorrentes da obediência aos princípios do Senhor. As bênçãos da justiça remunerativa de Deus são sempre condicionadas. Elas dependem do cumprimento dos preceitos de Deus. Veja o que diz o texto de Deuteronômio 28.1,2,15:
Deuteronômio 28.1-2, 15
Se atentamente ouvires a voz do Senhor, teu Deus, tendo cuidado de guardar todos os seus mandamentos que hoje te ordeno, o Senhor, teu Deus, te exaltará sobre todas as nações da terra. Se ouvires a voz do Senhor, teu Deus, virão sobre ti e te alcançarão todas estas bênçãos... Será, porém, que, se não deres ouvidos à voz do Senhor, teu Deus, não cuidando em cumprir todos os seus mandamentos e os seus estatutos que, hoje, te ordeno, então, virão todas estas maldições sobre ti e te alcançarão.
Embora a salvação seja um dom de Deus, concedido pela graça e, portanto, totalmente imerecido, as bênçãos temporais, como as que foram mencionadas em Deuteronômio 28, são condicionais.
Deus prometeu conceder essas bênçãos a Israel se o povo cumprisse os preceitos da aliança. Se o povo fosse desobediente, ao invés de bênçãos, receberia maldições. A obediência à lei de Deus, embora seja uma obrigação de cada ser humano, traz como consequências as abundantes e graciosas bênçãos de Deus.
Isso não significa que Deus seja devedor do ser humano, pois este não tem nenhum mérito diante de Deus (Lc 17.10).
Quando fazemos coisas boas, que agradam a Deus, temos que reconhecer que mesmo a capacidade de fazê-las é dádiva dele. Assim, nada provém de nós mesmos, mas tudo nos foi dado graciosamente por Deus. Davi diz a Deus, muito sabiamente:
1 Crônicas 29.14
Tudo vem de ti, e das tuas mãos to damos.
As recompensas que Deus concede ao ser humano em virtude da obediência aos seus preceitos são expressão da sua bondade. No entanto, há um sentido em que Deus é "compelido” a recompensar o ser humano. Ele mesmo estabeleceu promessas (como as que encontramos em Dt 28) e é fiel no cumprimento das mesmas.
Números 23.19
Deus não é homem, para que minta; nem filho de homem, para que se arrependa. Porventura, tendo ele prometido, não o fará? Ou, tendo falado, não o cumprirá?
Isaías 46.11b
Eu o disse, eu também o cumprirei; tomei este propósito, também o executarei.
Deus é honrado quando agimos com os olhos postos nas promessas que fez. sabendo que ele é fiel em cumpri-las e se agrada em fazer isso porque é justo e bom.
2. Justiça retributiva
Chamamos de justiça retributiva aquela que se refere à aplicação de penalidades. Ela também é chamada de justiça “punitiva” e está estreitamente relacionada com a ira de Deus (atributo que será estudado no próximo estudo).
Ela recebe esse nome porque, através dela, o Senhor retribui ao ímpio aquilo que corresponde à sua incredulidade e impiedade. Devido à natureza santa de Deus, ele é naturalmente levado a castigar o mal. Esse castigo envolve punições temporais, como as que vimos em Deuteronômio 28.15, e também a punição eterna, a saber, a condenação ao inferno.
Embora os redimidos estejam livres da punição eterna, eles não estão livres das punições temporais, que o Senhor impõe aos filhos a quem ama para corrigi-los e trazê-los de volta para os seus caminhos.
O exercício da justiça retributiva é necessário por causa da transgressão da lei. Deus estabeleceu suas leis, bem como a punição para o descumprimento das mesmas. Sendo justo, Deus precisa aplicar essa punição quando a lei é transgredida. Ele precisa manifestar sua justiça, aplicando ao pecador a justa retribuição por seu pecado. No caso dos cristãos, a punição é rigorosamente aplicada, mas não pessoalmente sobre eles, e sim substitutivamente em Cristo.
III. Justiça x misericórdia
Tudo o que vimos sobre a justiça retributiva de Deus parece contradizer a misericórdia. A Escritura é muito clara quando diz que todos pecaram e o salário do pecado é a morte (Rm 3.23; 6.23).
Isso significa, então, que Deus contraria sua própria justiça quando salva um pecador em vez de condená-lo?
De forma nenhuma. A harmonia entre a justiça e a misericórdia de Deus é encontrada no ensino bíblico sobre a redenção. Na salvação graciosa oferecida por Deus, encontraram-se a graça e a verdade, a justiça e a paz se beijaram (Sl 85.10).
Em Deus, compaixão, justiça e misericórdia andam juntas em total harmonia (Sl 116.5). O próprio Deus se revela como justo e, ao mesmo tempo, Salvador (Is 45.21).
Deus deixa de condenar um pecador, por que através da obra expiatória de Cristo, a sua justiça é completamente satisfeita. A justa penalidade pelo pecado dos salvos foi imposta por Deus a Cristo, que a pagou quando morreu na cruz do Calvário.
A misericórdia de Deus pelo pecador não anula sua justiça. Ela somente se torna eficaz em nossa vida, por que a justiça foi realizada. Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus (Rm 5.1). Por já ter sido imposta sobre Cristo, ela não pode mais ser imposta sobre aqueles por quem Cristo morreu.
Não é justo que a mesma dívida seja cobrada duas vezes. Por isso, quando salva o cristão, Deus está agindo de forma totalmente coerente com sua justiça.
Assim, a justiça de Deus não permite que o pecado tenha a última palavra. Ela é sempre manifesta, tanto nos salvos quanto nos não salvos. O Senhor é justo ao condenar o pecador impenitente e também quando recebe os pecadores convertidos, pois o preço da dívida destes últimos foi pago por Cristo. E assim, manifestando sua justiça, Deus é glorificado.
Conclusão
É muito bom saber que Deus é misericordioso, gracioso e nos ama. No entanto, o grande apego que temos a essas doutrinas bíblicas não deve nos fazer perder de vista que Deus é eterna e perfeitamente justo e, por isso, abomina o pecado e pune o pecador. Devemos ter isso sempre em mente para nos afastarmos do pecado e nos dedicarmos a uma vida santa agradável ao Senhor.
Aplicação
A justiça de Deus impede que ele seja tolerante com o pecado. Sabendo disso, cabe a você examinar sua vida e verificar se há alguma área da mesma que necessita de maiores cuidados para manter sua fidelidade ao Senhor. Não seja tolerante com o pecado em sua vida. Confesse-os ao Senhor e abandone-os. Peça ajuda ao Senhor para abandonar seus pecados e empreenda sérios esforços para isso.
Autor: Vagner Barbosa
Lista de estudos da série
1. O Ponto de Partida de Tudo: Como a singularidade de Deus transforma seu relacionamento com Ele – Estudo Bíblico sobre o Ser de Deus2. A Evidência Definitiva: Onde encontrar a certeza inabalável da Sua existência – Estudo Bíblico sobre a Existência de Deus
3. O Mistério Revelado: Como conhecer um Deus infinito sendo uma pessoa finita – Estudo Bíblico sobre a Revelação de Deus
4. O DNA Divino: As 2 chaves para entender o caráter de Deus – Estudo Bíblico sobre os Atributos de Deus
5. Alívio para os Aflitos: O segredo para receber o favor de Deus na sua dor – Estudo Bíblico sobre a Misericórdia de Deus
6. O Presente que Você Não Merece: Como a graça divina reescreve sua história – Estudo Bíblico sobre a Graça de Deus
7. A Força Mais Poderosa do Universo: Descubra as 3 verdades sobre o amor que age – Estudo Bíblico sobre o Amor de Deus
8. O Padrão Inegociável: Por que a santidade de Deus é a sua maior segurança – Estudo Bíblico sobre a Santidade de Deus
9. A Balança Perfeita: Como a justiça divina garante a ordem do universo e a sua paz – Estudo Bíblico sobre a Justiça de Deus
10. Fogo Santo: O que ninguém te contou sobre a ira de Deus e por que ela é boa notícia – Estudo Bíblico sobre a Ira de Deus
11. O Poder Sem Limites: O que a onipotência de Deus significa para suas impossibilidades – Estudo Bíblico sobre Onipotência e Vontade de Deus
12. A Mente Que Sabe Tudo: Como a onisciência de Deus traz conforto e direção para sua vida – Estudo Bíblico sobre a Onisciência de Deus
13. A Rocha Inabalável: Encontre segurança eterna na principal característica de Deus – Estudo Bíblico sobre a Imutabilidade de Deus