Baseado em João 14.22
Introdução
Você já se sentiu invisível no meio da multidão? Em um mundo com bilhões de pessoas, conectado por redes sociais, mas onde tantos se sentem sozinhos, é fácil pensar que somos apenas mais um número.
Muitos veem Deus como uma força distante, uma ideia abstrata, um ser poderoso que governa o universo, mas que não se envolve pessoalmente com as nossas vidas. A pergunta que ecoa no coração de muitos é: "Será que Deus realmente me vê? Será que ele se importa comigo de uma forma particular?".
Essa mesma dúvida estava no coração de um dos discípulos de Jesus. Em uma conversa íntima, pouco antes de sua crucificação, Judas (não o Iscariotes, o traidor) fez uma pergunta sincera e direta: "Senhor, por que te manifestarás a nós e não ao mundo?". Em outras palavras: "Jesus, como é que você vai se revelar para nós de um jeito especial, que os outros não vão ver?".
Essa pergunta revela uma verdade maravilhosa e central para a nossa fé: Jesus Cristo se manifesta, se revela, se mostra de forma íntima e poderosa para aqueles que são seus, de uma maneira que o mundo simplesmente não consegue compreender.
Vamos explorar juntos essa verdade em duas partes: primeiro, o fato de que isso acontece, e segundo, a pergunta intrigante sobre o porquê.
1. O grande fato: Jesus se revela ao seu povo
A primeira coisa que precisamos entender é que a pergunta de Judas não se baseia em uma suposição, mas em uma promessa de Jesus. É um fato: ele se revela aos seus de modo especial.
Isso não é apenas uma teoria teológica. Se você perguntar a qualquer cristão que caminha seriamente com Deus, ele terá histórias para contar. Momentos em que sentiu a presença de Jesus de forma tão real que o mundo ao redor pareceu desaparecer. Experiências que não podem ser explicadas pela lógica, mas que marcaram sua alma para sempre.
Essa revelação especial é o que transforma a religião em um relacionamento. Vamos ver como isso acontece, observando quatro aspectos.
1. As pessoas favorecidas
A quem Jesus se revela dessa forma? A resposta do texto é clara: "a nós, e não ao mundo". Mas quem são "nós"? Quem são essas pessoas que não pertencem ao "mundo"?
Imagine que enviamos um observador para analisar a humanidade. Ele veria uma grande massa de pessoas correndo na mesma direção, cada uma buscando seus próprios interesses, com a palavra "EU" estampada na testa. Elas buscam poder, prazer, segurança, reconhecimento... tudo para si mesmas.
Mas, no meio dessa multidão, esse observador notaria um grupo menor, remando contra a maré. Eles caminham na direção oposta, enfrentando oposição e desprezo. Na testa deles, está escrita outra palavra: "CRISTO".
O objetivo de suas vidas não é mais o eu, mas glorificar a Deus. Para eles, "viver é Cristo, e morrer é lucro".
Essas são as pessoas que não se sentem mais em casa neste mundo. Elas não encontram sua alegria nos mesmos lugares que a maioria. Você não as encontrará mergulhadas na busca incessante por prazeres vazios ou vivendo para acumular bens.
Elas formam uma comunidade, uma família, unida não por sangue, mas pelo sangue de Cristo. São pessoas de oração, que se reúnem para adorar e buscam viver de uma forma que agrada a Deus.
Não se trata de perfeição, mas de direção. O coração delas está voltado para o céu, mesmo que seus pés ainda tropecem na terra.
2. As estações especiais
É importante dizer que essas pessoas não vivem em um estado constante de êxtase espiritual. Existem estações especiais em que Jesus se revela com mais intensidade, e elas geralmente acontecem em dois momentos: tempos de serviço dedicado e tempos de provações intensas.
Você já notou que os cristãos mais acomodados e preguiçosos raramente falam de experiências profundas com Deus? Aqueles que fazem o mínimo para "garantir o céu" perdem as bênçãos mais doces da caminhada.
Mas aqueles que se doam, que servem, que se esforçam pelo Reino de Deus... esses descobrem uma proximidade com o Mestre que os outros desconhecem.
Quanto mais trabalhamos para Cristo, mais sentimos a sua graça nos sustentando. É como cavar um poço: quanto mais fundo você cava, mais pura é a água que encontra. O serviço a Deus nos abre para a sua manifestação.
O outro momento são as provações. Não pense que o tempo que você passou em um leito de hospital, enfrentando uma doença, ou lidando com uma perda dolorosa, foi tempo perdido. Se você enfrentou essa dor com paciência e fé, estava servindo a Deus de uma forma poderosa. É nos vales mais escuros que a luz da presença de Cristo brilha mais forte.
Muitas vezes, é quando a conta bancária está vazia, quando o diagnóstico é ruim, quando os amigos nos abandonam, que Deus se aproxima e se revela como nunca antes. A amargura da prova torna a doçura da sua presença ainda mais extraordinária.
3. A maravilhosa revelação
Mas como é essa "manifestação"? Não é uma visão física, mas uma percepção espiritual tão real que transforma tudo. Às vezes, ele se revela em seu sofrimento. Já aconteceu de você meditar na agonia de Jesus no Getsêmani e sentir uma conexão tão profunda com a dor dele que seu coração se partiu em gratidão?
Outras vezes, você pode "ver" com os olhos da fé o seu sacrifício na cruz. Não é apenas uma história antiga; você percebe que era o seu pecado que o pregou ali. Você vê o sangue dele cobrindo a sua culpa e sente o peso da condenação ser levantado dos seus ombros.
Em outros momentos, a revelação é de sua glória e poder. Você o vê ressurreto, vitorioso sobre a morte e o diabo. Você tem um vislumbre de sua majestade, sentado no trono, intercedendo por você. A fé se torna tão forte que você quase consegue ouvir a música do céu e sentir o perfume da eternidade.
O pastor Tennant, certa vez, estava se preparando para pregar e foi caminhar no bosque. Ali, ele teve uma experiência tão avassaladora da presença de Cristo que caiu de joelhos e ficou horas ali, como se estivesse fora do corpo. Quando o encontraram, seu rosto brilhava. Ele disse que jamais esqueceria aquele momento de comunhão, onde Cristo esteve com ele, coração a coração.
Isso não é fanatismo. É a realidade da vida cristã em sua plenitude.
4. Os efeitos dessa manifestação
Quando alguém tem uma experiência real com a presença de Cristo, três coisas acontecem. A primeira é a humildade. Se alguém sai de uma experiência assim se achando "mais espiritual" que os outros, pode ter certeza de que não foi com Jesus que ele se encontrou. A verdadeira proximidade com Deus nos mostra o quão pequenos somos e o quão grande é a sua graça.
A segunda é a felicidade. Uma alegria profunda e inabalável, que não depende das circunstâncias. Estar perto de Jesus é a fonte da verdadeira alegria.
A terceira é a santidade. Encontrar-se com o Cristo santo nos inspira a viver uma vida santa. Não por medo do castigo, mas por amor e gratidão. O desejo de agradá-lo se torna o motor de nossas ações.
Aplicação prática
Examine sua direção: Sua vida está seguindo o fluxo do "mundo" ou você está remando contra a maré, vivendo para Cristo? Em que áreas você precisa mudar de direção?
Avalie seu serviço: Você tem se acomodado na fé? Que passo prático você pode dar hoje para servir a Deus e à sua igreja com mais dedicação, abrindo-se para uma maior intimidade com ele?
Reinterprete suas lutas: Em vez de ver suas provações apenas como obstáculos, comece a enxergá-las como oportunidades para que Cristo se revele a você de uma maneira nova e mais profunda.
Busque ativamente: Separe tempos específicos para orar e meditar na Palavra com o objetivo sincero de conhecer mais a Cristo. Peça a ele: "Senhor, manifesta-te a mim!".
2. A pergunta intrigante: por quê?
Agora voltamos à pergunta de Judas: "Senhor, por que para nós e não para o mundo?". Essa é uma pergunta que nasce de várias fontes.
Talvez tenha sido por ignorância. Judas pode ter pensado: "Como assim? Se Jesus aparecer em glória, todo mundo vai ver. Como pode ser algo exclusivo para nós?". Ele não compreendia a natureza espiritual dessa manifestação.
Talvez tenha sido por um coração bondoso, mas equivocado. "Ah, Senhor, seria tão bom se todos pudessem ver! Por que não se revela para o mundo inteiro?". Muitos de nós já pensamos assim. Queremos ser mais benevolentes que o próprio Deus.
Mas talvez, e mais provavelmente, a pergunta nasceu da admiração e do espanto. "Senhor, por que nós? Quem somos nós? Pedro é só um pescador. Mateus era um cobrador de impostos corrupto. Eu sou apenas um homem comum. Olhe para Maria, que era uma pecadora conhecida. Por que você nos escolheu para receber essa revelação tão especial, e não os poderosos, os sábios, os justos do mundo?".
Essa é a pergunta que todos nós deveríamos fazer, de joelhos:
"Pausa, minh'alma, e pergunta:
Por que tanto amor por mim?"
A única resposta que encontramos é a graça. A graça soberana de Deus. Se você me perguntar por que Deus amou você, eu só posso dizer: "Porque ele decidiu amar você". A razão não está em você, mas nele. É o seu amor livre e incondicional.
Jesus não responde diretamente à pergunta de Judas sobre o "porquê". Em vez disso, ele explica o "como": "Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada". Ele não explica a eleição, mas descreve a evidência dela: amor e obediência.
Alguns podem dizer: "Isso é injusto! Por que Deus escolhe alguns e não outros?". Mas quem somos nós para acusar Deus de injustiça? A justiça de Deus seria condenar a todos nós ao inferno, pois todos pecamos.
O fato de ele salvar alguém é um ato de pura misericórdia. Se um governador decide perdoar um dos dez condenados no corredor da morte, os outros nove podem acusá-lo de injustiça? Não, pois todos eles merecem a pena. Ele simplesmente exerceu seu direito de perdoar.
Deus não deve graça a ninguém. A graça, por definição, é um favor não merecido.
Aplicação prática
Abandone o orgulho: Reconheça que sua salvação e qualquer experiência que você tenha com Deus não são mérito seu. Isso deve te levar a uma profunda humildade e gratidão, não a um sentimento de superioridade.
Pare de brigar com Deus: Em vez de questionar a soberania de Deus, descanse nela. Confie que o Juiz de toda a terra age com justiça e amor. A verdadeira paz vem quando nos rendemos ao seu direito de ser Deus.
Foque na promessa, não no mistério: Não se perca tentando desvendar quem são os "eleitos". Foque na promessa clara: "todo aquele que pede, recebe; quem busca, encontra; e a quem bate, a porta será aberta". Se você tem o desejo de buscar a Deus, esse desejo já é um sinal da graça dele agindo em você. Corra para ele!
Conclusão
Para alguns, tudo isso pode parecer bobagem, fanatismo. Falar em "manifestações de Cristo" soa como algo místico e irreal. Se você pensa assim, você apenas prova a verdade do texto: ele não se manifesta ao mundo. E você está se identificando como parte do mundo que não o conhece.
Cuidado. Se a primeira vez que você tiver uma revelação clara de Cristo for no dia do juízo, quando ele se manifestar em chamas de fogo para julgar o mundo, será tarde demais. É melhor que ele se revele a você em misericórdia hoje, do que em justiça naquele dia.
Para você, cristão, que talvez tenha vivido uma fé morna, distante, saiba que existe muito mais. Deus tem para você montanhas de comunhão para escalar, onde a vista do céu é clara e o ar é puro. Não se contente em viver no vale do desânimo quando você pode morar nos "montes deliciosos" da presença dele.
Busque-o. Peça por essas manifestações. Dedique sua vida ao serviço dele. E prepare-se para conhecer Jesus de uma forma tão íntima e real que sua vida nunca mais será a mesma.
Que Deus nos abençoe e nos conduza constantemente a essas experiências de sua maravilhosa presença.
Adaptado do sermão "Christ Manifesting Himself to His People", pregado por C. H. Spurgeon em 10 de junho de 1855, em New Park Street Chapel, Southwark.
