Muito Além do Filho Pródigo: Descobrindo o Coração do Pai para os Perdidos – Estudo Bíblico sobre a Graça Divina

Texto da lição: Lucas 15

Introdução

Você gostaria mesmo que todos os tipos de sua rua ou bairro começassem a frequentar a sua igreja? Não é verdade que a presença de alguns "pecadores" nos incomoda?

Com certeza, essa reação tem a ver com crescimento (ou não) da igreja; porém, mais ainda, tem a ver com nosso autoconceito e com nosso conceito de graça e perdão divinos. Para responder a isso, Jesus não contou uma, mas três parábolas. É melhor aprender o que ele quis ensinar.

I. Três parábolas

Em Lucas 15 encontramos três parábolas, mas, em geral, só ouvimos o ensino de uma, ou melhor, de meia parábola. Trata-se da parábola conhecida como do "Filho pródigo" (Lc 15.11-31). Enfatizamos "meia parábola" justamente porque quase nenhum pregador fala do trecho final (Lc 15.25-32).

Um outro dado é que essa parábola é muito utilizada para pregações evangelísticas. Sublinha-se que o pecador é como o filho pródigo e que para ele há salvação. Nada disso deixa de ser verdade. Mas será que não enfraquecemos a proposta do texto ao nos limitarmos a apenas um trecho do capítulo 15?

Pensando em tudo isso, queremos propor uma leitura mais integral do texto de nosso estudo bíblico. Queremos que o texto fale primeiro e depois faremos as aplicações necessárias.

II. O contexto das três parábolas

O contexto das três parábolas se encontra em Lucas 15.1-2. Jesus recebe gente de má fama considerada pecadora. Essa gente se chega ao Mestre para ouvir dele sua mensagem (v. 1). Ficamos também sabendo que com esses pecadores Jesus partilha da refeição (v.2). Tal atitude da parte de Jesus provoca ressentimentos nos fariseus e escribas (v.2).

Essa reação por parte dos religiosos motiva Jesus a pronunciar a primeira parábola. Vejamos como começa Lucas 15.3: "Então, lhes propôs Jesus esta parábola..."

Notemos que o termo "então" se refere aos dois versículos anteriores. A parábola da ovelha perdida (Lc 15.3-7) foi pronunciada porque os fariseus e escribas se queixavam de Jesus.

Poderíamos pensar que o texto teria seu encerramento em Lucas 15.7, mas vejamos o versículo seguinte, isto é, Lucas 15.8. 

Como começa? "Ou qual é a mulher que..." Jesus deu prosseguimento à matéria tratada. Assim a parábola da dracma perdida é continuação do assunto anterior e ainda se relaciona com a atitude dos fariseus e escribas no início do capítulo.

O tema tratado por Jesus não termina em Lucas 15.10, mas prossegue em Lucas 15.11: "Continuou: Certo homem tinha dois filhos..." É isso aí. O texto de Lucas 15.11 e seguintes ainda se referem ao início do capítulo.

Mas e Lucas 15.25-32? É continuação da parábola do filho pródigo. Na verdade a parábola iniciada no versículo 11 segue até o versículo 32. E esse trecho ao nosso ver é muito importante. É o objetivo final de todo o capítulo 15. Sem esse trecho, o ensino de Jesus no capítulo 15 fica incompleto.

É como um carro com apenas três rodas. Falta a quarta roda. Sem a quarta roda o carro não anda. Será que Jesus desejou que esquecêssemos do trecho final dessa parábola? Creio que não. Portanto, estudaremos todo o capítulo 15 de Lucas.

III. Perder e achar

As duas primeiras parábolas narram a experiência comum de se possuir algo (ovelhas, dracmas) e perder uma parte (uma ovelha, uma dracma). 

Qual a reação natural? A resposta é "procurar". Procura-se a ovelha perdida, procura-se a dracma perdida. A atitude de procurar pode levar alguém ao extremo de deixar noventa e nove ovelhas no deserto.

O empenho da busca leva a mulher a acender uma candeia, varrer a casa e vasculhar a casa com toda a diligência. Jesus utiliza imagens cotidianas que refletem a atitude normal diante de uma situação corriqueira, a de perder um bem. O empenho da busca demonstra o valor que se dá ao que se perdeu, seja ovelha, seja dracma.

Quando a ovelha e a dracma são encontradas, reúne-se os amigos e vizinhos declarando que o que se havia perdido se encontrou, portanto "alegrai-vos comigo". 

Jesus, ao enunciar essas parábolas, pretende apresentar o caráter de Deus na busca do pecador. Deus é o pastor que está à procura da ovelha perdida. Ele busca, traz de volta a desgarrada, cuida da fraturada e fortalece a enferma (Ez 34.15-16a).

Se em situações do dia a dia as pessoas se alegram por encontrar um pertence que se perdeu, a alegria no céu é muito maior por um pecador que se converte. Nas entrelinhas, Jesus está dizendo que juntamente com Deus os anjos se alegram com a conversão de um pecador (v. 7,10).

IV. Pecado, restauração e alegria

A terceira parábola que vem narrada em Lucas 15.11-32 possui duas partes. Essas partes são interdependentes, não podem ser separadas. Na primeira parte a narração focaliza a atitude do filho mais novo. Jesus pinta com cores vivas as atitudes de um filho esbanjador.

O filho mais novo reclama para si a parte que lhe cabe da herança (Lc 15.11). A reivindicação desse filho não era vista com bons olhos pelos judeus. 

A sabedoria popular judaica aconselhava a não repartir os bens antes da morte. Os rabinos repetiam: "No último dia dos dias de tua vida, na hora de tua morte, distribui a tua herança". Mas mesmo assim o pai reparte os haveres.

Os versículos 13 a 16 de nosso texto apresentam a progressiva degradação do filho caçula. Ajuntando tudo o que era seu, sai de casa. Vai para um lugar distante e lá começa a viver desregradamente (Lc 15.13).

Ficamos sabendo pela boca do filho mais velho que a vida dissoluta de seu irmão se caracterizava por desperdiçar todos os bens com meretrizes (Lc 15.30). Além dessa informação explícita, podemos concluir que ele também, no mesmo círculo de amizades, deveria ter gasto o dinheiro com jogo e bebida.

Geralmente uma coisa acompanha a outra. Para o infortúnio desse rapaz, uma grande fome passa a assolar o país (Lc 15.14). 

A fome chega quando ele não tem um níquel no bolso. Inferimos do texto que essa fase é vivida pelo moço em completa solidão, pois para suprir suas necessidades precisa se agregar a um criador de porcos (Lc 15.15).

Já fomos informados que a terra para qual ele foi era distante. Outro dado que se refere a esse país é que seus habitantes não tinham nenhum escrúpulo em criar porcos. Trata-se de costume pagão abominável aos judeus (Lv 11.7-8; Dt 14.8).

Mas mesmo ali não mata a sua fome. A fome é tanta que tem vontade de comer a comida dos porcos, mas nem isso lhe davam (Lc 15.16). O moço chega ao último estágio de sua degradação. A miséria total é tamanha que nem se comporta mais com dignidade. Vive em situação sub-humana. Habita nos porões da humanidade.

Os versículos 17 a 19 narram sua tomada de decisão. Sua decisão surge em sua mente como a última alternativa para sua vida. 

Lembra-se do ambiente da casa paterna. Lembra-se que mesmo os empregados com menor contrato de trabalho têm muito mais que ele ali naquele lugar (Lc 15.17). Decide dar meia volta. Reconhece que pecou.

Seu pecado, antes de tudo, é pecado contra Deus e depois contra seu pai (Lc 15.18). Toda a sua arrogância inicial, toda a sua insensibilidade para com o seu pai são consideradas pecado. Ele mesmo reconhece isso. Reconhece também que não tem nenhum direito. Não tem direito de ser chamado de filho. Conta somente com a misericórdia do pai em aceitá-lo como mais um empregado seu (Lc 15.19).

Lemos em Lucas 15.20-21 que ele fez justamente o que ensaiou. Mas superando as expectativas, o pai se antecipou a ele. Inicialmente o pai o viu chegar ao longe. 

Cheio de compaixão correu ao seu encontro. Essa atitude de correr não ficava bem às pessoas de idade, mas o pai não estava interessado nas convenções sociais. O pai abraça o jovem e o beija.

Dá a impressão de que o filho, diante do júbilo do pai, teve que forçar a situação para ser por ele ouvido. 

Após a declaração do filho seguem-se as ordens do pai. A melhor roupa no corpo, o anel no dedo e as sandálias nos pés representam que o moço não será tratado como escravo e nem como um empregado, mas foi restaurado à posição de filho.

O novilho na brasa é manifestação do caráter especial do evento. Comia-se carne somente em ocasiões especiais. Com a declaração do pai a festa tem início (Lc 15.22-23).

Na segunda parte da parábola somos apresentados ao filho mais velho. O filho mais velho, retornando do campo, obtém informações de que seu irmão voltou (Lc 15.25-26). Inflamado e indignado recusa-se a participar da celebração (Lc 15.28).

Ao seu pai declara a seguinte queixa: "...nunca me deste um cabrito sequer para alegrar-me com os meus amigos; vindo, porém, esse teu filho, que desperdiçou os teus bens com meretrizes, tu mandaste matar para ele o novilho cevado" (Lc 15.29-30).

Ficamos sabendo que o ciúme não permitia que o filho mais velho participasse da alegria do pai. O que adiantou ser o "certinho"? O filho pródigo tem mais privilégios do que o obediente?

V. O ensino da parábola do filho pródigo

A figura central do texto não é o filho mais moço (pródigo) e nem o filho mais velho, mas o pai. Ao narrar a degradação do primeiro filho, Jesus também enfatiza o amor do pai para com o filho que retorna. 

O filho arrependido aprendeu que sua rebeldia contra o pai trouxe somente miséria, solidão, servidão e falta de dignidade. Percebe que não merece ser tratado como filho.

Não se julga mais um filho. Em nenhum momento reivindica a posição que tinha anteriormente na casa do pai. Não é merecedor disso. Toda a petulância inicial desapareceu.

O pai não age para com o filho pródigo como um carrasco. Pois o vê ainda como filho. Seu amor perdoa e restaura. Um filho morto que retornou à vida, um filho perdido que foi achado (Lc 15.24). O distanciamento da casa do pai era disciplina suficiente. Não adianta acrescentar mais pena ao filho que já sofreu as consequências de sua atitude precipitada. É hora de celebrar.

Do outro lado da cena está o filho mais velho. Enciumado, não quer participar da festa. Não vê o irmão mais novo como irmão ("...esse teu filho... " Lc 15.30). Em nenhum momento é dito que o pai ama mais o filho caçula do que o outro filho. O amor de pai é igual para os dois.

Para esse filho o pai disse: "...tu sempre estás comigo; tudo o que é meu é teu" (Lc 15.31). Mas faltava uma coisa a esse filho: um coração mais solidário, mais misericordioso. O filho é convidado a compartilhar da alegria do pai, a ser cheio da graça como o pai.

A mensagem do texto é bastante clara. O amor e a bondade de Deus se revelam numa forma que transtorna os esquemas e as expectativas humanas. O amor para com o perdido é o amor para com o justo. Com essas três parábolas Jesus quer ensinar que Deus está pronto para aceitar o pecador que está sinceramente arrependido.

A iniciativa de Deus é enfatizada. O homem, reconhecendo seu pecado, não se acha digno de ser tratado como filho, mas Deus restaura. Aos que se julgam obedientes, o chamado de Lucas 15 é para que abandonem seu egoísmo santo e se unam a Deus na alegria da conversão dos pecadores.

Devemos ainda notar que o evangelho vai apresentando uma progressão no relacionamento de Jesus com o grupo dos pecadores e com o dos religiosos de seu tempo (fariseus, escribas, sacerdotes e anciãos). 

Estes não se conformarão diante da magnitude do amor e misericórdia de Deus manifestados nos atos e palavras de Jesus, e acabarão sendo excluídos do reino de Deus. Para eles a porta se fechará (Lc 20.9-18). Os últimos serão os primeiros.

O texto se encerra com o refrão pronunciado pelo pai (Lc 15.32). É um refrão que também apela para o leitor do texto. Participaremos da alegria de Deus pela conversão de pecadores? Daremos a mão para aquele que, da degradação, é restaurado por Deus? Ou criaremos obstáculos para a sua permanência em nosso meio? Cada um responda por si.

Aplicação

  • Converter-se a Cristo é reconhecer o estado de rebeldia e miséria espiritual em que estamos. E também sermos restaurados como filhos amados de Deus. Em tudo isso, é Deus que tem a iniciativa. Porque Deus tem um grande coração, nós somos acolhidos.
  • A atitude daquele que não vem de um estado tão crítico como o do filho pródigo deve ser de alegria e compaixão. Deve manifestar o mesmo sentimento que Deus manifesta para com o perdido. Ninguém tem o direito de recusar lugar na igreja para aqueles que vem de uma situação tão indigna. Não devemos abrigar sentimentos reprováveis como: "esse tipo de gente vai enfear nossa igreja". Se assim agimos pode acontecer que sejamos reprovados e não achemos lugar no reino de Deus por causa de nossa "justiça" e "dignidade".
  • A igreja é desde já a casa do Pai. Casa que abriga os perdidos e mortos espiritualmente e que agora são encontrados e ressuscitados em Cristo Jesus. Celebremos com Deus.

Autor: Rev. José Roberto Corrêa Cardoso


Lista de estudos da série

1. Arrependei-vos e Crede: Entendendo o Chamado Original de Jesus – Estudo Bíblico sobre a Conversão

2. Que Tipo de Solo é o Seu Coração?: A Chave para uma Conversão que Dá Frutos – Estudo Bíblico sobre a Parábola do Semeador

3. Muito Além do Filho Pródigo: Descobrindo o Coração do Pai para os Perdidos – Estudo Bíblico sobre a Graça Divina

4. O Segredo que Nicodemos Não Entendeu: Como Funciona o Novo Nascimento – Estudo Bíblico sobre a Regeneração

5. A Sede que a Água não Mata: A Transformação da Mulher Samaritana – Estudo Bíblico sobre a Adoração Verdadeira

6. De Um Carro no Deserto ao Coração do Reino: A Conversão do Eunuco Etíope – Estudo Bíblico sobre a Ação de Deus

7. Deus Abre Portas e Corações: A Conversão de Lídia e o Poder do Evangelho – Estudo Bíblico sobre Hospitalidade e Missão

8. Do Império das Trevas para o Reino da Luz: A Anatomia da Sua Conversão – Estudo Bíblico sobre o Antes e o Depois

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10. Convertidos para Esperar: O Retorno de Jesus como Foco da Nova Vida – Estudo Bíblico sobre a Esperança Cristã

11. De Escravo a Irmão: Como o Evangelho Derruba Barreiras Sociais – Estudo Bíblico na Carta a Filemom

12. Você Tem Certeza?: Os Sinais Inconfundíveis da Verdadeira Conversão – Estudo Bíblico sobre a Vida Eterna

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