2 Timóteo 2.14-19
O que as Escrituras dizem sobre demônios e libertação? Como devemos enfrentar uma batalha espiritual? As perguntas surgem porque um grupo de pessoas compromissadas com as Escrituras discorda de outro grupo compromissado com as mesmas Escrituras.
Como devemos usar as Escrituras para compreender e corrigir vícios sobre batalha espiritual? Como alcançar a mente de Deus?
Como interpretar, sob o ponto de vista teórico e prático, as formas de batalha de Deus?
Identificar princípios sólidos de interpretação da Bíblia é um componente chave para ouvir a Palavra da verdade.
1 - A Bíblia fala hoje
A solução é fazer perguntas sobre o texto dentro do contexto. A Bíblia discute dúvidas, necessidades, preocupações e problemas reais. Deus sempre fala concretamente em situações em que o homem passa por necessidades.
Nenhum livro da Bíblia foi escrito como um exercício de teoria abstrata, mas nós não lemos a Bíblia em seus contextos originais.
Poucos de nós, em meio à batalha, murmuramos se não aparecer nenhum oásis no horizonte. Nem vivemos como cosmopolitas numa cidade como Corinto no 1° século.
Hoje, fazemos perguntas diferentes, enfrentamos lutas, preocupações e problemas diferentes. As Escrituras, contudo, ousam falar a nós e às nossas questões legítimas também.
Da mesma forma, a Bíblia trata de muitas questões que se referem à batalha espiritual em nosso tempo. Nós devemos fazer perguntas e escutar bem as respostas. A lista de possíveis questões é quase interminável.
Por exemplo, algumas pessoas procuram a Bíblia para buscar esclarecimentos acerca de perguntas muito pessoais: "Eu me envolvi seriamente com ocultismo e era imoral antes de me converter."
"Eu mudei, mas não consigo me livrar de pensamentos de raiva contra Deus ou de fantasias sensuais. Eu odeio essas coisas, mas me sinto imponente quando esses sentimentos me dominam. Qual a ligação com o meu estilo de vida do passado? Estarei endemoninhado pelos espíritos da luxúria e das forças ocultas?".
Essas questões são verdadeiras. E a pessoa que está lutando contra elas lerá a Bíblia com tais questões em mente.
Muitos defensores do MME encontram outros cristãos que ignoram totalmente o diabo, rejeitam qualquer atenção às forças espirituais considerando-as desnecessárias ou fanáticas e sugerem que o amor de Deus automaticamente os livra do perigo ou do mal.
Quando eles encontram esse tipo de cristão, alguns defensores do MME se perguntam: "Será que a fé cria uma imunidade contra o ataque demoníaco ou pode um crente ser seriamente fustigado pelo diabo?".
Então leem Jó, os evangelhos, Efésios, 1 Pedro e o Apocalipse com a questão em mente e concluem corretamente: "A fé nos ajuda a levar o escudo de Deus para proteção contra dardos inflamados. Deus não nos transporta instantaneamente para um paraíso fora dos limites do diabo".
Ambos, a Bíblia e a nossa experiência, mostram que os crentes podem sofrer e sofrem miséria, tentação, acusação e escravidão a pecados rotineiros; aí tem o dedo do diabo.
Mas, muito frequentemente, os defensores do MME vão além e concluem que tais aflições são um sinal de "endemoninhamento", necessitando, portanto, de MME. Mas será que essa conclusão é verdadeira? Analisaremos a Bíblia para encontrar respostas.
2 - Três tarefas importantes
Certamente as Escrituras não respondem a toda pergunta, fruto da nossa curiosidade, sobre batalha espiritual, como por exemplo: como Satanás transformou-se em mal? Como pessoas endemoninhadas se tornaram endemoninhadas?
Defensores do MME concordam que a primeira pergunta é um mistério, mas especulam sobre a segunda. As Escrituras, contudo, não dizem uma palavra sobre causas de "endemoninhamento".
Basicamente, nós não precisamos saber como o endemoninhado geraseno ficou daquele jeito, porque não é importante para a fé e prática, para o ministério ou crescimento pessoal na graça.
A Bíblia irá responder às perguntas que precisamos saber para viver para a glória de Deus, em vez de estarmos em ligação com o pecado.
Há três tarefas interligadas no processo de fazer perguntas sobre o texto:
- Escute o texto;
- Assimile o contexto;
- Faça as perguntas.
A minha ordem não reflete uma ordem de importância, pois todas as três tarefas são cruciais e acontecem simultaneamente.
Por um lado, se nossas perguntas se sobrepõem a ambos, texto e contexto, nós quase nunca ouvimos as palavras corretas de Deus. Opinião popular ou pessoal, preconceito, impulso e tradição irão ditar as respostas, obscurecendo perguntas que devemos fazer.
Por outro lado, se o contexto se sobrepõe a um determinado texto, podemos ouvir algumas verdades bíblicas gerais, mas a verdade específica de que precisamos pode ficar obscura ou subestimada. O texto deve estar em primeiro lugar.
a) Deixe o texto falar por si mesmo
Nós devemos escutar coisas específicas. O que essa passagem diz na verdade? Imagens surgem na mente conforme eu penso nessa tarefa: chegue o mais perto que puder. Sente-se na primeira fila.
Coloque-se no lugar do orador e do ouvinte. Pare. Olhe. Ouça. O que o Espírito Santo ensina por meio desse trecho das Escrituras?
Faça as perguntas certas — perguntas de esclarecimento que chamem sua atenção para o texto, não as suas perguntas vindas de fora, o que você poderá fazer mais tarde.
"Deixe o texto falar por si mesmo" nos faz lembrar que devemos ser ouvintes submissos e atenciosos a um orador determinado. Ouvir é uma habilidade com vastas implicações espirituais:
"Quem tem ouvidos para ouvir, ouça" (Mc 4.9).
Como qualquer outra habilidade, exige concentração e será recompensada.
b) Assimile o contexto
Afaste-se do texto e olhe para o contexto imediato de qualquer passagem: as frases em que está inserida, a história, os personagens em cena, quaisquer detalhes que sejam mencionados e conclusões que sejam tiradas.
Por que estão aqui? Como elas nos ajudam a ouvir melhor o texto? Olhe a estrutura mais ampla: o fluir e as intenções de um livro inteiro. Olhe o panorama: a extensão da Bíblia toda.
Frases sobre Satanás e batalha espiritual não aparecem espalhadas ao acaso, como folhas caídas no terreno das Escrituras. As folhas vivem em árvores, relacionadas a propósitos e padrões mais amplos.
A Bíblia pode servir para dizer qualquer coisa que quisermos se ignorarmos o que ela realmente diz. Afinal de contas, a própria Bíblia nos diz, "Não há Deus" (SI 14.1). Mas aquele texto muda em significado quando olhamos para os versículos ao seu redor.
Sem atenção ao contexto, nós podemos perder nuances importantes de verdade e, às vezes, temas amplos.
c) Faça as suas perguntas
O texto é a folha e o contexto é a árvore, mas sem a pergunta e o questionador, textos e contextos passam a ser curiosidades, fotografias de árvores num velho livro.
Nossas perguntas induzem à ação: perguntar, procurar, bater, cavar, explorar, escutar, ver, cheirar, provar, tocar, perceber. "Quem é Deus? Quem sou eu? O que devo acreditar sobre isso? O que devo fazer quando isso acontecer?".
A Bíblia foi escrita para responder a questões humanas verdadeiras. "O que eu devo fazer para ser salvo?": uma pessoa alerta o suficiente para perguntar isso irá prestar atenção. "Senhor, ensina-nos a orar": o pedido expressa uma pergunta, o sentido vivo da necessidade de ajuda.
"Até quando, Senhor? Que é feito das tuas benignidades de outrora?": quando as trevas estão no comando, pessoas que amam a luz despertam do cochilo. "Devo esperar descobrir demônios de raiva, medo, luxúria, incredulidade e mentiras?".
Nós não podemos nos satisfazer em ouvir simplesmente o que as Escrituras tinham a dizer àquelas pessoas há muito tempo atrás. Nós devemos ouvir o que ela tem a nos dizer aqui e agora.
"A palavra de Deus é viva e eficaz... apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração" (Hb 4.12).
O que foi escrito em tempos passados é também para nossa instrução agora. "Faça suas perguntas", porque firmadas nas Escrituras está a expectativa de numerosas aplicações.
Quando essas três tarefas são combinadas, nós ficamos com um ouvido apurado para aquilo que as Escrituras pretendem nos fazer ouvir. Fazendo assim, nós estaremos confiantes de que ouvimos o que Deus diz ao seu povo.
3 - Achatamento e fragmentação
Como resistirmos ao diabo e crescermos em piedade? Como compreender e lidar com os casos difíceis? O que fazemos dos ensinamentos característicos do MME?
Quando falhamos em questionar o texto dentro do contexto, não ouvimos o que Deus diz. Todos nós temos uma deficiência auditiva instintiva no que diz respeito à voz de Deus.
O novo nascimento dá "ouvidos" àqueles que anteriormente ouviam a voz do mundo, da carne e do diabo, mas eram surdos como uma pedra para Deus.
Mas tendo renascido, devemos passar o resto de nossas vidas aprendendo a ouvir melhor. Para todos nós, individualmente e em conjunto, algumas coisas simplesmente ainda não têm registro.
Quando falhamos em questionar textos dentro dos contextos, perdemos o que está lá e a Bíblia se torna fragmentada e achatada.
A fragmentação ocorre quando o contexto é perdido. Os versículos da Bíblia se tornam como um saco de bolinhas de gude em vez de fios numa tapeçaria.
Considere que, da forma habitual como dividimos as coisas, a Bíblia contém cerca de trinta mil versículos. Dividir a Bíblia em capítulos e versículos é, certamente, apenas uma convenção e conveniência.
Moisés, Davi, Ezequiel, Lucas e Paulo simplesmente escreveram livros, orações e cartas, sem nenhum capítulo ou versículo. Os capítulos fazem sentido no livro de Salmos e são lógicos para separar os discursos no livro de Jó e os reinados dos reis de Israel.
Os versículos fazem mais sentido ainda em passagens alfabéticas (SI 119) и na grande coletânea de ideias em Provérbios 10— 31. Mas há um lado negativo; ao dividirmos livros em capítulos e versículos, fragmentamos a Bíblia, prejudicando o senso de contexto e a unidade global.
Dentre os trinta mil versículos da Bíblia, centenas mencionam Satanás, "endemoninhamento" e espíritos malignos. Devemos visualizar as Escrituras como um saco contendo trinta mil bolinhas de gude de várias cores?
Se pudéssemos, aprenderíamos sobre Satanás localizando e escolhendo as bolinhas de gude vermelhas. Colocaríamos todas as bolinhas vermelhas juntas e teríamos nossa teologia de Satanás.
Mas, na verdade, todos os trinta mil versículos têm alguma relação com nossa percepção de batalha espiritual. As passagens vermelhas são fios de uma tapeçaria exclusiva, unificada, composta de muitos padrões menores.
Mediante suas palavras Deus nos ensina a compreender quem ele é, quem nós somos, quem o inimigo é e a natureza de nosso conflito presente.
Os contextos são significativos: a Bíblia é composta de passagens dentro de livros de um Antigo Testamento e de um Novo Testamento. Suas passagens não são bolinhas de gude (fragmentos incoerentes) que possamos isolar e alinhar em ordem arbitrária.
A Palavra de Deus contém comentários e eventos particulares dentro de temas com interpretação mais ampla.
O segundo problema, o achatamento, ocorre quando as características de uma determinada passagem são perdidas. O que uma passagem ensina se torna obscuro, algum mínimo denominador comum nos cega quanto aos seus detalhes.
As vezes, o achatamento ocorre quando outros contextos na Bíblia são importados.
Por exemplo, a literatura do MME frequentemente exporta os confrontos contra os demônios dos evangelhos para o resto das Escrituras, menosprezando o que Efésios 6, Tiago 4, 1 Pedro 5 e o Apocalipse realmente dizem sobre batalha espiritual.
O achatamento também pode ocorrer quando alguma coisa de fora é importada para dentro da Bíblia, como o MME entende que o coração humano pode se tornar uma casa assombrada de maus espíritos, demônios herdados de ancestrais pecadores.
Os erros duplos de fragmentação e achatamento se afastam da sistematização das riquezas das Escrituras. Por exemplo, Jó retrata a soberania de Deus se sobrepõe à malícia de Satanás, ao mesmo tempo em que apresenta a mais longa e violenta expressão do drama humano.
O MME compreende que Jó é afligido pelo diabo, mas não concebe a subordinação do diabo a Deus.
Tanto a fragmentação quanto o achatamento são perigos de pôr o texto à prova. Quando cometemos esse erro, o texto para de falar por si só, iluminado pelo contexto.
Os textos, então, tendem a se tornar testes de borrão, estampas de palavras nas quais derramamos todas as nossas opiniões, interpretações prévias, experiências e preocupações.
Quanto à tarefa de interpretação falha, é como se ouvíssemos apenas pedacinhos de uma conversa, preenchendo os espaços em branco com nossa imaginação.
4 - Fato ou ficção?
Considere um exemplo do que acontece quando uma passagem da Bíblia é isolada do seu contexto. Milhões de pessoas leram o romance de Frank Peretti, Este Mundo Tenebroso.
Peretti adotou o título de Efésios 6.12: "...nossa luta não é contra o sangue e a carne e sim contra... os dominadores deste mundo tenebroso". Peretti selecionou uma passagem lógica da qual pudesse originar o título de seu romance.
Efésios 6.10-20 é descrição mais evidente sobre a batalha espiritual em toda a Bíblia, reunindo descrições da força do mal.
Segundo Peretti, este mundo tenebroso passa a ter vida se reproduzindo com detalhes realísticos e até mesmo fúnebres. Os demônios agrupam-se ao redor, invadem e habitam os seres humanos. E os heróis de Peretti são os que usam o MME para travar a batalha espiritual.
A dificuldade está em conseguir enxergar o que se pretende expressar metaforicamente e o que deve ser interpretado literalmente.
Há uma dificuldade em associar as ideias de Peretti com os métodos e ensinos decorrentes de Efésios 6.10-20.
Esta passagem realmente retrata a existência de forças espirituais do mal, mas em nenhum lugar ensina que os demônios podem controlar as pessoas por meio da invasão e habitação delas.
Se a obra de Peretti for considerada apenas uma ficção, o título está correto, mas se for compreendida como uma teologia, que descreve a demonologia e uma doutrina prática de combate a Satanás, então o título é errado e enganoso, porque fragmenta e achata o texto.
Conclusão
Devemos adotar um método cuidadoso de interpretação bíblica, ainda que não garanta concordância em toda questão provocante e controvertida, pois isto ajudará o corpo de Cristo a expurgar muitos dos erros mais significativos que agora declaram ser formas bíblicas de batalha espiritual.
Aplicação
Leia e estude a Bíblia diária e sistematicamente, sempre pedindo a Deus iluminação. Desenvolva uma vida devocional para que assim você esteja munido das armas da luz contra os poderes das trevas e contra o pecado, além de estar também mais preparado contra interpretações e teologias errôneas que nos afastam do conhecimento de Deus.
Autor: Mauro Filgueiras
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