Texto da lição: Primeira Epístola de João
Introdução
Certeza de salvação. Você tem? Uma das características do cristianismo evangélico é afirmar que se pode ter certeza de salvação. Os que não são evangélicos ficam espantados com tal afirmação. Alguns julgam tal atitude como arrogante. Outros não entendem como isso pode se dar.
Uma das finalidades da primeira carta de João é assegurar ao que crê a certeza de vida eterna (1 Jo 5.13). Escrita a uma comunidade que enfrenta fortes inquietações doutrinárias e investidas dos falsos profetas, essa carta visa fortalecer a fé que seus leitores possuem.
O conteúdo dessa fé é aquele que seus leitores receberam através do escritor da carta (1 Jo 1.1-5). A carta também exorta-os a comportarem-se adequadamente como cristãos.
I. Sinais de uma verdadeira conversão
A certeza de salvação subjaz à certeza de se ter convertido. Somos verdadeiramente convertidos se temos a confissão correta e se possuímos o dom do Espírito Santo.
A. Profissão de fé correta: "Jesus é o Cristo"
A heresia começava a florescer. Muitos haviam saído da Igreja e abandonado a profissão de fé correta em Jesus. João escreve: "Quem é o mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? Este é o anticristo, o que nega o Pai e o Filho" (1 Jo 2.22).
A explicação dada por João sobre esses que um dia fizeram parte da comunidade e agora negam o conteúdo central da fé cristã é dada nos seguintes termos: "Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos" (1 Jo 2.19).
O convertido de verdade permanece em Jesus e o confessa como o Cristo, o Filho de Deus. A conversão se expressa no que cremos acerca de Jesus Cristo (1 Jo 5.20). E o que cremos a respeito de Jesus se expressa pelo que afirmamos com nossa boca (Rm 10.9).
Isso é tão importante que João enfatiza várias vezes na primeira carta a necessidade de crer em Jesus como o Cristo: é mandamento do Senhor (1 Jo 3.23); quem confessa que Jesus é o Filho de Deus permanece em Deus e Deus nele (1 Jo 4.15); o que crê em Jesus é nascido de Deus e vence o mundo (1 Jo 5.1,5).
O evangelho de João objetiva levar os homens e mulheres a crer em Jesus Cristo como o Filho de Deus (Jo 20.30,31). A primeira carta de João exorta os crentes a permanecerem nessa crença. Assim, sabemos que somos convertidos permanecendo firmes no Senhor. Do contrário, nunca fomos convertidos.
B. A presença do Espírito Santo
Segue-se uma outra questão. Como sabermos que permanecemos nele e ele em nós? A resposta é: pela presença do seu Espírito (1 Jo 4.13). A doação do Espírito Santo à nossa vida é garantia de que pertencemos a Deus, de que possuímos a salvação.
Na carta aos efésios lemos: "...tendo nele também crido, fostes selados com o Santo Espírito da promessa; o qual é o penhor da nossa herança..." (Ef 1.13-14).
No evangelho de João temos o registro da promessa do dom do Espírito Santo aos que recebessem a Jesus como o Cristo, o Filho de Deus. Essa promessa é referida por João Batista (Jo 1.33) e mencionada constantemente pelo próprio Jesus (Jo 3.5,34; 7.39; 14.16-17). A doação do Espírito se concretiza após sua ressurreição (Jo 20.22).
A presença do Espírito Santo na vida do crente produz a verdadeira confissão. Os falsos profetas não têm o Espírito de Deus, por isso não confessam a Jesus (1 Jo 4.1-5).
O espírito presente nos falsos profetas não é o Espírito de Deus, mas o do anticristo. Seu ensino é distorção da divindade de Jesus. O evangelho de João nos ensina a respeito da divindade de Jesus sem desprezar a sua humanidade (Jo 1.1,14; 20.27-29).
Mas o ensino dos falsos profetas enfatizava exageradamente a divindade de Jesus a ponto de ele não ter mais humanidade. Conforme ensinos heréticos do gnosticismo do segundo século, Jesus tem somente aparência humana. Mas o ensino bíblico deixa claro que Jesus não é apenas uma aparência que emana de Deus em sentido físico, mas ele é verdadeiramente homem a tal ponto que pôde dar a sua vida.
O Espírito Santo honra o Filho de Deus. Portanto, uma confissão correta de que Jesus Cristo é o Filho de Deus e que possui verdadeira humanidade é sinal da presença do Espírito de Deus em nossas vidas. Assim voltamos ao primeiro tópico. Quem confessa corretamente a Jesus tem o Espírito Santo e quem tem de verdade o Espírito Santo confessa corretamente a Jesus (1 Co 12.3).
II. A ética do verdadeiro convertido
O verdadeiro crente, aquele que permanece em Jesus, tem uma ética condizente. Os que negaram a Cristo possuem princípios éticos distorcidos. Aprendemos sobre a verdadeira ética do crente em Jesus a partir do contraste com a dos hereges. As falhas éticas deles residem em dois campos: negação do pecado e falta de amor.
A. A questão da impecabilidade
Os arrogantes dizem que não têm pecado (1 Jo 1.8). Nesse perigo os cristãos também podem incorrer. João deixa isso claro ao escrever: "Se dissermos que não temos pecado a nós mesmos nos enganamos..."
Quem perde de vista o Deus real ao ponto de imaginar-se, apesar de seus pecados, seguro da comunhão com Deus, não enxergando os seus pecados, engana a si mesmo. João refuta a pretensão de perfeccionismo dos heréticos.
Quem afirma que não pecou e que não precisa carregar as consequências de seu pecado, torna a Palavra de Deus uma palavra de mentiroso (1 Jo 1.10). De tempos em tempos surge nas igrejas alguém proclamando possuir impecabilidade.
Tal reivindicação é baseada em sofismas produzidos por uma leitura ligeira de textos bíblicos. O Dr. Russell Shedd disse certa vez que o ser humano mais apto para dizer se ele possuía impecabilidade ou não, era a sua esposa. De fato, os nossos íntimos são capazes de ver melhor as nossas imperfeições.
Os pecadores que buscam o Senhor são purificados de todo pecado (1 Jo 1.7). João em momento algum pretende fazer de seus leitores libertinos que vivam pecando. Pelo contrário, escreve para que não pequemos (1 Jo 2.1-2).
O cristão enfrenta a possibilidade de pecar. Mas "se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (1 Jo 1.9). Outrossim, a caminhada cristã se revela como luta para erradicar cada vez mais o pecado de nossas vidas (1 Jo 3.4-6). Em suma, ainda somos passíveis de pecar mas não vivemos na prática do pecado.
B. O exercício do amor
João repete em sua carta a necessidade de guardarmos o(s) mandamento(s) de Jesus (1 Jo 2.3; 3.22, 24; 5.2-3). Ninguém pode dizer que conhece ao Senhor Jesus se não guardar os seus mandamentos (1 Jo 2.4).
O mandamento de Jesus é expresso em 1 João 3.23: "...que creiamos em o nome de seu filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros..." O amor caracteriza o agir de Deus que dá o seu Filho unigênito para a salvação da humanidade (Jo 3.16). Jesus nos ama a ponto de entregar sua vida por nós (Jo 15.13).
Assim, o amor que motivou a Deus para a salvação da humanidade deve nos motivar a amarmos uns aos outros. Mas qual é a medida de amor que devemos devotar ao nosso irmão? Em 1 João 3.16 lemos: "Nisto conhecemos o amor: que Cristo deu a sua vida por nós e nós devemos dar nossa vida pelos irmãos". Somos convocados a amar como Cristo, ao ponto de dar nossa própria vida. Cantamos em nossas igrejas o amor ao próximo.
Mas antes de cantar devemos praticá-lo. O amor é objetivo, isto é, ele se dirige ao outro. Procura o bem estar do outro. O mundo moderno confunde amor com o sentimento de afeição. Quando desaparece esse sentimento, desaparece também o amor. O ensino bíblico sobre o amor é mais completo. É relacionado à vontade. Dispomo-nos a amar.
O amor deve se expressar em atos concretos. João questiona o amor teórico: "Ora, aquele que possuir recursos deste mundo, e vir a seu irmão padecer necessidade, e fechar-lhe o seu coração, como pode permanecer nele o amor de Deus? Filhinhos, não amemos de palavra, nem de língua, mas de fato e de verdade" (1 Jo 3.17-18).
Queremos ter certeza de nossa salvação? Não devemos procurar a resposta nos sentimentos de nosso coração. Devemos olhar para o nosso próximo e estender nossa mão para servi-lo. Isso é amor. Aí sim, tranquilizaremos o nosso coração (1 Jo 3.19).
Outra dimensão do amor é que não há compatibilidade em amar a Deus e odiar o seu irmão (1 Jo 4.20). A prova de que alguém ama a Deus está no amor devotado ao irmão.
Neste sentido, o cristianismo só pode ser praticado em comunidade. Desaparece aqui toda pretensão de se isolar do mundo.
Habitar em desertos para a santificação pessoal não faz parte do projeto de Jesus para os seus discípulos. Estes devem enfrentar os desafios de se viver em comunidade.
Devem aprender a vencer as falhas existentes na igreja procurando cada vez mais atingir o ideal do exercício do amor fraternal. Mas se temos em nosso coração ódio consumado, devemos questionar nossa conversão. Aquele que odeia vive nas trevas (1 Jo 2.9,11) e não tem a vida eterna (1 Jo3.15).
A principal marca do cristão verdadeiramente convertido é o amor. O amor não tem fim, jamais acaba. Seu exercício continua mesmo na eternidade.
Muita gente hoje se esquece da prática do amor. Sem ele não se produzem frutos duradouros (1 Co 13.1-3). Jesus disse: "Nisto conhecerão todos que sois meus discípulos: se tiverdes amor uns aos outros" (Jo 13.35).
III. As bênçãos da verdadeira conversão
A primeira bênção proveniente de crermos em Jesus Cristo é nossa filiação a Deus. Quem recebe Jesus Cristo em sua vida passa a ser filho de Deus (Jo 1.12). O fato de sermos filhos de Deus é justamente expressão de seu amor (1 Jo 3.1).
O plano de Deus ao nos tornar seus filhos é o de sermos semelhantes a Jesus (1 Jo 3.2). A realidade dos filhos de Deus é contrária à dos filhos do mundo.
O mundo não conhece a Deus, por isso estranha os valores defendidos por seus filhos. A ética destes não é a ética daqueles. E mesmo os filhos de Deus não devem ser seduzidos pelo mundo, porque dele já não são mais (1 Jo 2.15-17).
A segunda bênção diz respeito à oração. Deus atende às nossas orações pedidas em nome de Jesus (1 Jo 3.21,22).
Mas pedir em nome de Jesus não significa que Deus nos passou um cheque em branco assinado. O nosso pedido deve sempre subentender a vontade de Deus (1 Jo 5.14-15). O filho de Deus que anda na luz de Jesus e que ama o seu irmão não pedirá nada egoisticamente. Não fará pedidos extravagantes.
O próprio João menciona um tipo de intercessão que Deus aceita e outro que não aceita: "Se alguém vir a seu irmão cometer pecado não para morte, pedirá, e Deus lhe dará vida, aos que não pecam para morte. Há pecado para morte, e por esse não digo que rogue" (1 Jo 5.16).
Pelo contexto geral da carta podemos inferir que pecado para a morte é o pecado dos anticristos, daqueles que um dia fizeram parte da igreja local, mas que agora negam que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus e consequentemente a sua humanidade.
Aplicação
- A primeira carta de João visa dar certeza das verdades aprendidas aos seus leitores. Tem por pressuposto que eles já receberam a Jesus Cristo como Salvador (1 Jo 5.12,13). O verdadeiro convertido é aquele que faz a verdadeira confissão de coração. O Espírito Santo que provocou o novo nascimento move o crente a confessar Jesus corretamente e ao mesmo tempo marca presença em sua vida como sinal de salvação.
- O crente em Jesus é aquele que tem seus pecados perdoados pelo seu sacrifício remidor. Isso não quer dizer que o crente se tornou uma pessoa que não peca mais. O pecado, ainda que transitório, é uma realidade. Mas o crente não vive na prática do pecado. E quando peca deve confessar imediatamente para ser restaurado e não ser alvo das acusações do inimigo.
- Não devemos pensar que uma verdadeira profissão de fé é divorciada de uma ética condizente. De modo algum. O agir do crente é proporcionado pelo crer de fato em Jesus. A vida do que tem fé em Jesus deve ser pautada pelo amor. João em sua primeira carta não faz lista extensa de obras a serem praticadas. De um modo bastante sucinto enfatiza apenas o amor como obediência aos mandamentos do Senhor. Mas o amor engloba tudo. Só o amor é suficiente: se amamos de verdade, podemos fazer o que quisermos, pois o nosso querer sempre será inclinado para a vontade de Deus.
Autor: Rev. José Roberto Corrêa Cardoso
Lista de estudos da série
1. Arrependei-vos e Crede: Entendendo o Chamado Original de Jesus – Estudo Bíblico sobre a Conversão
11. De Escravo a Irmão: Como o Evangelho Derruba Barreiras Sociais – Estudo Bíblico na Carta a Filemom