Filemon 1.25
A data de 13 de maio de 1888 assinala a ocasião da assinatura da lei que tornava livres os escravos, no Brasil. Porém, até hoje, pode-se constatar que muitas pessoas continuam sendo escravizadas: por sistemas, ideologias, vícios etc.
É triste, mas é verdade, que neste terceiro milênio da era cristã, ocorra a infração dos direitos humanos, ou seja, a violação da integridade física e moral de tantas pessoas. Ainda é possível verificar a escravidão na forma de exploração e o tráfico de seres humanos.
Há necessidade de oração e ação por parte da igreja, para reverter essa lamentável realidade. A escravidão, seja de que natureza for, é incompatível com os valores do Reino de Deus (Lc 4.18,19). A libertação mais importante é a espiritual, que encontramos em Cristo, e que foi experimentada por Onésimo (Jo 8.32).
Pretende-se, através deste Estudo, demonstrar que é possível resolver problemas de relacionamentos, com a graça de Deus e o exercício da solidariedade.
A Epístola
Esta epístola foi escrita pelo apóstolo Paulo, provavelmente em 61 ou 62 d.C., quando era prisioneiro em Roma. Nota-se que, ao escrever as suas cartas, Paulo, geralmente, identifica-se como apóstolo, mas nesta epístola, ele se identifica como amigo; mais do que isso: como um prisioneiro de Jesus Cristo, demonstrando a sua abnegação, como um apelo a Filemon.
O que Paulo faz nesta carta é deixar de lado as referências à sua própria autoridade, e apela para a solidariedade e o amor. É uma carta paulina de recomendação a Filemon, conhecida como a "epístola de cortesia".
É um escrito bem pessoal e particular. É provável que o apóstolo tenha escrito muitas cartas particulares; a única que não se extraviou é esta. Tíquico foi o portador desta, juntamente com as cartas aos Colossenses e Efésios, tornando-se o mediador entre Filemon e Onésimo, por solicitação de Paulo (Cl 4.7-9).
O comentarista William Barclay disse: "Acredita-se que Onésimo tenha incluído a carta a Filemon na coleção das epístolas paulinas, por ocasião do seu bispado em Éfeso, isso para mostrar a todos o que a graça do Senhor havia feito por ele". "Que pequena obra-prima de diplomacia esta carta constitui!" (J. Sidlow Baxter, em Examinai as Escrituras, p. 270).
O comentarista J. B. Tidwell, no seu livro Visão Panorâmica da Bíblia, p. 206, informa que esta carta foi escrita para noticiar a Filemon a conversão de Onésimo, e fazer um pedido a favor dele. Para Paulo, Onésimo era um filho amado e, para Filemon, deveria ser um irmão amado (v.16).
Paulo reforça o seu pedido no versículo 21, com a frase: "Mais do que estou pedindo', na esperança de que Filemon concedesse a Onésimo também a liberdade" (con-forme notas d'A Bíblia Vida Nova, p. 258).
Esta carta é importantíssima pelo que revela a respeito do poder do evangelho para transformar a vida de um pobre escravo, pois os ensinamentos dela mostram a necessidade da eliminação definitiva de toda a escravidão de seres humanos.
Nesta epístola estão citados três personagens principais: Paulo, Filemon e Onésimo.
- Paulo era apóstolo de Cristo, prisioneiro em Roma;
- Filemon tornou-se cristão por intermédio de Paulo"(v. 19). Em sua casa reunia-se uma congregação da qual era líder (v.2).
- Onésimo era escravo de Filemon, e tornou-se filho espiritual de Paulo (v.10); ele se refugiou em Roma. Inácio, um dos mártires do Cristianismo, em uma de suas cartas, declarou que Onésimo tornou-se, mais tarde, bispo da igreja de Éfeso. Seu nome significava "útil".
Esta epístola conta a história de Onésimo, que fugiu para Roma. Provavelmente ele fugiu por ter roubado algum dinheiro de seu patrão Filemon; daí a palavra de Paulo: "e se algum dano te fez, ou se te deve alguma cousa, lança tudo em minha conta" (v.18).
"A suposição subjacente é que Paulo conhece a lei mediante a qual uma pessoa que dá guarida a um escravo fugitivo, fica devendo ao dono o valor da perda de trabalho envolvida na deserção do escravo" (Colossenses e Filemon - Introdução e Comentário, de Ralph P. Martin, p. 172).
Em Roma, Onésimo encontrou-se com Paulo, de quem ouviu o evangelho e se converteu. Paulo, não podendo ficar com ele, devolveu-o a Filemon, mesmo sabendo que o castigo reservado aos escravos fugitivos era ser marcado com ferro quente, ou crucificação.
Naquele tempo, havia milhões de escravos no Império Romano, os quais viviam na miséria, sem direitos legais, sujeitos a açoites, mutilamentos, podendo até serem lançados às feras.
Eram considerados máquinas, e os senhores (patrões) exerciam o direito de vida, ou morte, sobre eles. Paulo, então, escreve a Filemon, de modo gentil e delicado, solicitando afetuosamente que perdoasse a Onésimo, até identificando-se com ele. Paulo solicita a Filemon que receba, de novo, a Onésimo, que uma vez foi inútil, mas agora é útil por fazer parte da família da fé (v.11).
O apóstolo pediu a Filemon que acolhesse Onésimo, o qual poderia receber de Filemon, não só o perdão e o acolhimento, mas a tão desejada e necessária liberdade. Paulo faz um apelo à consciência de Filemon, e confia que Onésimo será realmente perdoado.
Onésimo, agora sendo cristão, ocupa uma posição muito importante, pois ingressou na comunidade onde todas as pessoas são irmãs. Continuará como escravo na carne como homem, mas receberá uma posição igual à de Filemon no Senhor, como irmão amado.
1 - A Solidariedade Praticada sem Discriminação
Onésimo era um escravo fugitivo e, como tal, era uma pessoa quase sem direito ou prestígio entre as pessoas. Ser escravo naquele tempo era ser uma "coisa", e não gente.
O comentarista J. Sidlow Baxter informa que era concedido, pelo menos, um direito ao escravo, a saber: apelar para o amigo do seu senhor, fugindo para procurá-lo, a fim de que o defendesse, e não o escondesse.
Mas, mesmo assim, Paulo, ao se encontrar com ele, demonstrou solidariedade cristã, passando a evangelizá-lo e discipulá-lo. Paulo correu o risco de ser considerado conivente (cúmplice) com o erro de Onésimo, porém, mesmo assim, gastou tempo com ele, pois ali estava um ser humano carente da glória de Deus (Rm 3.23).
Isso mostra que o cristão é incentivado a redimir o mais baixo e degradado indivíduo. Onésimo não tinha nada que o recomendasse, porque era um escravo fugitivo; mas Paulo foi solidário para com ele, levando-o a Cristo.
Assim sendo, verifica-se que o problema da escravidão na vida de Onésimo foi resolvido por influência do evangelho, pois o poder do evangelho é a solução dos problemas sociais.
A Bíblia deixa claro que não se deve fazer acepção de pessoas, pois o evangelho é para unira todos na Pessoa de Jesus Cristo, Aquele que veio ao mundo e não demonstrou nenhum tipo de discriminação (Jo 4.9; I Co 12.13; Gl 3.28; Cl 3.11).
A irmandade cristã é importante. Ela tem muito valor, pois está acima de todas as distinções sociais e de classes. Em Cristo, todos são irmãos.
Patrão e escravo foram unidos no Espírito de Cristo e, nessa união, ficaram extintas as distinções sociais. Onésimo encontrou refúgio em Paulo, da mesma forma que o pecador arrependido e perdoado encontra refúgio em Jesus.
2. Solidariedade Exercida com Inteligência
Nessa carta, Paulo demonstrou solidariedade cristã para com Onésimo, e o fez com muita inteligência, sabedoria e tática. O seu pedido a Filemon possui alguns aspectos que comprovam esse modo sábio e, até mesmo, estratégico, para lidar com esta questão delicada:
- A fim de sensibilizar o coração de Filemon, Paulo menciona, algumas vezes, que era prisioneiro e, mesmo sendo apóstolo, preferiu pedir um favor (vv. 1, 9);
- Paulo elogia Filemon, com o propósito de conseguir o perdão a favor de Onésimo (vv. 4,7);
- Paulo não utiliza a sua autoridade apostólica para ordenar, mas prefere pedir, como um amigo íntimo (vv. 8, 9, 20);
- Paulo refere-se a Onésimo como seu filho (v.10);
- Paulo reconhece o mal causado por Onésimo, e promete restituir o prejuízo (vv. 11,18,19);
- Paulo afirma uma mudança radical na vida de Onésimo, garantindo-o (v.13);
- Sabiamente, Paulo utiliza palavras sua-ves para não causar indignação em Filemon, por exemplo: "se tenha separado de ti por algum tempo" (v.15), e não, "fugiu ou escapou definitivamente";
- Paulo menciona a sua provável próxima libertação e a oportunidade de rever Filemon (v.22).
Diante de tais argumentos, Filemon não teria como negar o pedido de Paulo, pois, como enfrentaria o apóstolo quando este chegasse diante da sua pessoa? Isso tudo constitui-se numa aula prática que Paulo deu a Filemon.
A lição central é que a solidariedade precisa ser exercida com inteligência, de modo sábio e estrategicamente, a fim de se obter os resultados desejados.
3 - Solidariedade Evidenciada no Perdão
O que mais Paulo desejava com essa carta, era que Filemon evidenciasse, de modo concreto, o seu perdão àquele que tantos aborrecimentos lhe causou, concedendo-lhe o acolhimento e muito mais - a liberdade.
Filemon, como um cristão, precisava demonstrar, naquele momento, a sua solidariedade através do perdão a uma pessoa que agora era nova criatura em Cristo Jesus. Filemon deveria receber Onésimo, não como um patrão pagão, mas como um cristão recebe um irmão e o perdoa, promovendo, assim, a reconciliação.
Sabe-se que o Cristianismo não tinha condições de mudar a estrutura daquela época. Mas Paulo, implicitamente, declarou que a estrutura social vigente não era legítima, pois, em Cristo, patrão e escravo, agora irmãos na fé, estão unidos fraternalmente n'Aquele que é o único Senhor. Com a volta de Onésimo, a reconciliação deste com Filemon seria restabelecida; a confiança mútua seria restaurada.
Segundo o comentarista William Barclay, Onésimo, ao retornar para o convívio de Filemon, não deixaria de ser escravo, mas seria um escravo-irmão em Cristo. Desse modo, ele seria um servo mais eficiente e seria também tratado com dignidade.
Tudo isso porque o Cristianismo promove um novo relacionamento entre pessoas diferentes, pois todos os cristãos são um em Cristo, e merecem receber o perdão ensinado por Jesus (Mt 5.43-48; 18.21,22).
Portanto, Cristo proporciona dignidade ao escravo, fazendo dele um irmão, e dando-lhe o mesmo nível espiritual de Filemon. Foi o que aconteceu com Onésimo.
Autor: Dionei Faria
Lista de estudos da série
1. Romanos - O poder do evangelho: Entenda a justificação pela fé de A a Z – Estudo Bíblico sobre Romanos2. 1 Coríntios - Ordem no caos: Soluções bíblicas para os problemas reais da igreja – Estudo Bíblico sobre 1 Coríntios
3. 2 Coríntios - Força na fraqueza: O poder do ministério em meio ao sofrimento – Estudo Bíblico sobre 2 Coríntios
4. Gálatas - O único evangelho verdadeiro: Por que a liberdade em Cristo é inegociável – Estudo Bíblico sobre Gálatas
5. Efésios - O plano cósmico de Deus: Descubra sua identidade no Corpo de Cristo – Estudo Bíblico sobre Efésios
6. Filipenses - O segredo da verdadeira alegria: Como viver contente em qualquer circunstância – Estudo Bíblico sobre Filipenses
7. Colossenses - Cristo acima de tudo: A prova definitiva da supremacia de Jesus – Estudo Bíblico sobre Colossenses
8. 1 Tessalonicenses - Vigilância e esperança: Como viver aguardando a volta de Cristo – Estudo Bíblico sobre 1 Tessalonicenses
9. 2 Tessalonicenses - Firme até o fim: A verdade sobre o Dia do Senhor e como perseverar – Estudo Bíblico sobre 2 Tessalonicenses
10. 1 Timóteo - Liderança que inspira: O manual de Paulo para uma igreja saudável – Estudo Bíblico sobre 1 Timóteo
11. 2 Timóteo - Combati o bom combate: As palavras finais de Paulo para perseverar no ministério – Estudo Bíblico sobre 2 Timóteo
12. Tito - Doutrina em prática: Como organizar a igreja para as boas obras – Estudo Bíblico sobre Tito
13. Filemon - Do escravo ao irmão: A lição revolucionária sobre perdão e reconciliação – Estudo Bíblico sobre Filemon