Encontrando Cristo no relato sobre o chamado de Abrão



Gênesis 12. 1-9

Na grande maioria das vezes que ouvimos sermões sobre o chamado de Abrão, a ênfase recai sobre Abrão.

Suas ações, muitas vezes são tomadas como exemplos que devem ser imitadas. Quando isso acontece, a atenção para o real propósito do autor é minada de sorte que o centro da mensagem não é percebido. 


Diante disso, é preciso, que leiamos o livro de Gênesis como um bloco escriturístico que aponta para o Messias, embora esse termo não ocorra literalmente nessa passagem. A respeito disso, Gerard Van Groningen escreve: 

“Embora as palavras “ungir” e “messias” não apareçam no relato do Gênesis e não ocorram referências diretas aos ofícios de sacerdote e rei, não obstante, há elementos tanto na concepção estrita quanto ampla do conceito de Messias” (GRONINGEN, 1995, p. 130). 

Assim como temos visto em estudos anteriores, essa passagem tem tema e objetivo específicos de modo que é de grande importância que identifiquemos tais elementos para que compreendamos a mensagem pretendida pelo autor. 

Após registrar a história de Babel, Moisés se move até Abrão para estabelecer um contraste. Se por um lado os construtores da torre tinham como objetivo a busca pela celebridade, por outro, na narrativa sobre o chamado de Abrão, o Senhor lhe promete engrandecer o nome. 

O princípio exibido em Pv 29.23, é vislumbrado aqui. Assim o autor escreveu: “A soberba do homem o abaterá, mas o humilde de espírito obterá honra.”

Nesse cenário, a saber, no ambiente do chamado de Abrão, Deus faz promessas, bem como exibe elementos que apontam para seu Filho, a semente da mulher que pisará na cabeça da serpente (Gn 3.15).



Tema e objetivo
Nessa narrativa, há dois temas desenvolvidos pelo autor. O primeiro deles gira em torno das promessas feitas pelo Senhor a Abrão que se encontram nos vv. 2,3 e que se repetem para o próprio Abrão, além de Isaque e Jacó (Gn 13.14-18; 26.4-24; 28.13-15). 

Há, porém, outro tema de grande relevância que é desenvolvido – a terra. Deus promete uma terra (v.1). Nela Abrão e sua família chegaram (v. 5) e nela Abrão edifica altares (vv. 7,8). Posteriormente, o Senhor promete a Abrão essa mesma terra à sua descendência (v.7). 

Diante disso, conforme aponta Greidanus, o tema pode ser formulado da seguinte maneira: “O Senhor dá a Abrão a terra dos cananeus para reivindica-los para o reino de Deus” (GREIDANUS, 2009, p. 170).

Com isso, o autor tem um objetivo claro em sua mente ao narrar esses eventos. Considerando que o povo ainda estava para se apossar da terra, Moisés intentava “motivar Israel a reivindicar a terra dos cananeus para o reino de Deus” (GREIDANUS, 2009, p. 170). 

Em outras palavras, o autor, além de dar a certeza de que Deus os conduziria até a terra, também queria estimular Israel a se estabelecer naquele lugar para ser uma representação do reino de Deus. 

Como encontrar Cristo nesse relato? Para enxergarmos a pessoa de Cristo nesse relato é necessário que usemos as seguintes lentes:

1. Progresso histórico redentor
Conforme demonstra Greidanus, no princípio Deus criou a terra como o seu reino (Éden). No entanto, com a queda, o homem foi expulso daquele local. Noé erigiu um altar para dedicar novamente a Deus (8.20). O povo, no entanto, desobedeceu, o que culminou na confusão das línguas. 

Agora, em Abraão, Deus recomeça estabelecendo Canaã como o centro de seu governo (Gn 13.10). Anos se passaram e veio o exílio por causa da desobediência; Israel foi retirado de sua terra tal como aconteceu com Adão e Eva no jardim do Éden (GREIDANUS, 2009, pp. 171, 172).

Na plenitude do tempo, Deus estabelece um novo recomeço enviando Cristo e estabelecendo seu reino através de seu Filho (Mc 1.15). Uma das evidências deste reino eram os milagres (Lc 7.20,22). Após a ascensão de Cristo, o reino começa a se espalhar pela pregação do evangelho. Quando Jesus voltar, seu reino será estabelecido perfeitamente na terra e o paraíso será restaurado (Ap 2.7, 21.3; 22.1-5) (GREIDANUS, 2009, p. 172).



2. Promessa e cumprimento
Há três promessas feitas pelo Senhor a Abrão foram se cumprindo no decurso da história e tem se cumprido integralmente por meio de Cristo.[1] São elas:

2.1. Promessa sobre a posse da terra: Em Gn 12.7 Deus promete que daria aquela terra à descendência de Abrão. Essa promessa começa a ser cumprida quando Abrão compra um terreno para sepultar Sara (Gn 23.18-20), depois com a tomada da terra sob a liderança de Josué (Js 21.43-45). Finalmente, é aguardado o cumprimento final dessa promessa na volta de Cristo (2 Pe 3.13) (GREIDANUS, 2009, p. 173).

2.2. Promessa sobre a grande nação: Deus também promete: “de ti farei uma grande nação” (Gn 12.2). Essa promessa inicia seu cumprimento com o nascimento de Isaque, em seguida em Jacó, seus doze filhos, os setenta israelitas que desceram para o Egito (Ex 1.5), depois em Israel sob liderança de Josué e chega ao seu ápice sob os reinos de Davi e Salomão (1 Rs 4.20-25). 

No NT o cumprimento dessa promessa ocorre quando Jesus ordena seus discípulos que façam discípulos de todas as nações. Paulo fala de um povo constituído por pessoas oriundas de várias línguas e culturas (Gl 3.26,28-29).

2.3. Promessa sobre ser benção para toda a terra:
Segundo demonstra Greidanus, o Senhor também prometeu a Abrão que “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12.3). Segundo ele, da mesma forma essa promessa se cumpre gradualmente.

Primeiramente, José é uma bênção para as famílias da terra quando toda a terra ia até ele em busca de alimento (Gn 41.57).

Depois, Deus usa Israel como testemunha do amor de Deus para o mundo (Exemplo – Jonas).

Finalmente, Jesus usa a igreja para ser bênção para o mundo na ordem do ide (Mt 28.19). A bênção sobre todas as nações está se cumprindo em Cristo (Gl 3.8,14) (GREIDANUS, 2009, p. 174).



3. Tipologia
Greidanus observa que Abrão é um tipo de Cristo, pois ao edificar um altar, ele restaura o culto ao senhor. Por meio de Cristo, o homem é reconciliado com Deus passando então a cultuá-lo tal como Ele é digno. Além disso, assim como Deus engrandeceu o nome de Abrão (Gn 12.2), da mesma forma exaltou a Jesus e lhe deu nome que está acima de todo o nome (Fp 2.9) (GREIDANUS, 2009, pp. 174, 175)

4. Analogia
Greidanus observar que é possível vislumbrar a pessoa de Cristo tendo em vista o objetivo dessa narrativa na mente do autor. Portanto, assim como o Senhor chamou Abrão/Israel para se apossar de Canaã, Cristo chamou seus discípulos para possuírem os confins da terra (GREIDANUS, 2009, p. 175).

4. Tema derivado
Outro tema relacionado com Cristo em Gn 12 é a adoração. Deus foi adorado no jardim do Éden, depois foi adorado por Noé, por Abrão e mais tarde por Israel no templo e no tabernáculo. Esses eventos históricos, segundo demonstra Greidanus, apontam para o fato de que em Cristo a adoração a Deus pode ser efetuada independente do lugar (cf. Jo 4.21,23) (GREIDANUS, 2009, p. 175).

5. Contraste
Há um contraste estabelecido entre Cristo e Abrão. Greidanus observa que Jesus, ao dar a ordem sobre a evangelização, orientou seus discípulos que não se concentrassem apenas em Israel, mas levassem a mensagem do reino à Jerusalém, Samaria e confins da terra (At 1.8; Mt 28.19). Diferentemente do que ocorria em Abrão uma vez que as atenções estavam voltadas apenas para Canaã (GREIDANUS, 2009, p. 176).

Conclusão
Há uma série de elementos no chamado de Abrão que se relacionam com Cristo. É necessário que esse texto seja interpretado numa perspectiva de anúncio a respeito de Cristo. Quando isso não ocorre, deixa-se de lado o principal motivo pelo qual o texto foi produzido. 
Referências Bibliográficas
BÍBLIA DE ESTUDO ALMEIDA, Barueri, Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.

GREIDANUS, Sidney. Pregando Cristo a partir de Gênesis. Fundamentos para sermões expositivos. São Paulo, Cultura Cristã, 2009.

GRONINGEN, Gerard Van. Revelação Messiânica no Velho Testamento. Campinas, Luz para o Caminho, 1995.

[1] Groningen inclui cinco promessas. Aquela contida no v. 2 no qual Moisés registra que Deus garantiu a Abrão que este seria uma bênção. Nesse trabalho, tal promessa será abordada no item tipologia (cf. GRONINGEN, 1995, p. 124).

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