Gênesis 49.23-24
Introdução
Deve ter sido uma cena magnífica: o velho Jacó, de cabelos brancos, sentado em sua cama para dar sua bênção final a seus doze filhos. Ele foi um homem notável em muitos momentos de sua vida, mas sua cena final foi a melhor.
Como o sol ao se pôr, ele parecia ainda mais brilhante, tingindo as nuvens de sua fraqueza com a glória da graça que havia dentro dele. Enquanto abençoava seus filhos, ele cantava sobre o amor, a misericórdia e a bondade de Deus.
Quando chegou a vez de José, imagino as lágrimas escorrendo pelo rosto do velho patriarca. Ali estava José, com os olhos de sua mãe Raquel, a esposa tão amada. Jacó o amava pela lembrança de sua mãe, mas também por causa de seus sofrimentos.
Ele se lembrava de como José foi vendido para o Egito, de suas provações na prisão e de sua ascensão como príncipe. Agora, com o coração cheio, como um rio que encontra o mar, a glória do céu se uniu à emoção de seus sentimentos terrenos, e ele cantou:
“José é um ramo frutífero, ramo frutífero junto a uma fonte; seus ramos correm sobre o muro. Os arqueiros lhe amarguraram a vida, e o flecharam, e o odiaram.
O seu arco, porém, permaneceu firme, e os braços de suas mãos foram fortalecidos pelas mãos do Deus poderoso de Jacó (de onde é o pastor e a pedra de Israel).”
José já morreu, mas o Senhor ainda tem seus "Josés" hoje. Existem pessoas que entendem por experiência própria o significado desta passagem. Elas sabem o que é ser alvo dos arqueiros e, ainda assim, permanecer firmes, fortalecidos pelo Deus de Jacó.
Temos quatro pontos a considerar: primeiro, o ataque cruel; segundo, o guerreiro protegido; terceiro, sua força secreta; e quarto, o glorioso paralelo entre José e Cristo.
1. O ataque cruel
“Os arqueiros lhe amarguraram a vida”. Os inimigos de José eram arqueiros, homens habilidosos com o arco e flecha. Há algo de covarde no ataque de um arqueiro. Ele se esconde, ataca à distância, e antes que você perceba, a flecha chega zunindo e o atinge. Assim são os inimigos do povo de Deus.
Eles raramente nos enfrentam cara a cara. Atacam de longe, com palavras e ações covardes. Quais foram os arqueiros que atacaram José? Foram três: a inveja, a tentação e a calúnia.
Os arqueiros da inveja
Quando menino, José era amado por seu pai. Era um jovem bonito, inteligente e, acima de tudo, temente a Deus. O pai, em seu afeto, deu-lhe uma túnica colorida, tratando-o melhor que os outros — uma atitude imprudente, que despertou o ódio de seus irmãos.
Eles o ridicularizavam, o tratavam como escravo. Um dia, planejaram matá-lo, mas acabaram vendendo-o como escravo. Imagine a agonia de José: separado de seu pai, traído por seus irmãos, sem amigos, acorrentado e levado por estranhos para um futuro incerto.
Meus irmãos, se vocês são os "Josés" do Senhor, esperam escapar da inveja? Eu lhes digo que não. A inveja vive em todos os lugares, inclusive dentro da igreja de Deus. E ser invejado pelos próprios irmãos é o mais difícil de suportar.
Se o diabo nos odeia, nós aguentamos. Se os inimigos da verdade falam mal de nós, nos preparamos para a batalha. Mas quando amigos de dentro da igreja nos caluniam, quando irmãos que deveriam nos apoiar se tornam nossos inimigos, então entendemos o que diz a passagem: "Os arqueiros lhe amarguraram a vida".
A fruta mais madura é a mais bicada pelos pássaros. Quanto melhor você for, mais será odiado por alguns. Mas não se preocupe com o que os homens dizem. Se Deus o ama, o mundo o odiará. Se Deus o honra, os homens o desonrarão.
Os arqueiros da tentação
Um desafio ainda pior o aguardava. Vendido a um mestre que logo reconheceu seu valor, José se tornou o administrador da casa. A esposa de seu mestre, uma mulher leviana, fixou seus olhos nele. Dia após dia, ela o assediava com propostas indecentes.
Ele a recusava constantemente, suportando um verdadeiro martírio sob o fogo lento de suas seduções. Em um dia crucial, ela o agarrou, tentando forçá-lo ao pecado. Mas ele, como o verdadeiro herói que era, disse: “Como, pois, faria eu este grande mal e pecaria contra Deus?”.
Como um guerreiro sábio, ele sabia que, em tal caso, fugir era a melhor forma de coragem. Ele fugiu, deixando sua túnica para trás. Em todos os anais do heroísmo, não há ato que supere este.
Ele tinha a oportunidade e a pressão para pecar. Ele poderia ter pensado: "Se eu ceder, terei uma vida de prazer e riqueza. Se eu resistir, serei jogado na prisão".
Havia um poder imenso em seu coração que o fez recuar com nojo e temor, dizendo: "Como eu posso... pecar contra Deus?". Os arqueiros o afligiram duramente, mas seu arco permaneceu firme.
Os arqueiros da calúnia
Então, outro exército de arqueiros o atacou: a calúnia maliciosa. Vendo que ele não cederia, sua senhora o acusou falsamente para seu marido. E ele foi jogado na prisão. Seu caráter foi arruinado aos olhos dos homens.
Ser caluniado é uma das dores mais difíceis de suportar. O coração de muitos homens já foi quebrado por isso. Ó filho de Deus, você espera escapar desses arqueiros? O servo não é maior que o seu Senhor. Assim como caluniaram a Cristo, também caluniarão a você.
Eles não disseram coisas piores de nós do que disseram de nosso Mestre. Eles nos chamaram de loucos; também chamaram a Paulo. Se servir a Deus é loucura, então escolhemos não ser sábios. Não vemos sabedoria em preferir o inferno. Se servir a Deus é ser vil, pretendemos ser ainda mais vis.
Aplicação Prática
- Identifique os arqueiros: Quais são as flechas que mais o atingem hoje? A inveja de um colega? A tentação de um atalho imoral? A calúnia de alguém que quer prejudicá-lo? Reconhecer o ataque é o primeiro passo para se defender.
- Espere pelo ataque: Não se surpreenda quando a inveja, a tentação e a calúnia surgirem. Elas fazem parte do caminho cristão. A surpresa nos torna vulneráveis; a expectativa nos prepara.
- Lembre-se do seu "porquê": A força de José para resistir veio de sua lealdade a Deus ("como pecaria eu contra Deus?"). Qual é o seu "porquê"? Lembre-se de sua aliança com Cristo quando as flechas voarem.
2. O guerreiro protegido
Vimos os arqueiros em ação. Agora, vamos observar o guerreiro protegido. O que ele está fazendo? "O seu arco, porém, permaneceu firme".
Primeiro, notamos que ele também tinha um arco. Ele poderia ter retaliado se quisesse, mas permaneceu quieto.
Ele poderia ter lançado suas flechas com muito mais precisão, mas ele manteve a calma. Ele parecia dizer: "Podem atirar. Esgotem suas flechas. Estou aqui, em repouso seguro. Meu arco permanece firme. Tenho um trabalho mais importante a fazer do que atirar em vocês".
Seu arco "permaneceu". Ele não se agitava. A lua para seu curso para dar atenção a cada cão que late para ela? O leão se desvia para atacar cada vira-lata que ladra para ele? Não. O universo de Deus segue seu curso, indiferente à oposição humana. Meu irmão, deixe seu arco "permanecer". Não tenha pressa em se defender. Deus cuidará de você.
Mas seu arco permaneceu "firme". Ele estava quieto não porque estivesse quebrado. Sua castidade era seu arco, e ele não a perdeu. Sua fé era seu arco, e ela não cedeu. Sua coragem era seu arco, e ela não falhou. Sua integridade era seu arco, e ele não a descartou.
Não se preocupe em perder sua reputação por causa da calúnia. É fácil espalhar uma mentira, mas é como soprar uma pluma contra uma muralha.
Não causa dano real. Não tema, cristão. Deixe a inveja e a calúnia atacarem; seu arco permanecerá firme. Como a águia em seu ninho no alto, olhe para os caçadores lá embaixo e diga: "Suas flechas não me alcançarão".
Aplicação Prática
- Escolha suas batalhas: Nem toda provocação merece uma resposta. Aprenda a discernir quando lutar e quando simplesmente descansar na proteção de Deus, deixando que Ele seja seu defensor.
- Mantenha sua arma pronta: O arco de José era sua integridade, sua fé, sua coragem. Quais são as "armas" espirituais que você precisa manter afiadas e prontas para o combate? (Efésios 6)
- Não reaja, aja: A quietude de José não era passividade, mas confiança. Em vez de reagir com raiva ou medo, aja com base na sua fé, mantendo-se fiel ao seu chamado, independentemente das circunstâncias.
3. Sua força secreta
“Os braços de suas mãos foram fortalecidos pelas mãos do Deus poderoso de Jacó”.
Primeiro, sua força era real. Não era apenas poder nas mãos, mas nos "braços de suas mãos". Era potência verdadeira, músculo, nervo. Não era uma bravura fingida, mas força de verdade. A força que Deus dá aos seus "Josés" é real e substancial.
Segundo, sua força era divina. "Seus braços foram fortalecidos por Deus". Por que um ministro prega com poder? Porque Deus o capacita. Por que José resistiu à tentação? Porque Deus o ajudou. Toda a nossa força espiritual vem do Pai das luzes.
Terceiro, Deus dá essa força de uma maneira pessoal e íntima. O texto diz "pelas mãos do Deus poderoso". É como se Deus colocasse suas mãos sobre as mãos de José, seus braços sobre os braços de José. Como um pai que ensina seu filho a atirar com o arco, segurando suas mãos e guiando o movimento.
Que condescendência maravilhosa! O Deus Todo-Poderoso se inclina de seu trono e coloca sua mão sobre a mão de seu filho para fortalecê-lo.
Por fim, essa força era uma força da aliança. Sempre que a Bíblia fala do "Deus de Jacó", refere-se à aliança de Deus. Todo poder, graça e bênção que recebemos vêm através da aliança eterna que Deus fez em Cristo. Nossas forças vêm das promessas dessa aliança.
Aplicação Prática
- Reconheça sua fraqueza: A força de Deus se aperfeiçoa em nossa fraqueza. Pare de tentar lutar com suas próprias forças e admita sua total dependência de Deus.
- Busque o toque de Deus: A imagem de Deus colocando as mãos sobre as nossas é um convite à intimidade. Busque-o em oração, peça seu toque, sua orientação e seu fortalecimento direto.
- Apegue-se às promessas: Quando se sentir fraco, mergulhe nas promessas da aliança de Deus na Bíblia. Elas são a fonte da sua força.
4. O paralelo glorioso
Cristão, você sabe que, em tudo isso, você se parece com seu Mestre? Este é nosso último ponto, um paralelo glorioso. O texto diz: “de onde é o pastor e a pedra de Israel”. Jesus Cristo, o Pastor e a Pedra, passou por provações semelhantes. Ele também foi atacado pelos arqueiros, mas seu arco permaneceu firme, e agora toda bênção repousa sobre ele.
Cristo veio ao mundo como um pastor. Os líderes religiosos de sua época, sentindo-se ameaçados, atiraram nele com toda a sua fúria. E o povo?
Era um rebanho instável, facilmente influenciado. Foram os "pastores" de Israel que odiaram o verdadeiro Pastor, pois ele expôs a hipocrisia deles. Mas o Pastor de Israel perseverou. Ele ajuntou suas ovelhas e hoje é reconhecido como o grande Pastor, que nos guiará ao céu.
O texto também chama Cristo de a pedra de Israel. Diz uma antiga lenda judaica que, durante a construção do templo de Salomão, havia uma pedra de formato estranho que os construtores rejeitaram. Eles tentaram encaixá-la em vários lugares, mas não servia. Então, a jogaram de lado.
Anos se passaram, e a pedra ficou coberta de musgo. No dia da conclusão do templo, os construtores perceberam que faltava a pedra principal, a pedra de remate. Alguém sugeriu: "Talvez aquela pedra rejeitada seja a que precisamos". Eles a levaram para o topo, e ela se encaixou perfeitamente. A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular.
Assim é com Jesus Cristo. Os construtores o rejeitaram. Ele era de origem humilde, amigo de pecadores. Mas quando Deus reunir todas as coisas, Cristo será a gloriosa consumação de tudo. Ele reinará para sempre, exaltado e honrado. A pedra rejeitada é agora a pedra principal.
Portanto, não tema, cristão. Encoraje-se. Se o seu Mestre passou por tudo isso, você também passará, e pela mesma força, você também vencerá.
Adaptado do sermão "Joseph Attacked by the Archers", pregado por C. H. Spurgeon em 1 de abril de 1855, no Exeter Hall, Strand.
