O Segredo que Nicodemos Não Entendeu: Como Funciona o Novo Nascimento

Texto da lição: João 3.1-12

Introdução

"Você já nasceu de novo?" Essa pergunta volta e meia está na boca dos evangelistas, dos que testemunham pessoalmente, dos professores de Escola Dominical e de muitos outros que se engajaram na tarefa de ganhar almas para Jesus Cristo. Trata-se de uma pergunta sintomática.

A resposta pode ser "sim", daqueles que já professam a fé. Mas pode ser um "não sei do que você está falando", daqueles que ainda não tiveram um encontro pessoal com o Senhor.

Dá-se assim lugar para toda uma exposição do assunto. Aqueles que são questionados nos dias de hoje com essa indagação e cuja resposta dada é "não sei do que você está falando", não são os únicos na história da humanidade. O primeiro homem a responder com esse tipo de dúvida foi Nicodemos.

I. Breve visão panorâmica do evangelho de João

Mas antes de abordarmos o texto básico da lição devemos ter uma breve visão panorâmica da mensagem do evangelho de João.

O objetivo do evangelho de João é levar seu leitor a crer em Jesus como o Cristo, o Filho de Deus, para que crendo tenha vida eterna em seu nome (Jo 20.31). Para conseguir esse intento, João organizou seu evangelho em dois grandes blocos literários. O primeiro bloco vai do capítulo 1 ao 11.

Esse bloco se inicia com um prólogo (Jo 1.1-18), seguido da apresentação de sete sinais realizados por Jesus (começa com a água que se torna vinho e se encerra com a ressurreição de Lázaro).

As narrativas desses sinais (milagres) são entremeadas com diálogos, discursos de Jesus e controvérsias com os judeus. João Batista também é uma figura em destaque na primeira parte dessa seção; sua luz brilha forte no início e depois vai se apagando, deixando só Jesus com toda a sua luminosidade.

Muitos estudiosos denominam o primeiro bloco literário de o "livro dos sinais". O capítulo 11 funciona como uma transição do primeiro bloco para o segundo. O segundo bloco inicia-se no capítulo 13 e segue até o capítulo 21, sendo que este último funciona como epílogo.

Nesse segundo bloco já não são narrados mais sinais, mas temos o registro das palavras finais de Jesus aos seus discípulos.

Os capítulos 13 a 17 funcionam como o testamento de Jesus aos seus discípulos. Os capítulos 18 a 20 narram a traição, julgamento, crucificação e ressurreição de Jesus. A tonalidade de toda essa segunda parte é de glorificação já anunciada em Jo 12.27-33. Os estudiosos denominam esse bloco de "o retorno do Filho de Deus ao Pai" ou "o livro da glória de Jesus".

Cada episódio narrado no evangelho de João traz o apelo para o leitor crer em Jesus e a vida eterna é o dom dado aos que creem.

A partir de agora estamos prontos para estudar o texto da lição.

II. "Tu és mestre em Israel" (Jo 3.2)

Nicodemos foi, à noite, encontrar-se com Jesus (Jo 3.1). Pode ser que estivesse querendo evitar a zombaria de seus colegas. Nicodemos fazia parte do grupo de autoridades do povo (Jo 7.47-50). Mas há algo mais profundo nessa menção feita por João.

A noite equivale a trevas. No caso explícito de Nicodemos, ele precisa ser iluminado. Apesar de toda a sua formação religiosa, ("...um dos principais dos judeus"), Nicodemos precisa se converter.

A saudação do v.2 mostra que Nicodemos reconhece em Jesus um mestre e que é enviado por Deus. Os sinais que Jesus faz têm esse objetivo e Nicodemos aceita isso. No entanto Jesus parece ignorar as afirmações do líder judeu. Qual a razão disso? Se voltarmos os olhos para João 2.23-25 teremos uma pista.

Os vv. 23-24 dizem: "...vendo os sinais que ele fazia, creram no seu nome; mas o próprio Jesus não se confiava a eles, porque os conhecia a todos". Parece que existe um tipo de "crentes" que não entusiasmava Jesus, e Nicodemos fazia parte desse grupo.

Muitas pessoas ainda hoje sabem bajular a pessoa de Jesus. Dizem que ele foi um grande mestre. Afirmam que seus ensinos são maravilhosos e aí por diante. Mas não creem de fato. Não creem do modo que Jesus quer que creiam. Pessoas como essas, como Nicodemos, precisam nascer de novo.

III. "Importa-vos nascer de novo" (Jo 3.3-8)

Jesus se expressa a Nicodemos sem nenhum rodeio: "...se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (Jo 3.3). O reino de Deus aqui equivale à vida eterna. Se não nascer de novo não tem vida eterna. Nicodemos não entende as palavras de Jesus.

Para falar a verdade entende apenas em termos humanos. Sua pergunta no v. 4 mostra isso: "Pode porventura voltar segunda vez ao ventre materno?". Propõe assim uma alternativa extraordinária. Algo nunca visto: um homem já feito voltar ao ventre de sua mãe. Jesus se vê na obrigação de esclarecer o mal entendido do fariseu.

Mesmo que fosse possível voltar ao ventre materno e nascer segunda vez, ainda assim seria carne. O novo nascimento de que Jesus fala é do alto, sobrenatural, espiritual (Jo 3.5).

O novo nascimento é efetuado pelo Espírito Santo (3.6). Algo que não pode ser visto, mas pode ser percebido. Não vemos o vento, mas sentimos os movimentos. A ação do Espírito Santo é análoga. Não sabemos como e quando ele age em uma pessoa. Mas percebemos os resultados.

Algumas vezes oramos anos a fio por alguém e num momento, quando menos esperamos, a pessoa se converte. O autor deste estudo orou um bom tempo por um professor que lhe ensinava no curso de tímpanos, percussão e acessórios num conservatório musical.

Esse professor tinha alcançado um grau altíssimo numa associação rosa cruz. Extremamente convicto, parecia que nunca se converteria. Mas algum tempo depois o Espírito Santo iniciou o processo. Primeiramente sua esposa se converteu.

Ele a acompanhava aos cultos numa igreja evangélica, mas não acreditava que tudo aquilo fosse para ele. Ele se considerava num estágio superior ao que o cristianismo poderia lhe apresentar.

Mas não conseguiu pensar assim por muito tempo. Um dia se dobrou aos desígnios do Senhor e hoje o serve na área da música numa igreja. A ação do Espírito Santo é assim. É como o vento. Não sabemos de onde vem, nem para onde vai, mas ouvimos a sua voz (Jo 3.8).

O leitor dessa lição pode estar perguntando o que Jesus quer dizer com nascer "da água e do Espírito" (Jo 3.5)?

Muitas possibilidades foram levantadas na pesquisa do Novo Testamento. Já se pensou em "águas celestiais" segundo o judaísmo místico. Outra alternativa se refere ao "batismo" de João ou o ministrado pela Igreja.

Alguns, baseando-se numa interpretação popular, creem que "água" se refere ao líquido do ventre materno. Ficamos com a interpretação de Calvino, ainda que não seja conclusiva, que entende "água" e "Espírito" tendo o mesmo sentido, assim como "Espírito" e "fogo" na pregação de João Batista (Jo 1.64-65).

IV. "És mestre e não compreendes" (Jo 3.9-12)

Nicodemos expressa sua limitação em entender as palavras de Jesus: "Como pode suceder isto?" (Jo 3.9). Apesar de todo o seu conhecimento, Nicodemos era alguém que não tinha experimentado o novo nascimento. Não entendia das coisas espirituais (Jo 3.12).

O apóstolo Paulo escrevendo aos coríntios diz que o homem natural, com a sabedoria deste mundo, não aceita as coisas do Espírito (2 Co 2.14). O homem só se dobra a essas realidades por causa da ação invisível de Deus em sua vida. Por isso não adianta tentar convencer com o nosso muito falar aqueles que querem compreender tudo racionalmente.

A razão humana tem limites. As coisas espirituais só são aceitas porque o Senhor abre o nosso coração para entendê-las. Nicodemos é um exemplo assim. Mas vemos que aquilo que começou de maneira bastante tímida em sua vida, ao procurar Jesus à noite, vai desabrochar com muito mais força, a ponto de ter coragem suficiente para ajudar no sepultamento do corpo de Jesus (Jó 19.39).

V. A mensagem que provoca o novo nascimento (Jo 3.13-15)

O conteúdo da mensagem do evangelho é concisamente expresso nos versículo 13 a 15 e são: a) Pré-existência de Jesus; b) Seu levantamento na cruz; c) A doação de vida eterna ao que nele crê. Vejamos com mais vagar esses tópicos.

A. Pré-existência de Jesus (Jo 3.13)

Desde o início do evangelho de João somos informados que Jesus já estava com o Pai antes de haver criação (Jo 1.1). Não somente isso, mas participou de maneira ativa do processo criativo (Jo 1.2). João Batista irá confessar isso em sua pregação (Jo 1.15).

Jesus existe antes de Abraão (Jo 8.58). Sendo assim, sua pré-existência testifica de sua divindade. O evangelho de João intenciona suscitar o crer em Jesus. Crer em Jesus é crer em sua divindade.

B. Seu levantamento na cruz (Jo 3.14)

Aprendemos pelo evangelho de João que o ser levantado na cruz faz parte de sua glorificação como Cristo, Filho de Deus (Jo 12.23-24, 27-33). A morte de Jesus tem função redentora. João Batista já tinha anunciado isso (Jo 1.29). Seu sacrifício promove o julgamento deste mundo e a expulsão de Satanás (Jo 12.31). Ao evento da cruz segue-se o evento da ressurreição (Jo 20).

C. Doação de vida eterna ao que nele crê (Jo 3.15)

A missão de Jesus como enviado de Deus visa doar a vida eterna à humanidade. A obra consumada de Jesus garante desde já àquele que verdadeiramente nele crê a vida eterna (Jo 3.36; 5.24; 6.47). Assim não é nenhuma presunção afirmar que temos certeza de vida eterna. Pois a garantia não somos nós mesmos, mas a palavra de Jesus que diz: "Todo aquele que o Pai me dá, esse virá a mim; e o que vem a mim, de modo nenhum o lançarei fora" (Jo 6.37).

Aplicação

Converter-se é nascer de novo, é nascer do alto. Nascemos de novo quando cremos que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus (Jo 20.31). No momento em que recebemos Jesus em nossa vida, todo um processo é desencadeado por Deus através de seu Espírito Santo. Nos tornamos seus filhos e temos vida eterna (Jo 1.12). Não conseguimos explicar como isso acontece, mas sabemos que acontece. Nisso reside a glória de Deus.

A sabedoria humana não consegue atinar com toda a profundeza espiritual implícita no evangelho de Deus. Somente a ação poderosa e maravilhosa do Espírito podem nos levar a aceitar e a compreender as coisas espirituais.

O que se converte ao evangelho pode vir a Jesus Cristo na calada da noite, mas depois de iluminado se torna corajoso para assumir seu compromisso com o Senhor à luz do dia. Não tem medo de perder certos privilégios, ou de ser excluído de certas agremiações (Jo 9.18-22). A pessoa nascida de novo sai da escuridão e enxerga (Jo 8.12). Ninguém que tenha de fato estado com Cristo Jesus sai do mesmo jeito que chegou (Jo 7.45-46). E você leitor? Já nasceu de novo?

Autor: Rev. José Roberto Corrêa Cardoso