Imagine estar em um tribunal, acusado injustamente de um crime terrível. As provas contra você parecem esmagadoras, e testemunha após testemunha se levanta para depor contra você.
Seus próprios amigos e familiares, aqueles que deveriam defendê-lo, agora o olham com suspeita e desconfiança.
Você está completamente só, sem ninguém para falar em seu favor. Em um momento como esse, o que você mais desejaria seria um advogado, um defensor, alguém que conhecesse a verdade e a proclamasse com autoridade, silenciando todos os seus acusadores.
Essa é a situação de Jó no capítulo 19. Acorralado pela doença, abandonado pela sociedade e, pior de tudo, bombardeado pelas acusações teológicas de seus amigos, Jó se encontra em um beco sem saída existencial.
No estudo anterior, vimos Elifaz iniciar o ataque, e agora, no discurso de Bildade que precede este capítulo, a acusação se torna ainda mais gráfica e pessoal. A pressão é insuportável.
É neste ponto mais baixo, quando todos os apoios humanos falharam, que a fé de Jó dá um salto extraordinário e profético. Ele apela para além de sua situação presente, para além de seus acusadores e até mesmo para além da morte.
Ele apela para Alguém que ele chama de seu Redentor. Neste estudo, exploraremos o desespero que levou a essa confissão e o que essa notável declaração de fé significava para Jó e o que ela significa para nós hoje.
1. O sofrimento mais profundo não é a dor, mas sentir-se inimigo de Deus
O capítulo 19 começa com a reação de Jó ao segundo discurso de seu amigo Bildade. Bildade pintou um quadro vívido da queda de um homem ímpio, descrevendo como ele é enredado em seus próprios problemas e, finalmente, se torna um pária expulso de sua comunidade.
A mensagem implícita era clara: "Jó, essa história é sobre você. Reconheça seu pecado e se arrependa".
Essa acusação velada despedaça Jó. Ele sabe, em seu coração, que apesar de suas falhas, ele não é o ímpio que seus amigos descrevem. Portanto, ele chega a uma conclusão aterrorizante: se ele está sofrendo o castigo de um ímpio sem ser um, então a injustiça vem da própria fonte da justiça.
Ele clama em voz alta: "Sabei, pois, que Deus é que me transtornou e com a sua rede me cercou" (19:6). Para Jó, o seu adversário não é a doença, não são os seus amigos, nem mesmo Satanás (de quem ele não sabe nada). Seu único oponente é o próprio Deus.
Esta é a essência do seu tormento. O castelo forte se tornou a força de ataque. O escudo protetor se tornou a rede que o aprisiona. Ele se vê como uma cidade sitiada pelos exércitos de Deus (19:12). Ele sente a ira de Deus queimando contra ele (19:11).
Para um filho de Deus, não pode haver pensamento mais desesperador. O pior de seu sofrimento não é a dor física, mas a perda do sorriso paternal de Deus, a sensação de que o amor se transformou em hostilidade.
Aplicação
Muitos crentes, em meio a um sofrimento intenso e inexplicável, já se sentiram como Jó: abandonados ou até mesmo alvos da ira de Deus. É uma experiência assustadora, mas a resposta de Jó nos ensina algo vital.
- Nomeie o seu sentimento: Jó não escondeu seu sentimento de abandono. Ele o articulou em oração e lamento. Quando você se sentir distante ou até mesmo punido por Deus, não negue esse sentimento. Leve-o a Ele em oração honesta. "Senhor, sinto que estás contra mim. Ajuda-me a entender. Ajuda-me a sentir Teu amor novamente."
- Diferencie sentimento de fato: Jó sentia que Deus era seu inimigo, mas o fato (que ele descobriria mais tarde) era que Deus o chamava de "meu servo" com orgulho. Nossos sentimentos na dor são reais e válidos, mas não são a verdade última. Apegue-se aos fatos da Palavra de Deus – que Ele te ama, que nada pode te separar desse amor – mesmo quando seus sentimentos gritam o contrário.
- Lembre-se da cruz de Cristo: Jesus, na cruz, experimentou o abandono real de Deus para que nós nunca tivéssemos que experimentá-lo. Ele clamou: "Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?". Ele sentiu a verdadeira ira de Deus contra o pecado. Por causa d'Ele, mesmo quando nos sentimos abandonados, a realidade é que Deus está mais perto do que nunca.
2. Quando todos os defensores terrenos falham, a fé busca um Defensor celestial
Jó está desesperado para que sua história seja contada corretamente. Ele teme morrer sob a falsa acusação de seus amigos, com sua reputação manchada para sempre.
Ele deseja que suas palavras de defesa sejam escritas em um livro ou, melhor ainda, gravadas em uma rocha com um cinzel de ferro, como um epitáfio que gritaria sua inocência para a eternidade (19:23-24). É um desejo fútil de ter "a razão" após a morte.
E então, em meio a essa luta solitária, ocorre um milagre de fé. Jó percebe que não precisa gravar sua própria defesa, pois há Alguém que falará por ele. E ele explode em uma das mais magníficas confissões de fé de todo o Antigo Testamento: "Porque eu sei que o meu Redentor vive!" (19:25).
Na cultura hebraica, o "redentor" (em hebraico, Go'el) era um parente próximo com a obrigação legal de defender, resgatar e vingar um membro da família em apuros. Ele poderia resgatar terras, libertar da escravidão ou vingar um assassinato. Era o salvador da família. Jó, abandonado por todos, clama por seu Parente Celestial.
O contexto deixa claro que ele está apelando para o próprio Deus. E aqui reside o paradoxo impressionante: Jó apela ao mesmo Deus que ele sente que o está torturando. A mão que o aflige é a mesma mão que pode salvá-lo. Em sua mente, Deus está contra ele, mas, ao mesmo tempo, Deus está do seu lado.
Aplicação
A fé de Jó neste ponto é um modelo para nós em nossas crises mais profundas.
- Apelação ao caráter de Deus contra as ações de Deus: Quando as ações de Deus em sua vida parecem duras e incompreensíveis, apele ao caráter revelado de Deus. Jó estava, em essência, dizendo: "O Deus que está me ferindo não pode ser o quadro completo. Eu sei que existe um Deus que é Redentor, e é para Ele que eu apelo!". Nós podemos fazer o mesmo, apelando para o amor, a justiça e a fidelidade de Deus que nos foram revelados em Cristo.
- Reconheça Cristo como seu Redentor: Nós temos uma clareza que Jó não tinha. Sabemos que nosso Redentor, Jesus Cristo, já viveu, morreu e ressuscitou. Ele é nosso parente mais próximo por meio da encarnação. Ele pagou o preço para nos resgatar do pecado e da morte. Ele é nosso advogado junto ao Pai, defendendo nossa causa (1 João 2:1). Quando se sentir acusado pelo inimigo, por outros ou por sua própria consciência, lembre-se: seu Redentor vive e Ele defende você.
- Descanse na defesa d'Ele: Jó encontrou descanso ao entregar sua defesa ao Redentor. Nós também podemos. Não precisamos lutar para provar nosso valor ou nossa justiça. Nossa defesa não está em nossas palavras, mas no sangue de Cristo. Descanse no fato de que Ele é sua justiça.
3. A esperança do Redentor transcende o túmulo
A esperança de Jó em seu Redentor vai além de uma simples vindicação nesta vida. Ele sabe que está morrendo. Ele olha para sua pele se desfazendo e sabe que seu corpo em breve se tornará pó.
Mas sua esperança não morre com seu corpo. Ele declara que seu Redentor "por fim se levantará sobre o pó" (19:25). Em outras palavras, após sua morte e decomposição, seu Defensor se manifestará para vindicá-lo.
E a vindicação não será apenas uma questão de reputação. Será pessoal e física. Com uma visão profética impressionante, ele declara: "E depois de consumida a minha pele, contudo, em minha carne verei a Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, e os meus olhos o verão, e não outros" (19:26-27). Jó anseia por um encontro face a face com Deus, não mais como um adversário, mas como um amigo.
Ele espera uma ressurreição corporal, um novo corpo saudável com o qual ele poderá desfrutar da presença de Deus sem dor, sem dúvidas e sem a ira que ele agora sente. Essa esperança de ver a Deus e ser vindicado por Ele se torna a maior celebração de sua vida.
Aplicação
A esperança da ressurreição não é uma doutrina abstrata; é a âncora da alma cristã em meio às tempestades da vida.
- Viva com uma perspectiva eterna: O sofrimento nesta vida, por mais intenso que seja, é temporário. A esperança da ressurreição nos lembra que nossa história não termina no túmulo. Há um "por fim" glorioso no qual nossos corpos serão redimidos e toda lágrima será enxugada. Deixar essa esperança moldar sua perspectiva pode mudar a maneira como você suporta as provações presentes.
- Valorize seu corpo como pertencente a Cristo: Seu corpo, mesmo em fraqueza e doença, tem um valor imenso para o seu Redentor. Ele o comprou com Seu sangue e o ressuscitará em glória. Trate seu corpo com dignidade, mesmo quando ele o faz sofrer, sabendo que ele está destinado a uma glória inimaginável.
- Não tema a morte: Para o crente, a morte perdeu seu aguilhão. É apenas a porta para um encontro face a face com nosso Redentor. Como Jó, podemos ansiar por esse dia, não como um escape da vida, mas como a consumação de nossa esperança.
Conclusão
No fundo de seu poço de desespero, quando toda a ajuda humana falhou e até Deus parecia ser seu inimigo, Jó foi capacitado pelo Espírito Santo a olhar para além do véu do tempo e ver seu Redentor. Essa visão o sustentou. Ele ainda teria uma longa jornada de sofrimento pela frente, mas ele havia encontrado sua âncora.
Nós, que vivemos do outro lado da cruz, temos uma visão ainda mais clara desse Redentor. Nós sabemos Seu nome. Nós celebramos Sua ressurreição. A defesa que Cristo faz de nós não significa que toda a miséria desaparecerá de nossas vidas.
Choraremos, lamentaremos e sentiremos a dor da vida em um mundo caído. Mas nada irremediável pode nos acontecer. Nenhum poder pode nos destruir. Pois sabemos que nosso Redentor vive, e porque Ele vive, nós também viveremos.
Ele virá nos buscar. A data está marcada. E quando Ele vier, Ele nos encontrará, e nós o veremos face a face – não como um estranho, mas como o Amigo que nos amou e se entregou por nós.
Lista de estudos da série
1. A Aposta no Céu: Descubra se sua fé é genuína ou apenas interesse – Estudo Bíblico sobre Jó 12. O Dia em que Tudo Desabou: O segredo de Jó para adorar em meio à ruína – Estudo Bíblico sobre Jó 1