Suas defesas podem ser seu maior perigo: por que Deus ataca as falsas muralhas que construímos — Sermão sobre Jeremias 5.10

Jeremias 5.10

Introdução

Nossa cultura é obcecada com a linguagem da vitória. Falamos em "conquistar" nossos objetivos, "derrubar" a concorrência e "vencer" na vida. Celebramos o sucesso, muitas vezes sem pensar no custo real por trás dele. Mas, se pudéssemos ver o que uma verdadeira batalha implica — a destruição, a dor, o sofrimento humano —, talvez fôssemos mais sóbrios em nossas comemorações.

A morte de um adversário, seja em uma guerra ou no mundo corporativo, nunca deveria ser motivo de alegria pura para um cristão. 

Afinal, somos todos feitos da mesma carne, criados pela mesma mão. Jesus nos ensina a amar até mesmo nossos inimigos. A alegria cristã não está na derrota do outro, mas na esperança da paz e da restauração.

Dito isso, hoje não vamos falar de batalhas terrenas, mas de um tipo muito diferente de cerco, um cerco espiritual. No livro de Jeremias, o povo de Deus, Jerusalém, havia se rebelado.

Eles abandonaram o Senhor e construíram suas próprias defesas: alianças com outras nações, confiança em sua própria força e adoração a deuses falsos.

Em resposta, Deus convoca um exército inimigo, os babilônios, e lhes dá uma ordem surpreendente: "Subi aos seus muros e destruí-os, mas não façais uma destruição total; tirai os seus baluartes, porque não são do SENHOR."

Deus estava usando o inimigo para disciplinar seu próprio povo. Ele ordenou um ataque, não para aniquilá-los, mas para destruir as falsas seguranças em que eles confiavam. O objetivo era forçá-los a voltar a confiar unicamente nele. Hoje, vamos aplicar esta poderosa imagem a quatro áreas de nossas vidas.

1. As muralhas da igreja

A igreja de Cristo, ao longo da história, tem uma triste tendência de construir muralhas que não foram ordenadas por Deus. Em vez de confiar puramente no poder do Senhor, buscamos seguranças terrenas que ele abomina.

A muralha do poder político

A igreja primitiva era perseguida e pura. Mas quando o imperador romano Constantino se "converteu" e uniu a Igreja ao Estado, ele ofereceu uma muralha de proteção e poder. 

A igreja aceitou, e o resultado foi a corrupção, a perda da pureza e a transformação do cristianismo em uma instituição política. Deus está, ao longo da história, permitindo que os inimigos da fé ataquem essa muralha, pois ela não é do Senhor.

Ainda hoje, igrejas e denominações buscam relevância e segurança ao se aliar com governos e partidos políticos. Confiam mais em leis e decretos do que na pregação do evangelho. Mas o Reino de Cristo não é deste mundo. Sempre que a igreja se apoia no poder secular, Deus permite que crises e escândalos abalem essa estrutura, para nos lembrar que nossa única defesa é ele.

A muralha da riqueza e do status

Existem igrejas que medem sua força pelo poder aquisitivo de seus membros. Tornam-se clubes sociais "respeitáveis", onde o networking é mais importante que a oração. A confiança não está no Espírito Santo para suprir as necessidades, mas na conta bancária dos doadores mais generosos.

Elas se orgulham de sua influência e de seus templos suntuosos. Mas quando uma igreja começa a adorar o bezerro de ouro, Deus envia a ordem: "Tirem os seus baluartes". Ele permite uma crise financeira, uma divisão interna ou a perda de relevância para humilhar essa congregação e lembrá-la de que "maldito o homem que confia no homem".

A muralha da sofisticação intelectual

Outras igrejas confiam na erudição de seus líderes. O pastor tem múltiplos diplomas, a teologia é complexa, os sermões são academicamente impecáveis. A confiança está na argumentação e na filosofia humana, não no poder simples do evangelho.

A sabedoria e o conhecimento são dons de Deus e devem ser usados para sua glória. Mas quando se tornam a muralha principal, quando o orgulho intelectual substitui a dependência do Espírito, Deus permite que essa muralha seja abalada. Ele levanta pregadores simples e improváveis para confundir os sábios e mostra que a fé do seu povo não se baseia em sabedoria humana, mas no poder de Deus.

A muralha do evangelho "light"

Talvez a muralha mais comum hoje seja a da "extrema cautela". É a muralha construída pelo medo de ofender. Pastores e igrejas evitam pregar as doutrinas difíceis da Bíblia — o juízo de Deus, a soberania divina, a necessidade de arrependimento, a realidade do inferno. Falam apenas de amor e aceitação, removendo as "arestas" do evangelho para torná-lo mais palatável.

Essa muralha de cautela pode garantir igrejas cheias, mas de pessoas não confrontadas e não transformadas. Deus odeia essa muralha. Ele enviará provações e perseguições para forçar a igreja a redescobrir a verdade completa e a confiar no poder do evangelho puro, não em estratégias de marketing.

Aplicação Prática

  • Examine sua igreja: Em que sua comunidade confia mais? No poder de Deus ou em estratégias humanas, influência política, recursos financeiros ou popularidade?
  • Ore por coragem: Peça a Deus que dê aos líderes de sua igreja a coragem de derrubar qualquer falsa muralha e de confiar unicamente no evangelho e no poder do Espírito Santo.
  • Seja um agente de mudança: Promova uma cultura de oração e dependência em sua igreja, em vez de uma cultura de autossuficiência e entretenimento.

2. As muralhas do cristão individual

Assim como a igreja, nós, como indivíduos, também construímos nossas próprias muralhas. Colocamos nossa esperança e segurança em coisas que não são o Senhor.

A muralha dos relacionamentos

Nossa felicidade deveria estar somente em Deus. Mas como somos inclinados a transformar pessoas em ídolos! Um pai faz de seu filho o centro de seu universo. Uma esposa deposita toda a sua segurança emocional em seu marido. Um amigo se torna nossa fonte indispensável de consolo e conselho.

Não há nada de errado em amar profundamente. O problema é quando esse amor se torna idolatria, quando a criatura toma o lugar do Criador em nosso coração. Quando isso acontece, Deus, em sua misericórdia ciumenta, envia a ordem: "Ataquem. Tirem esse baluarte, pois não é meu".

É por isso que, às vezes, Deus permite a doença, a distância, o conflito ou até a morte. Não por crueldade, mas para destruir a muralha em que confiávamos e nos forçar a voltar para ele como nossa única fonte. É doloroso, mas note a promessa: "não façais uma destruição total". Ele nos abala, mas não nos aniquila.

A muralha das memórias espirituais

Muitas vezes, vivemos do nosso passado espiritual. Lembramos com orgulho daquela grande vitória sobre a tentação, daquele período de fervor, da nossa conversão dramática. E, sutilmente, nossa confiança se move de Cristo para a nossa experiência com Cristo.

Deixamos de buscar a Deus diariamente porque estamos satisfeitos com o que ele fez por nós anos atrás. Vivemos de "maná velho". 

Quando isso acontece, Deus diz aos nossos inimigos espirituais — dúvidas, medos, fraquezas — "Subam aos muros dele. Tirem seus baluartes". Ele permite que nossa segurança seja abalada para nos mostrar que a fé de ontem não é suficiente para a batalha de hoje. Precisamos dele, fresco, a cada manhã.

A muralha das boas obras

A autossuficiência espiritual é talvez a muralha mais perigosa. Olhamos para nosso serviço na igreja, nossa disciplina de oração, nossa generosidade e pensamos: "Eu devo estar bem com Deus. Olhe para o meu currículo espiritual". Começamos a confiar em nossa justiça própria em vez da justiça de Cristo.

Quando essa muralha se ergue, Deus muitas vezes permite que caiamos em pecado ou que passemos por um deserto espiritual. Por quê? Para nos humilhar. Para nos quebrar e nos levar de volta à única base segura: a cruz. Para nos fazer orar novamente: "Nada em minhas mãos eu trago; simplesmente à tua cruz me apego".

Aplicação Prática

  • Identifique seus ídolos: O que ou quem se tornou uma muralha em sua vida, ocupando o lugar de confiança que pertence somente a Deus? Peça a Deus a força para derrubá-la.
  • Busque a Deus hoje: Não viva das experiências de ontem. Separe um tempo hoje para uma nova busca, uma nova entrega, uma nova experiência com o Deus vivo.
  • Celebre sua fraqueza: Quando você se sentir fraco e inadequado, agradeça a Deus. É nesse ponto que a muralha da autossuficiência desmorona e o poder de Cristo pode repousar sobre você.

3. As muralhas do novo convertido

O processo de conversão é, em si, um ato de Deus derrubando uma série de muralhas que construímos ao redor de nosso coração.

A muralha da indiferença

A primeira e mais externa muralha é a do coração endurecido. Pregamos a lei, o evangelho, o amor de Cristo, mas as palavras batem nessa parede e caem no chão. A pessoa vive em uma indiferença blindada. 

Até que Deus, em sua graça, dá a ordem: "Tirem esse baluarte". E, de repente, o coração de pedra se torna um coração de carne. A pessoa que antes zombava, agora chora. A Palavra, que antes era barulho, agora penetra. A primeira muralha caiu.

A muralha da justiça própria

Mas a cidade ainda não foi tomada. Logo atrás da indiferença, ergue-se a muralha do "eu sou uma boa pessoa". É especialmente forte em quem cresceu na igreja ou tem uma moralidade exemplar. A pessoa concorda que é pecadora, mas não *sente* isso.

Ela se compara aos outros e se acha superior. Para derrubar essa muralha, é preciso a artilharia pesada da Palavra, mostrando que, diante de um Deus santo, "todos os nossos atos de justiça são como trapo de imundícia".

A muralha da autossuficiência

Quando a justiça própria finalmente desmorona, uma última muralha aparece: "Ok, eu sou um pecador, mas *eu vou consertar isso*". 

A pessoa tenta se salvar por sua própria força. Ela decide que vai "crer mais", "se arrepender mais", "se esforçar mais". A salvação ainda é uma obra, com a fé sendo apenas mais uma tarefa a ser cumprida.

Essa é a muralha final do orgulho humano. E Deus precisa destruí-la, mostrando-nos que somos não apenas pecadores, mas *mortos* em nossos pecados. Que a fé e o arrependimento não são obras que fazemos para Deus, mas dons que recebemos dele. Quando essa última muralha cai, a alma se encontra nua e indefesa, pronta para se render incondicionalmente à misericórdia soberana de Deus.

4. As muralhas do ímpio no juízo final

Para os que se recusam a se render, suas muralhas permanecem intactas nesta vida, apenas para serem obliteradas no Dia do Juízo. Nesse dia, a ordem de Deus será diferente: "Façam uma destruição total".

A muralha da "misericórdia barata" — a ideia de que "Deus é amor e não vai condenar ninguém" — será pulverizada pela santidade de um Deus que declara: "Sem santidade ninguém verá o Senhor".

A muralha da "religiosidade" — a confiança em batismos, cerimônias e frequência à igreja — será demolida pela Palavra que diz: "Muitos me dirão naquele dia: 'Senhor, Senhor!'... e então lhes direi abertamente: 'Nunca vos conheci'".

Imagine o terror de estar diante do Juiz de toda a terra e ver cada defesa, cada desculpa, cada falsa segurança em que você confiou a vida inteira ser aniquilada em um instante. Não haverá onde se esconder quando a ira de Deus for como uma tempestade contra o muro.

Conclusão: a única muralha que permanece

Qual é a nossa esperança, então? A esperança do cristão é que nossas muralhas podem ser destruídas, mas a nossa fortaleza não. Nossas defesas são falsas, mas nossa salvação é real.

As muralhas do cristão são diferentes, pois "são do Senhor". Nossa defesa é o amor eletivo do Pai. Nossa muralha é o sangue redentor de Jesus Cristo. Nossos baluartes são as promessas imutáveis de um Deus que não pode mentir. Confiamos na obra do Espírito Santo, que nos guarda até o fim.

Nesta fortaleza, podemos rir de nossos inimigos. Nossas dúvidas e medos se quebram contra essas muralhas eternas. Nenhuma tentação, nenhuma falha, nenhum poder no céu ou na terra pode nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus.

Portanto, confie nessas muralhas divinas. Mas cuidado para não acrescentar seus próprios tijolos de orgulho ou autossuficiência. Pois se você o fizer, a ordem virá do céu: "Tirem os seus baluartes, pois não são do Senhor".


Adaptado do sermão "Storming the Battlements" (Tomando as Muralhas), pregado por C. H. Spurgeon em 16 de setembro de 1855, na New Park Street Chapel, Southwark, Londres.

Semeando Vida

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