Você já sentiu uma saudade tão profunda que parecia doer? A saudade de alguém que está longe, a vontade de estar junto, de compartilhar um momento, um lugar. Esse anseio por presença e comunhão é uma das emoções mais humanas que existem.
Agora, imagine essa mesma emoção, mas elevada a um nível divino. Imagine Jesus, em sua última grande oração antes da cruz, expressando seu desejo mais profundo ao Pai. O que ele pediria? O que seria o anseio final do seu coração?
O texto de hoje nos leva para dentro desse momento sagrado. Ele revela o desejo supremo de Cristo para aqueles que ele ama. Não é um pedido por conforto terreno, segurança ou prosperidade para nós. É algo infinitamente maior.
Jesus ora para que estejamos com ele. Ele anseia por nossa presença. E ele quer que vejamos algo que vai preencher nossa eternidade com admiração e alegria: a sua glória.
Vamos mergulhar nesta que é, talvez, a oração mais sublime já registrada, e descobrir o que ela significa para nós hoje. Vamos analisar o estilo dessa oração, as pessoas por quem ela é feita, o grande pedido e a razão final por trás de tudo.
1. A oração de Cristo é uma reivindicação
A primeira coisa que nos choca neste texto é a maneira como Jesus ora. Ele não diz: "Pai, eu peço" ou "Pai, eu suplico". Ele usa uma linguagem de autoridade impressionante: "Pai, eu quero...".
Isso soaria como presunção vindo de qualquer um de nós. Como uma criatura finita ousaria dizer "eu quero" ao Deus Todo-Poderoso? Seria uma blasfêmia. Mas, vindo de Jesus, o Filho igual ao Pai, essa expressão tem um peso extraordinário.
Ele não está fazendo um pedido incerto. Ele está apresentando uma reivindicação baseada em um direito. É como se ele estivesse lendo as cláusulas de um testamento. A palavra "quero" aqui é a mesma usada em um testamento: "Eu, fulano de tal, deixo e lego...".
Jesus está dizendo ao Pai: "Eu cumpri a minha parte do pacto. Eu desci à terra, me tornei homem, vivi uma vida perfeita, obedeci à tua lei e estou prestes a morrer na cruz para pagar a dívida do pecado. Com base na minha obediência e no meu sacrifício, eu agora reivindico a recompensa prometida: que aqueles que me deste estejam comigo".
Esta não é a oração de um suplicante; é a intercessão de um Sacerdote-Rei que comprou e pagou por seu povo e agora exige sua herança. Ele não está pedindo um favor; está pleiteando com base na justiça e no acordo eterno feito antes da fundação do mundo.
Ele é o nosso Advogado, mas também é o nosso Testador. E em seu testamento final, ele nos deixou a maior de todas as heranças: a certeza de que estaremos com ele.
Aplicação Prática
- Descanse na segurança da sua salvação: Sua presença no céu não depende da força de suas orações ou da consistência de sua fé. Depende da vontade irrevogável e da reivindicação justa de Jesus Cristo. Isso deve acalmar seus medos e ansiedades.
- Entenda que você é a recompensa de Cristo: Pense nisto: você é o prêmio pelo qual Jesus lutou e morreu. Ele considera a sua presença no céu como a recompensa por todo o seu sofrimento. Isso não lhe dá um valor e uma dignidade imensos?
- Enfrente a acusação com confiança: Quando Satanás o acusar, lembre-se de que o "eu quero" de Jesus no céu é mais poderoso do que qualquer acusação do inferno. A vontade dele é a sua garantia.
2. Quem são as pessoas pelas quais Jesus ora?
Para quem é feita essa oração tão poderosa? Jesus é claro: "aqueles que me deste".
Isso nos leva à profunda doutrina da eleição. Antes que o tempo existisse, em um pacto eterno, Deus Pai escolheu um povo para si. E, nesse mesmo pacto, ele "deu" esse povo ao seu Filho, Jesus, para que ele os redimisse, os guardasse e, finalmente, os levasse para a glória.
Isso pode parecer difícil, mas é uma das verdades mais consoladoras da Bíblia. Significa que a sua salvação não começou quando você decidiu seguir a Cristo. Começou na mente e no coração de Deus, na eternidade.
Você não é um acidente espiritual. Você não tropeçou na salvação por acaso. O Pai o conheceu, o escolheu e o entregou aos cuidados amorosos do Bom Pastor. Jesus diz em outro lugar: "Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora".
Mas como você sabe se é uma dessas pessoas "dadas" a Cristo? A resposta é simples e maravilhosa: você veio a ele? Você confiou nele para sua salvação? Se sim, você tem a prova de que o Pai o deu a ele. Sua fé, por mais fraca que seja, é a evidência da escolha eterna de Deus.
Todos que vêm a Cristo pela fé podem ter a certeza de que foram dados a Cristo pelo Pai. Jesus não ora pelo mundo inteiro nesta passagem, mas por seu povo específico, sua noiva, sua igreja. E sua oração por eles nunca falha.
Aplicação Prática
- Encontre humildade, não orgulho: A doutrina da eleição não deve nos tornar arrogantes. Pelo contrário, deve nos humilhar. Fomos escolhidos não por causa de algo bom em nós, mas puramente pela graça de Deus. A única resposta adequada é a gratidão.
- Combata a dúvida com a evidência da fé: Se você duvida de sua salvação, não olhe para seus sentimentos ou desempenho. Olhe para o objeto da sua fé: Jesus. O fato de você se agarrar a ele, mesmo que com as unhas, é o sinal de que ele está se agarrando a você.
- Seja motivado à evangelização: Saber que Deus tem um povo eleito não nos torna passivos. Pelo contrário, nos dá a confiança de que nosso trabalho de pregar o evangelho não será em vão. Deus usará nossa mensagem para chamar os seus escolhidos.
3. O destino final do crente
Qual é o conteúdo dessa poderosa petição? "Eu quero... que estejam comigo onde eu estou".
Esta é a definição de céu. O céu não é primariamente um lugar de ruas de ouro ou portões de pérola. O céu é a presença de Jesus. Estar com ele é a essência da glória. Onde Cristo está, ali é o céu.
E onde ele está?
Ele está em um lugar de honra. Ele está assentado à direita de Deus Pai. Ele não está mais na manjedoura ou na cruz; ele está no trono. E ele quer que compartilhemos de sua honra. Ele nos fará reis e sacerdotes com ele.
Ele está em um lugar de segurança. Nada pode tocá-lo agora. Ele está além do alcance de Satanás, do pecado e da morte. E ele quer que estejamos nesse mesmo lugar de segurança absoluta, onde nenhuma lágrima, dor ou medo poderá nos alcançar.
Ele está em um lugar de felicidade. A Bíblia diz que na presença de Deus há "plenitude de alegria". A felicidade de Cristo é perfeita e transbordante. Ele quer que entremos nessa alegria, que participemos de sua própria felicidade eterna.
Ele está em um lugar de descanso. Suas obras de sofrimento terminaram. Ele descansou de seu trabalho. Da mesma forma, haverá um descanso para o povo de Deus, um fim para a labuta, a luta e o cansaço.
Essa é a nossa esperança. Não é um sonho vago, mas um destino garantido pela vontade de Cristo.
Aplicação Prática
- Viva com uma perspectiva eterna: Saber que seu destino final é estar com Cristo em glória, honra e segurança deve mudar a forma como você lida com os problemas de hoje. As dificuldades desta vida são temporárias e leves em comparação com o peso da glória que nos espera.
- Busque a presença dele agora: Não espere até a morte para desfrutar da presença de Cristo. Ele prometeu estar conosco todos os dias. Cultive a comunhão com ele através da oração, da Palavra e da igreja. A alegria do céu pode começar aqui na terra.
- Deixe o céu motivar sua santidade: Se vamos morar para sempre com um Cristo santo, isso não deveria nos motivar a buscar a santidade agora? "Todo aquele que tem essa esperança nele purifica-se a si mesmo, assim como ele é puro".
4. A visão que define o céu
Por que Jesus quer que estejamos com ele? A razão que ele dá é impressionante: "para que vejam a minha glória".
Essa será a principal ocupação e o deleite do céu: contemplar a glória de Jesus Cristo. Não é uma glória emprestada, como a de um rei terreno que precisa de roupas luxuosas e palácios para parecer grandioso. A glória de Cristo é intrínseca a quem ele é.
Imagine o filho de um artista mundialmente famoso, que sempre ouviu falar da obra-prima de seu pai, mas nunca a viu. Então, um dia, o pai o leva a uma galeria privada, remove o véu e revela a pintura em todo o seu esplendor. A admiração, o orgulho e o amor que o filho sente naquele momento são uma pálida imagem do que sentiremos.
Veremos a glória da sua pessoa. Contemplaremos a união perfeita de Deus e homem em uma só pessoa. Entenderemos, de uma forma que agora não podemos, como a majestade infinita pode habitar na humildade da carne.
Veremos a glória do seu amor. Veremos as cicatrizes em suas mãos, pés e lado, e compreenderemos a profundidade do amor que o levou à cruz por nós. Cada cicatriz será um troféu de sua graça.
Veremos a glória de sua obra redentora. Entenderemos plenamente como seu sacrifício satisfez a justiça de Deus, derrotou Satanás e garantiu nossa salvação. Veremos a tapeçaria completa da história da redenção e ficaremos maravilhados com sua sabedoria e poder.
Veremos a glória do seu reino. Observaremos enquanto ele governa sobre todas as coisas, com todos os inimigos sob seus pés, recebendo a adoração de anjos e de uma multidão incontável de redimidos.
Esta visão não será um evento único. Será a nossa fonte inesgotável de alegria por toda a eternidade. Nunca nos cansaremos de olhar para ele.
Conclusão
Esta oração de Jesus é o seu testamento para nós. Nela, ele nos lega sua própria casa, sua própria honra e, o mais importante, a si mesmo.
Se você confia em Cristo, esta promessa é sua. Ele não apenas espera que você chegue ao céu; ele "quer" que você esteja lá. Ele está pleiteando por você agora mesmo, garantindo sua chegada segura.
E se você nunca confiou em Cristo, entenda o que está perdendo. Você está perdendo a única esperança de estar na presença de Deus e contemplar sua glória. Volte-se para ele hoje. Confie em sua obra na cruz. E a oração dele se tornará sua garantia também.
Adaptado do sermão "Christ's Prayer for His People", pregado por C. H. Spurgeon em 4 de fevereiro de 1855, em Exeter Hall.