(Jó 2:7-10)
Todos nós entendemos, em teoria, que a vida inclui sofrimento. Mas há uma diferença abismal entre a teoria e a realidade.
Uma coisa é enfrentar uma tempestade que destrói nossos bens do lado de fora; outra, completamente diferente, é sentir a dor da enfermidade consumindo nosso corpo por dentro. É a diferença entre ver a batalha de longe e se tornar o próprio campo de batalha.
No estudo anterior, vimos Jó resistir ao primeiro e avassalador ataque de Satanás. Ele perdeu suas posses, seus servos e, mais dolorosamente, todos os seus filhos, mas se manteve firme em sua adoração a Deus.
Sua fé foi provada e aprovada no céu. No entanto, o acusador não se deu por vencido. Ele argumentou que a fé de Jó só resistiu porque sua própria "pele" não havia sido tocada. Agora, a prova se endurece terrivelmente.
Neste estudo, testemunharemos o momento em que o sofrimento de Jó se torna visceral, pessoal e agonizante. Exploraremos a natureza da tentação que não vem da dor em si, mas do seu aparente silêncio e falta de propósito.
E veremos como a voz da tentação pode surgir do lugar mais inesperado: dos lábios de quem mais amamos. A questão que nos confronta é assustadora: como a fé sobrevive quando a dor se torna insuportável, as respostas não vêm e a pessoa mais próxima nos aconselha a desistir de Deus?
1. A fé é testada não apenas pela dor, mas pela aparente falta de propósito nela
Com a permissão divina, Satanás ataca Jó com uma doença terrível. A descrição bíblica é gráfica e angustiante: feridas malignas da planta do pé ao alto da cabeça, carne coberta de vermes, pele que escurece e se desprende, ossos queimando em febre.
Jó, antes o homem mais respeitado do Oriente, agora se senta sobre cinzas, um pária solitário, raspando suas feridas com um caco de telha. A degradação física é total.
Contudo, a tensão da prova aumenta exponencialmente por uma razão: Jó sabe que essa doença vem de Deus, mas não tem a menor ideia do porquê. É aqui que reside o verdadeiro aguilhão da tentação.
Um ser humano pode suportar dificuldades incríveis se souber que há um propósito nelas. Um soldado em treinamento suporta o rigor porque sabe que o prepara para a batalha. Um atleta suporta a dor porque visa à vitória.
O que verdadeiramente leva um crente à beira da rebelião não é o sofrimento em si, mas a aparente inutilidade e injustiça dele. Por que seu Pai celestial faria isso? Por que essa doença? Por que esse acidente? Por quê?
Essa pergunta sem resposta era a aposta de Satanás. Ele estava convencido de que nenhum ser humano estaria disposto a confiar na direção de Deus sem questioná-la, especialmente quando essa direção parece levar a um beco sem saída de dor.
Sem uma resposta satisfatória, até mesmo Jó amaldiçoaria a Deus, provando que a fé desinteressada e implícita no Senhor simplesmente não existe.
Aplicação
Todos nós enfrentaremos momentos em que as perguntas "por quê?" ecoarão em nossos corações. A resposta de Jó nos ensina a navegar nessas águas profundas.
- Valide sua dor e suas perguntas: Deus não tem medo de suas perguntas. A Bíblia está cheia de santos que clamaram a Deus em confusão (veja os Salmos, veja Habacuque). É legítimo levar sua dor e suas dúvidas a Deus. O problema não está em perguntar, mas na atitude por trás da pergunta.
- Diferencie perguntar de acusar: Há uma grande diferença entre clamar "Por quê, Senhor?" em busca de consolo e compreensão, e declarar "Isso é injusto, Senhor!" como um veredito contra o caráter de Deus. Busque a Deus com suas perguntas, em vez de usar suas perguntas para se afastar de Deus.
- Confie no caráter de Deus quando não puder entender Seus caminhos: A fé madura não é ter todas as respostas. É confiar que Deus é bom, justo e soberano, mesmo quando as circunstâncias parecem contradizer tudo isso. Apegue-se ao que você sabe sobre Deus quando não entender o que Ele está fazendo.
2. A tentação mais perigosa pode vir daqueles que mais amamos
Em meio a essa agonia, entra em cena a esposa de Jó. Esta é a única vez que a ouvimos na história, e suas palavras são devastadoras. É crucial lembrar que ela também era uma vítima. Satanás mirou em Jó, mas a explosão atingiu toda a família.
Aqueles dez filhos mortos também eram dela. Ela não apenas perdeu todos os seus filhos em um único dia, mas agora assistia ao seu marido, seu protetor e companheiro, definhar em uma doença repugnante.
Ela também lutava com o "por quê". Assim como Jó, ela via a mão de Deus em tudo aquilo, mas, ao contrário dele, ela não podia aceitar.
Para ela, era intolerável que Deus os tratasse dessa maneira sem dar uma razão. Olhando para o corpo deteriorado de seu marido e sua silenciosa resignação, sua amargura transbordou. Ela explodiu: "¿Ainda reténs a tua integridade? Amaldiçoa a Deus e morre." (Jó 2:9).
O teólogo João Calvino a chamou de "fúria do inferno". Sem perceber, ela se tornou a porta-voz de Satanás. O próprio Deus havia celebrado o fato de que Jó "ainda" retinha sua integridade (2:3).
Agora, sua esposa usa a mesma palavra "ainda" como uma arma de reprovação. Suas palavras são a exata sugestão que Satanás havia feito no céu: "amaldiçoa a Deus".
O ataque mais perigoso não veio de um demônio visível, mas da intimidade de seu casamento, de uma pessoa que o conhecia, o amava e sofria com ele. A tentação de ceder ao conselho de sua esposa, unindo-se a ela em sua dor e raiva, deve ter sido imensa.
Aplicação
A interação de Jó com sua esposa nos oferece lições vitais sobre como lidar com conselhos em tempos de crise.
- Avalie os conselhos, mesmo os bem-intencionados: A esposa de Jó provavelmente falou por amor e compaixão, querendo acabar com o sofrimento dele. No entanto, seu conselho era espiritualmente destrutivo. Em seus momentos de dor, muitas pessoas bem-intencionadas lhe darão conselhos baseados na lógica do mundo ("você precisa se defender", "Deus não se importa"). Aprenda a filtrar cada conselho pela Palavra de Deus.
- Cuidado com a tentação da empatia distorcida: A tentação de Jó não era apenas amaldiçoar a Deus, mas também de se unir à sua esposa em sua perspectiva. Às vezes, para manter a paz ou por empatia, somos tentados a concordar com visões que sabemos que desonram a Deus. É preciso coragem para se manter firme na verdade, mesmo que isso crie tensão com quem amamos.
- Seja um amigo que aponta para Deus, não para a desesperança: Quando um amigo estiver sofrendo, resista à tentação de simplesmente concordar com sua amargura. Chore com ele, valide sua dor, mas gentilmente o aponte de volta para a soberania e a bondade de Deus, mesmo que sejam um mistério no momento.
3. A resposta à dor presente está na memória da fidelidade passada
A resposta de Jó à sua esposa é dura, mas teologicamente profunda. Ele a repreende: "Falaste como uma mulher insensata" (ou pagã).
A palavra "insensata" na Bíblia não é apenas um insulto; descreve alguém que vive e pensa como se Deus não existisse ou não fosse relevante. Embora a fé dela estivesse sob uma pressão inimaginável, a sugestão de romper com Deus era, para Jó, uma loucura completa.
Então, ele apresenta seu argumento: "Receberemos o bem de Deus e não receberíamos o mal?". Com essa pergunta, Jó faz duas coisas notáveis.
Primeiro, ele se recusa a compartimentalizar Deus, como se Ele fosse responsável apenas pelas coisas boas. Ele se apega a um Deus que é soberano sobre toda a vida, tanto na alegria quanto na tristeza. Segundo, e mais importante, ele força sua esposa (e a si mesmo) a ampliar a perspectiva.
Em vez de ficar com o olhar fixo na última e terrível página da história de suas vidas, ele os convida a folhear o álbum inteiro. Ele os lembra de todas as bênçãos passadas, dos anos de prosperidade, da família feliz – todas as provas irrefutáveis do amor de Deus que eles haviam experimentado.
Ele argumenta que o Deus daquele passado luminoso é o mesmo Deus do presente sombrio. Sua situação havia mudado, mas Deus não. Essa convicção sobre o caráter imutável de Deus era a âncora que lhe dava fé para o futuro, mesmo em meio à dor inexplicável.
Aplicação
A estratégia de Jó de olhar para trás para poder seguir em frente é um princípio espiritual poderoso para nós.
- Construa um "álbum de memórias" da fidelidade de Deus: Em tempos de paz, cultive o hábito de registrar as bênçãos e as respostas de oração de Deus em sua vida. Escreva um diário de gratidão. Quando a crise chegar e sua mente estiver nublada pela dor, você terá um registro concreto da fidelidade passada de Deus para reler e se fortalecer.
- Ancore seu presente no Evangelho: E se seu passado também foi cheio de dor? A Bíblia nos aponta para a bênção suprema que precede a todos nós: o Evangelho. A prova irrefutável do amor de Deus não está em nossas circunstâncias, mas na cruz. "Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito" (João 3:16). Quando seu sofrimento presente fizer você duvidar do amor de Deus, volte para a cruz. Ali está a demonstração definitiva e inegável do Seu amor por você.
- Pratique a gratidão deliberada: Mesmo nos dias mais sombrios, é um ato de rebelião espiritual contra o desespero olhar para além da dor e agradecer a Deus por algo. Pode ser o ar que você respira, uma memória feliz, ou a promessa de Sua presença. Ignorar as bênçãos de ontem e de hoje é uma ofensa a Deus e um caminho para a amargura.
Conclusão
A prova se endureceu, atingindo o âmago do ser de Jó. A tentação veio não apenas através da dor, mas também através da intimidade. E, no entanto, "em tudo isto não pecou Jó com os seus lábios" (Jó 2:10). Ele passou na segunda fase do teste.
Ele nos ensina que, para entender o Deus do nosso presente doloroso, devemos nos lembrar do Deus do nosso passado abençoado e, acima de tudo, do Deus que se revelou de uma vez por todas no Evangelho.
Ele é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Seu caráter não muda, mesmo quando nossas circunstâncias mudam drasticamente. Esta é a verdade que nos sustenta quando tudo o mais desmorona. Esta é a fé que, mesmo em meio às cinzas, se recusa a amaldiçoar e escolhe bendizer.
Lista de estudos da série
1. A Aposta no Céu: Descubra se sua fé é genuína ou apenas interesse – Estudo Bíblico sobre Jó 12. O Dia em que Tudo Desabou: O segredo de Jó para adorar em meio à ruína – Estudo Bíblico sobre Jó 1