Texto da lição: Carta de Paulo a Filemom
Introdução
Alguns oposicionistas mais exaltados sempre acusam (qualquer) governo de nivelar por baixo as classes sociais, achatando o poder aquisitivo da classe média. Essa reclamação já foi mais comum no Brasil. Mas ainda se ouve por aí.
E o plano de Deus para as classes sociais, qual é? Estudar a contribuição da igreja cristã ao mundo dos primeiros séculos é impressionante. E desafiador. O que a Bíblia ensina nessa área que pode fazer diferença em nós?
I. Escravagismo nos tempos de Paulo
Escravagismo era a instituição pela qual uma pessoa tinha direitos de propriedade sobre outra. Seres humanos se tornavam escravos quando eram feitos prisioneiros de guerra ou quando sequestrados por piratas.
Estes os vendiam nos mercados dos países mediterrâneos. Além dos prisioneiros de guerra e dos sequestrados por piratas, havia também os escravos por nascimento, por dívidas, os escravos privados e públicos, isto é, pertencentes ao Estado.
O escravo não era considerado como ser humano, mas como um animal ou uma "coisa". Enquanto que em Atenas e nas cidades da Ásia Menor os escravos eram bem tratados, em Roma eram oprimidos.
O escravo não tinha direitos civis. Não podia constituir família. Não se casava de verdade, mas estava sob um "contubernium", isto é, seu senhor tinha o direito de separá-lo da mulher e dos filhos. No que tange ao aspecto religioso, os escravos não podiam participar dos cultos religiosos dos homens livres.
Nos tempos do apóstolo Paulo muitos escravos fugiam, e passavam a viver escondidos, praticando pequenos furtos. Outros trabalhavam nos campos correndo o risco de serem reconhecidos e denunciados.
O escravo fugitivo, quando encontrado, podia sofrer muitos açoites e até a pena de morte. Em sua vida cumpria-se o ditado popular: "Pular da panela e cair no fogo".
Com esse pano de fundo fica mais fácil compreender a importância da carta de Paulo a Filemon. Trata-se de um escrito que testemunha o poder libertador do evangelho na vida das pessoas.
II. Quem era Onésimo?
Sabemos que Onésimo era escravo de Filemon (v. 16). Esse escravo fugiu da casa de seu senhor. Alguns tendem a achar que sua fuga se deu porque seu senhor era muito rigoroso, mas o tratamento que Paulo dispensa a Filemon não sugere essa possibilidade (v.2).
É mais provável pensar que Onésimo tenha cometido algum furto (v. 18-19). E com medo da retaliação tenha fugido. Como Onésimo se encontrou com Paulo não sabemos. Não deve ter estado preso com ele. Tal prisão levaria o escravo a uma pena muito mais severa.
Pode-se imaginar que Onésimo, tendo conhecimento da amizade de Paulo por Filemon, o tenha procurado para que aquele intercedesse por ele.
Mas a carta parece dar a entender que a resolução de Onésimo de voltar à casa de seu senhor se deu porque era agora um convertido. Uma coisa é certa, Paulo evangelizou Onésimo. O apóstolo escreve: "...meu filho Onésimo, que gerei entre algemas" (v.10).
A conversão de Onésimo provoca as seguintes mudanças em sua vida:
A. Desejo de demonstrar a transformação ocorrida através de suas atitudes
Isso fica bem claro nas palavras do apóstolo Paulo. Deixando de lado o seu comportamento relapso e inútil, deseja ser útil ao seu senhor (v. 11). A partir de então, Onésimo passaria a ser de grande utilidade porque se tornou um cristão responsável. Onésimo era um escravo de nacionalidade frígia.
Os escravos frígios eram conhecidos por não merecerem a confiança de seus senhores, por isso se tornava mais urgente a necessidade de expressar a mudança ocorrida em sua vida.
Entendemos porque o próprio Paulo se dispõe com tanto empenho a interceder por Onésimo. Paulo investe confiança em sua pessoa colocando-se numa situação bastante delicada.
E se Onésimo falhar? Mas o apóstolo é extremamente coerente em suas convicções, pois na carta aos colossenses lemos a sua exortação aos servos: "Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens" (Cl 3.23).
B. Desejo de reparar o senhor lesado
Se é verdade que Onésimo tenha furtado algo de seu senhor, o seu desejo agora é o de algum modo devolver o valor do prejuízo causado. Mas fica claro que o escravo não tem condições para isso.
Daí o próprio Paulo se dispõe a pagar o que Onésimo deve (v.18-19). Para que seu filho no evangelho tenha completa aceitação pelo seu senhor, Paulo não economiza possibilidades.
Chega a se dispor a arcar com as despesas do escravo cristão, tudo para que a verdade do evangelho seja de fato vivida concretamente. Provavelmente, à medida que Onésimo fosse trabalhando, tivesse condições de devolver o que Paulo gastou com ele.
III. Quem era Filemon?
Filemon é apresentado na carta como colaborador de Paulo. Isso significa que ele era um líder na igreja local (v. 1). Deveria ser homem de recursos visto que podia reunir a igreja em sua casa (v.2), para hospedar obreiros itinerantes (v.22) e por possuir escravos (v.16). Sabemos também pela carta que Filemon foi evangelizado por Paulo (v. 19).
Paulo reconhece que Filemon é homem cheio de amor e de fé (v.5). Esse seu amor e fé fazem-no estar sempre disposto a servir os irmãos em Cristo (v.7).
Com esse perfil de seu destinatário, ficamos sabendo que Paulo pode com toda a liberdade fazer seu pedido em favor de Onésimo. Desde já percebemos que a conversão de Filemon ao evangelho do Senhor produziu em sua vida muitos frutos que realmente o fizeram ser um verdadeiro cristão.
O seu desprendimento em favor da causa do Senhor se mostra no sentido de abrir as portas do seu lar para acolher a igreja e nos préstimos aos santos. Um coração convertido age como o de Filemon: vai se dilatando para cada vez mais para servir melhor ao Senhor (Confira o que Paulo escreve em 2 Co 6.11-13).
O próximo passo na caminhada do convertido Filemon é aceitar de volta o seu escravo. Podemos imaginar Filemon vendo chegar seu escravo em sua casa. O escravo que tantas contrariedades causou se aproxima e lhe entrega uma carta.
Para total espanto de Filemon, a carta é de Paulo, seu irmão em Cristo e líder espiritual. A notícia é de que o escravo se converteu ao evangelho e tem sua vida mudada por Deus. Além disso, já não é mais um simples escravo, mas um irmão em Cristo (v.16). Qual terá sido a sua reação?
Se estivermos certos a respeito de seu perfil, Filemon recebeu Onésimo como Paulo esperava que ele o fizesse. Todo o tratamento senhor e escravo se tomaria obsoleto. Em Cristo não existem barreiras sociais. Todos os homens são iguais. Tratando Onésimo com toda dignidade, Filemon estava dando muita alegria ao apóstolo Paulo (v.20).
As implicações desse novo relacionamento são postas em ação. Isso é tão verdade que a carta a Filemon entrou para o cânon neotestamentário como testemunho vigoroso das transformações efetuadas por Jesus Cristo no coração dos homens.
A carta a Filemon é um testemunho escrito de que as barreiras levantadas pela sociedade secular circundante são derrubadas no seio da igreja por homens como Filemon e Paulo. O evangelho vivo transforma relacionamentos, questiona valores opressores vigentes e instaura um salutar convívio entre as pessoas.
Lembramos agora que a carta é dirigida a Filemon e à igreja em sua casa (v.2). Qual a razão disso? E que ela era responsável por criar o ambiente propício para a total integração de Onésimo.
Talvez isso não fosse tão difícil assim, visto que as igrejas do primeiro século eram em sua grande maioria formadas de pessoas das classes mais baixas e com um grande contingente de escravos (1 Co 1.26-29).
Mas para nós que vivemos nos fins dos tempos, se torna uma tentação a de fazer acepção de pessoas. De classificarmos o tipo de pessoas que queremos que frequentem nossa igreja (Ver Tg 2.4). Não. Devemos nos tornar como a igreja de Filemon que recebeu com todo o carinho o escravo que agora se tornou liberto no Senhor.
Aplicação
- O evangelho não transforma as pessoas somente no caráter religioso, isto é, o ateu em crente. Vai além. Transforma pessoas que por si só causavam transtornos aos outros em pessoas valiosas, úteis. Não dá para admitir a ideia de alguém que se tornou somente um bom crente na igreja, mas que na vida secular é um transtorno em pessoa. Tanto o Senhor como a Igreja esperam de seus filhos comportamentos exemplares. O crente em Jesus Cristo deve ser um bom trabalhador, honesto e cumpridor de seus deveres. Não se deve pensar que por ser assim se transforma num bajulador. Longe de nossas igrejas tal atitude. Devemos agir em nossos compromissos visando agradar tão somente o Senhor Jesus Cristo.
- O amor e a fé de uma pessoa se expressam na realidade do dia-a-dia. Filemon foi desafiado a tratar com toda dignidade seu servo que tanto transtorno lhe trouxe, isso porque este se tornou um cristão de fato. De sua parte, Filemon demonstraria também que era um bom cristão recebendo Onésimo como Paulo lhe pediu. O texto nos ensina que devemos sempre dar uma chance às pessoas. Todo aquele que recebe o evangelho é passível de transformação. Por isso, não devemos achar que se uma pessoa não cumpriu os compromissos assumidos uma vez, esteja inapta para os cumprir uma segunda vez. A graça de Deus não nos dispensa apesar de ainda falharmos, de ainda pecarmos. A mesma atitude se requer dos que professam ser convertidos.
- Aprendemos também que é necessário agir como o apóstolo Paulo em muitas circunstâncias. Não podemos ficar neutros em situações que podemos contribuir e ajudar. Devemos levantar nossa voz. Devemos confiar nas pessoas que receberam o evangelho como nós. Podemos e em muito contribuir para que nossos irmãos e irmãs sejam acolhidos por outros. Somos chamados por essa carta a Filemon a viver também como o Paulo convertido.
Autor: Rev. José Roberto Corrêa Cardoso
Lista de estudos da série
1. Arrependei-vos e Crede: Entendendo o Chamado Original de Jesus – Estudo Bíblico sobre a Conversão
11. De Escravo a Irmão: Como o Evangelho Derruba Barreiras Sociais – Estudo Bíblico na Carta a Filemom