Seu Talento, Sua Missão: Por que o voluntariado é uma das formas mais poderosas de trabalho – Estudo Bíblico sobre Serviço

Isaías 1.17

Nos dias de hoje, existe uma confusão com relação ao termo “voluntariado”, como se ele significasse um trabalho missionário, em que o voluntário se oferece para ir à África pregar o evangelho numa aldeia no meio da selva.

O voluntariado é muito mais acessível do que parece. Basta que haja alguma carência na sociedade e disposição para ajudar. O voluntariado é uma das formas mais nobres de se manifestar o altruísmo do evangelho.

I. O que é trabalho voluntário? (17A)

Recentemente, algumas revistas e jornais disseram que o século 21 seria marcado pelo voluntariado. Mas o que significa trabalho voluntário?

É a atividade que é exercida em benefício de outrem, sem que haja necessariamente algum tipo de remuneração em troca. Quando se tem a noção da urgência em se prestar algum serviço, e a falta de remuneração não se torna um empecilho, o caminho para o trabalho voluntário está livre.

É exatamente o caso do texto de Isaías 1.17. Já que ele menciona ações em benefício de órfãos e viúvas, só cabe este tipo de serviço, uma vez que tanto um órfão como uma viúva não teriam condições de remunerar alguém.

Naquele tempo, eram raros os casos em que órfãos e viúvas se encontravam em situação privilegiada financeiramente. Hoje a situação é semelhante, mesmo com o sistema de pensão e aposentadoria do serviço de seguridade social do governo. Sem dúvida, há muito espaço para o trabalho voluntário ainda.

A. Voluntariado: a prática do bem

Nos dias em que Isaías escreveu esta passagem, ele não tinha muitas coisas agradáveis a dizer sobre os responsáveis por defender as causas dos órfãos e das viúvas.

Uma vez que estes careciam de auxílio voluntário por parte dos responsáveis pelo exercício da justiça (a saber, os oficiais, príncipes e anciãos), aqueles deveriam atendê-los ainda que não houvessem condições de pagamento de honorários. Porém, isso não estava acontecendo.

O que se pode notar a partir do contexto da passagem é que os juízes tendiam a favorecer os que tinham condições de oferecer honorários ou até mesmo suborno (Is 1.23; 5.23). Mas eles deveriam aprender a fazer o bem (v. 17a) agindo voluntariamente para aliviar o sofrimento do necessitado.

Aqui está um ponto importante em relação ao trabalho voluntário: ele é uma das mais belas expressões da prática do bem. A parábola do bom samaritano ilustra bem isso (Lc 10.30-35).

Nesta parábola, Jesus cria uma situação fictícia, mas perfeitamente possível de suceder, onde um homem aparece como dependente de auxílio. Ali na beira do caminho estava a oportunidade do trabalho voluntário.

Dois homens religiosos tiveram a chance de praticar o bem, mas negaram um gesto sequer de bondade ao necessitado.

Já o bom samaritano viu naquele homem ferido uma oportunidade para a prática do bem e não perdeu tempo: cuidou de suas feridas e o levou a uma estalagem. O próximo é qualquer pessoa que necessite de ajuda e esteja ao nosso alcance.

É claro que a prática do bem depende de tempo e, principalmente, de atenção. O grande inimigo do serviço é a correria do nosso dia a dia, muitas vezes impulsionada pelas demandas do nosso próprio trabalho, metas a bater e prazos urgentes.

Existe um famoso experimento social que ilustra isso perfeitamente. Alunos de teologia foram divididos em dois grupos para preparar uma palestra sobre a parábola do bom samaritano. Ao primeiro grupo, foi dito que estavam atrasados e precisavam correr para o local da palestra. Ao segundo, foi dito que tinham tempo de sobra.

No caminho, ambos os grupos passaram por um homem caído, precisando de ajuda (um ator contratado para o experimento). A maioria dos alunos apressados passou direto por ele, alguns até tropeçando no necessitado. Já os alunos com tempo pararam para ajudar.

A lição é contundente: muitas vezes, é a própria agenda do nosso “trabalho” – mesmo que seja um trabalho honesto e bom – que nos cega para o “próximo” caído em nosso caminho. 

Se não vigiarmos, a urgência das nossas tarefas nos afastará cada vez mais do exercício da misericórdia. Precisamos aplicar o texto de Romanos 12.17b à nossa realidade diária:

"esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens.”

B. Voluntariado: exercício da justiça

A função do governo é proporcionar paz, segurança e bem-estar aos cidadãos. Segundo Romanos 13.4, a autoridade civil é ministro de Deus para o nosso bem. Mas nem sempre o governo consegue proporcionar esta paz, segurança e bem-estar a todos os cidadãos.

É aí que entra o trabalho voluntário: para suprir as carências do governo de prestar auxílio a todos os necessitados. Isto é justo, pois todos têm direito à cidadania. Isaías conclama: "atendei à justiça” (v.17b).

O trabalho voluntário deveria visar a satisfação da justiça e a salvaguarda dos direitos do cidadão menos favorecido financeiramente.

O exercício da justiça consistia em fazer com que os necessitados se fizessem ouvir nos tribunais. A administração da justiça servia para atender às reivindicações dos órfãos, das viúvas, dos estrangeiros e dos pobres, uma vez que os demais poderiam se defender por si mesmos ou com a ajuda de seus parentes.

Mas eram favorecidos apenas aqueles que conseguissem causar boa impressão através do dinheiro de honorários ou de suborno, ou por influência de pessoas da alta sociedade.

Os juízes estavam se recusando a ouvir as queixas de órfãos e viúvas, sendo que eles haviam sido nomeados para isso.

É em contextos como esse que o voluntariado deve entrar em cena, oferecendo uma defesa gratuita dos interesses de quem não tem condições de se defender ou de reivindicar seu direito.

C. Voluntariado: repreensão do opressor

Nos tempos de Isaías, os opressores dos carentes de auxílio não eram confrontados, muito menos denunciados.

Por essa razão, o profeta exorta ao povo: “repreendei ao opressor”. Como isso poderia ser feito? Mediante a proclamação da Palavra que condena os erros dos homens; denúncia junto aos órgãos competentes; oração.

Quando a palavra de Deus é pregada com autoridade e fidelidade, a verdade vem à tona: "Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração” (Hb 4.12).

Estevão, mesmo à beira da morte, pregou a Palavra com tanta autoridade que os seus opressores ficaram ainda mais irados e, à medida em que ele ia falando, os pecados deles se tornavam mais e mais evidentes, até que o Sinédrio se lançou contra ele para tirar-lhe a vida. Estevão pregou com fidelidade, mesmo sabendo que isso poderia custar-lhe a vida (At 7).

Nos nossos dias, denunciar “opressores” é muito mais fácil do que nos tempos de Isaías. Existem órgãos responsáveis pela defesa dos direitos de cada classe da sociedade, desde consumidores, até animais.

Na verdade, os magistrados são ministros de Deus para o nosso bem (Rm 13.1-4); sendo assim, devemos nos submeter e confiar que Deus fará uso dessas autoridades para que os “opressores” sejam repreendidos.

Finalmente, “muito pode, por sua eficácia, a súplica do justo" (Tg 5.16). Através da nossa oração, Deus também repreende “opressores”, como aconteceu com Faraó no Egito (Ex 2.23-25), com os midianitas (Jz 6.7), com Senaqueribe (2 Rs 19.14-19).

II. Realização do trabalho voluntário (17B)

Mas o voluntariado não se resume apenas a questões judiciais, como no contexto da passagem. Basta que haja alguma necessidade ao alcance da igreja e os voluntários poderão entrar em ação. Vejamos algumas opções de linhas de ação:

A. Defesa dos órfãos

O texto ordena: “defendei o direito do órfão”. Isto sugere um enorme leque de ações possíveis.

Curiosamente, a Bíblia diz que “Deus faz que o solitário more em família; tira os cativos para a prosperidade; só os rebeldes habitam em terra estéril” (Sl 68.6). A nossa primeira opção diante das necessidades de um órfão é a de proporcionar que ele more em família.

Da mesma forma como fomos recebidos na família de Deus como filhos adotivos, poderíamos contribuir para que órfãos fossem adotados por famílias crentes.

Mas, enquanto isto não é tão fácil, poderíamos aliviar o sofrimento deles através de visitas a orfanatos e apadrinhamentos demonstrando amor, carinho e atenção.

Há outros tipos de pessoas que carecem de auxílio. Muitas crianças são deixadas em creches enquanto os pais trabalham.

Existem relatos de maus tratos de muitas dessas crianças em seus lares, por parte dos próprios pais. A igreja poderia suprir esta falta dedicando atenção e cuidado a estas crianças, promovendo eventos em parceria com as creches e escolas, que estão de portas abertas ao voluntariado, o que não seria difícil, tendo em vista o grande número de pessoas talentosas dentro das igrejas (músicos, artesãos, artistas plásticos e desportistas).

Semelhantemente, há muitas escolas prontas para receberem apoio dos voluntários. Paulo aproveitou uma chance como esta e ensinou durante três anos na escola de Tirano em Éfeso. A igreja não pode perder a chance de pregar o evangelho do Reino, mas deve aproveitar as oportunidades (Cl 4.5).

Lembremo-nos de que o evangelho é “o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1.16). Não adianta apenas apresentarmos soluções paliativas para os carentes, tendo em vista que sua maior carência é a espiritual.

B. Defesa das viúvas

Sempre houve uma tendência geral de se deixar as viúvas desamparadas. Em toda Bíblia, há pelo menos 35 referências a viúvas como vítimas de abandono e opressão. Por essa razão, Isaías ordena: “pleiteai a causa das viúvas”.

A razão por que sete homens foram escolhidos em Atos 6 para o serviço, foi justamente porque as viúvas dos helenistas estavam sendo esquecidas na distribuição diária (At 6.1-7). Em 1541, o reformador João Calvino instituiu a quarta ordem do governo eclesiástico, isto é, os diáconos.

Eles eram responsáveis pelo socorro dos pobres e das viúvas, e pela administração dos bens da comunidade (André Biéler, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, pp. 222,223).

Hoje o problema ainda persiste. As palavras de Tiago ecoam pelos corredores das igrejas: "A religião pura e sem mácula, para com nosso Deus e Pai, é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações...” (Tg 1.27).

Precisamos levantar um exército de voluntários para realizar a simples, porém confortante obra de visitação às viúvas. Existem asilos onde muitas são abandonadas pelos próprios filhos, e sentem-se como um estorvo, um fardo para a humanidade.

Muitas delas sofrem de algumas doenças físicas e, em consequência de seu abandono, padecem de males psicológicos. Precisamos sair do comodismo e demonstrar amor de fato e de verdade àqueles que são alvo de desprezo e descaso, ainda que não obtenhamos uma remuneração em troca.

Conclusão

Mais do que simplesmente uma obra social, o voluntariado serve como um meio usado por Deus para a transformação de vidas.

Seria de se esperar que as iniciativas para o voluntariado partissem dos cristãos, mas, infelizmente, não é o que acontece. Estamos abrindo mão da nossa coroa (Ap 3.11), à medida em que outros aproveitam as oportunidades que deveriam ser usufruídas pela igreja.

É hora de pensarmos mais neste assunto e criarmos projetos que nos auxiliem na prática do voluntariado em escolas, creches, asilos, hospitais, orfanatos, enfim, onde houver necessidade.

Desafio

Faça uma pesquisa de instituições idôneas onde existe espaço para o voluntariado em sua cidade, inscreva-se e divulgue para a igreja.

Autor: Charles Melo de Oliveira


Lista de estudos da série

1. O Primeiro Trabalhador: Descubra a origem divina e o propósito do seu trabalho – Estudo Bíblico sobre a Teologia do Trabalho

2. Do Paraíso ao Suor: Entenda por que seu trabalho é tão difícil e como redimi-lo – Estudo Bíblico sobre a Queda

3. Além do Salário: Descubra o verdadeiro chefe a quem você serve todos os dias – Estudo Bíblico sobre Propósito

4. Chamado ou Capacidade?: O segredo para alinhar seus dons naturais ao plano de Deus – Estudo Bíblico sobre Vocação

5. Cristão no Comando (ou na Equipe): Um guia prático de ética para líderes e colaboradores – Estudo Bíblico sobre Liderança

6. Quando o Lucro Vira Ídolo: Os 3 perigos de amar o dinheiro mais do que a Deus – Estudo Bíblico sobre Ganância

7. Salário Retido, Justiça Clamando: Como a Bíblia denuncia a opressão no trabalho – Estudo Bíblico sobre Justiça Social

8. Provisão ou Presença?: O segredo para equilibrar carreira e família sem perder nenhum dos dois – Estudo Bíblico sobre Família

9. Da Sala de Reunião ao Lar: O plano de Deus para a mulher que trabalha – Estudo Bíblico sobre a Mulher na Sociedade

10. A Pausa Sagrada: Por que o descanso não é luxo, mas um mandamento divino – Estudo Bíblico sobre o Sábado

11. Deus Não Quer Seu Dinheiro: Descubra o que Ele realmente espera de suas finanças – Estudo Bíblico sobre Dízimos e Ofertas

12. A Verdadeira Riqueza: Aprenda a administrar seus bens como um fiel mordomo de Deus – Estudo Bíblico sobre Mordomia

13. Seu Talento, Sua Missão: Por que o voluntariado é uma das formas mais poderosas de trabalho – Estudo Bíblico sobre Serviço

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