Por que você ainda está aqui?: as 3 razões divinas para Jesus não nos levar direto para o céu — Sermão sobre João 17.15

João 17.15

“Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.”

Introdução

Esta oração de Jesus é um tesouro para todo crente, pois cada um de nós tem uma parte nela. Quando ouvimos essas palavras, precisamos lembrar que Jesus está orando por nós. Por mais fracos, pobres ou vacilantes que sejamos, nossos nomes estão gravados em seu coração.

Às vezes, quando vemos alguém se converter, um pensamento nos ocorre: não seria melhor se Deus o levasse diretamente para o céu? 

Não seria mais seguro arrancar essa planta jovem do solo frio deste mundo e transplantá-la para o jardim celestial, onde ela poderia florescer em paz para sempre?

É uma ideia tentadora. Queremos a coroa sem a cruz, a vitória sem a batalha. Mas Jesus pensa diferente. Ele olha para seus discípulos, recém-convertidos, frágeis, e faz uma oração surpreendente: “Pai, não peço que os tires do mundo”.

Por quê? Por que somos deixados aqui, neste lugar de provas, tentações e dores? É o que vamos explorar. Nossa jornada se dividirá em duas partes. Primeiro, vamos entender a oração negativa de Jesus: por que ele não nos leva embora. Em segundo lugar, veremos as lições práticas que aprendemos com isso.

1. Por que Jesus não nos leva embora?

Quando Jesus ora para que não sejamos “tirados do mundo”, ele está se referindo a duas coisas: não através do isolamento e não através da morte prematura.

Alguns, ao longo da história, pensaram que a melhor maneira de servir a Deus era se isolar do mundo. Eremitas, monges e freiras se retiravam para desertos e mosteiros, acreditando que a solidão os protegeria do pecado. Eles pensavam que se contaminariam ao se misturar com a humanidade.

Hoje, sabemos que essa ideia é falha. O isolamento não é o caminho para servir a Deus. Pode ser um caminho para servir a si mesmo, envolvendo-se em um manto de falsa santidade, mas nos impede de cumprir a segunda parte da grande lei: amar o nosso próximo. 

Como podemos curar os feridos, buscar os perdidos e ganhar almas para Cristo se estivermos escondidos em uma caverna?

O mal não está do lado de fora; ele brota do nosso próprio coração. Podemos nos trancar em uma cela, mas levaremos nosso coração pecador conosco. Ouvi a história de um homem que, para evitar o pecado, levou pão e água para uma cabana isolada. 

Minutos depois, ele acidentalmente derrubou seu cântaro de água e soltou uma palavra de raiva. Ele então percebeu: “Vejo que é possível perder a paciência mesmo estando sozinho”, e voltou a viver entre as pessoas.

Mas o sentido principal da oração de Jesus é que ele não pede que sejamos levados pela morte. Quantas vezes, cansados da jornada, oramos como o salmista: “Quem me dera ter asas como de pomba! Voaria e encontraria repouso”. Mas Jesus não ora assim. Ele não pede nossa remoção imediata, mas nos deixa aqui por razões muito importantes.

As razões para permanecermos

1. É para o nosso próprio bem.

Pode parecer estranho, mas ficar aqui por mais um tempo, enfrentando dificuldades, tornará o céu ainda mais doce. O descanso é mais saboroso após o trabalho árduo. A segurança é mais preciosa após uma longa exposição ao perigo. O céu será ainda mais glorioso por ter sido precedido por lágrimas e lutas.

Quanto mais fundo bebermos do cálice do sofrimento aqui, mais doces serão os goles de glória que receberemos lá. As cicatrizes que ganhamos na batalha aqui se tornarão medalhas de honra no céu. Não teríamos histórias de livramento para contar, nem hinos de gratidão para cantar, se não tivéssemos passado por nada.

Além disso, é aqui que experimentamos a comunhão com Cristo em seus sofrimentos. Nunca conheceríamos o amor de Jesus de forma tão profunda se não passássemos por tempestades. Como é doce sentir o abraço do Salvador quando todos os outros amigos nos abandonam!

2. É para o bem dos outros.

A razão principal pela qual não morremos no momento da conversão é que Deus pretende nos usar para salvar outros. Você realmente desejaria ir para o céu se soubesse que há uma alma que Deus planejou salvar através de você?

Cristão, permaneça aqui. Há uma brasa a ser tirada do fogo, um pecador a ser resgatado. E talvez esse pecador seja seu filho, seu cônjuge, seu colega de trabalho. Talvez, viúva, você ainda esteja aqui porque aquele filho rebelde ainda não foi salvo, e Deus a designou como o instrumento para trazê-lo para casa. Pelo amor que você tem por ele, certamente vale a pena esperar um pouco mais.

3. É para a glória de Deus.

Um santo provado traz mais glória a Deus do que um que nunca foi provado. Um crente na prisão reflete mais a glória do seu Mestre do que um crente no paraíso. Uma criança de Deus na fornalha ardente, saindo sem cheiro de fumaça, demonstra mais o poder de Deus do que um anjo diante do trono.

Nada honra mais um artesão do que ver sua obra resistir a um teste rigoroso. Assim é com Deus. Ele é honrado quando seus santos, em meio às provações, mantêm a integridade. 

Pedro glorificou mais a Cristo ao andar sobre as águas do que quando estava em terra firme. É nas dificuldades que o poder de Deus se manifesta em nós.

Aplicação Prática

  • Pare de sonhar com uma “bolha cristã”. A vontade de Jesus não é que nos isolemos, mas que nos engajemos. Em vez de fugir de colegas de trabalho difíceis ou de uma cultura hostil, pergunte: “Senhor, como posso ser luz *aqui*?”.
  • Reenquadre seu sofrimento. Em vez de ver suas provações apenas como obstáculos, comece a vê-las como oportunidades: oportunidade de aprofundar sua fé, de testemunhar do poder de Deus e de armazenar um tesouro de gratidão para a eternidade.
  • Lembre-se da sua missão. Sua presença neste mundo não é um acidente. Há pessoas em sua vida que Deus quer alcançar através de você. Quem são elas? Ore por elas e esteja pronto para ser usado.

2. Lições práticas que aprendemos com isso

A oração de Jesus nos ensina algumas lições práticas muito importantes sobre como devemos encarar nossa vida aqui na terra.

Primeiro, viver para Cristo é mais importante do que morrer em paz. As pessoas têm uma curiosa obsessão com a morte. Quando alguém morre, a primeira pergunta costuma ser: “Como ele morreu?”. Deveria ser: “Como ele viveu?”. Damos muito valor a uma morte tranquila, sem dor, e muitas vezes a usamos como um falso sinal de que “estava tudo bem com Deus”.

Mas muitos dos homens mais perversos têm uma morte fácil, simplesmente porque seus corpos, desgastados pelo vício, não têm mais forças para lutar. Eles morrem como cordeiros, mas acordam para a destruição. A grande evidência da nossa fé não é como morremos, mas como vivemos cada dia.

Segundo, não devemos pedir para morrer por impaciência. Quantos cristãos, ao primeiro sinal de problema, querem desistir. “Ah, estou cansado, quero ir para casa”. Eles dizem que é porque anseiam estar com o Senhor, mas, na verdade, é porque querem fugir das dificuldades. Eles não desejavam partir quando tudo ia bem. São como trabalhadores preguiçosos que, ao verem o trabalho pesado, pedem para ir embora mais cedo.

Jesus não apoia essa petição. Em vez de desejar fugir da batalha, arme-se em nome do Senhor. Cada desejo de escapar é uma forma de deserção. Você só será dispensado quando voltar como um vitorioso.

Terceiro, devemos usar nosso tempo no mundo para o bem. Talvez você pense: “Ah, que pena que o domingo acabou. Tenho que voltar para o trabalho. Queria que fosse sempre domingo”. Mas ouça Jesus: “Não peço que os tires do mundo”. Ele o mantém aqui com um propósito.

Até mesmo a visão do pecado ao nosso redor pode nos santificar. Ela nos ensina humildade, pois nos lembra que só a graça nos impede de cometer os mesmos erros. Ela nos enche de gratidão, pois vemos o mal do qual fomos libertados.

Lembre-se de atacar o inimigo em cada oportunidade. Em seus negócios, deixe escapar uma palavra de sabedoria. Em uma conversa, direcione o assunto para o céu. Não se trata de ser inoportuno ou de usar a religião como uma ferramenta de marketing. Trata-se de estar atento e pronto.

Mais do que tudo, mantenha um fogo contínuo contra o inimigo através de uma vida santa. Nada reprova mais o pecado do que a sua santidade. Se você não consegue dizer a uma vara que ela está torta, coloque uma vara reta ao lado dela, e a verdade se tornará óbvia. Coloque sua pureza ao lado da impureza, e ela será eficazmente repreendida.

Aplicação Prática

  • Concentre-se em como você vive, não em como vai morrer. Troque a preocupação com o fim da vida pela dedicação em viver cada dia para a glória de Deus. Sua vida hoje é o testemunho mais importante.
  • Não desista da batalha. Sentindo-se esgotado no seu ministério, na criação dos seus filhos ou no seu trabalho? Lembre-se de que você está exatamente onde Cristo orou para que você estivesse. Peça forças para continuar, não um atalho para sair.
  • Seja um evangelista sábio, não irritante. A santidade de sua vida abre a porta para que suas palavras sejam ouvidas. Viva de tal maneira que as pessoas perguntem a razão da sua esperança.

Conclusão: Aos que estão no mundo, mas sem Cristo

Para alguns aqui, que vivem de forma tão perversa, que endureceram tanto o coração, eu poderia quase pensar que seria uma misericórdia se fossem tirados do mundo. Eles não apenas se destroem, mas levam outros para o mesmo caminho, como uma árvore venenosa que contamina tudo ao seu redor.

Você é um deles? Você não presta nenhum serviço a Deus, apenas ocupa espaço, impedindo que outros cresçam. Sua família está sendo destruída pelo seu exemplo. E ainda assim, você é poupado. Por quê? Porque Jesus ora: “Não peço que os tires do mundo”.

A febre o derrubou, mas Cristo disse: “Poupe-o”. A doença o atacou, e Cristo intercedeu: “Ainda não”. O anjo da morte já ergueu o machado, mas Cristo pediu: “Espere. Talvez ele ainda se arrependa”. Aquele a quem você odeia o amou tanto que intercedeu por você.

Mas esse tempo extra não durará para sempre. A justiça um dia clamará: “Corte-o, pois está apenas ocupando a terra”. Você, que tem sido inútil por sessenta, setenta anos, saiba que o machado já está à raiz.

Ainda assim, talvez você sinta o peso de ser essa árvore inútil. Você reconhece que tem sido um espinheiro? Admite que Deus seria justo se o condenasse? Então venha como está e lance-se sobre Jesus. Sem obras, sem méritos.

Havia um homem simples que era um grande pecador, mas ouviu alguém cantar: “Sou um pobre pecador, e nada mais; mas Jesus Cristo é meu tudo”. 

Ele repetiu essas palavras, confiou no Salvador e foi transformado. Quando questionado sobre sua alegria constante, ele sempre respondia com a mesma canção. Quando duvidava, ele cantava. Quando se sentia fraco, ele cantava.

Há alguém aqui que pode dizer a primeira linha? “Eu sou um pobre pecador, e nada mais”. Se você pode dizer isso, não tenha medo de dizer a segunda. Se você sente que é pecador, que é nada, então Jesus Cristo está disposto a ser o seu tudo. Você não precisa ter nada de bom. Apenas reconheça que não tem nada, e ele lhe dará tudo.

Existem apenas três passos: o primeiro é sair de si mesmo. O segundo é pisar em Jesus. O terceiro é entrar no céu. Se você já deu o primeiro passo, reconhecendo seu estado, tenho certeza de que dará os outros. Não duvide do poder do meu Mestre. Toque na orla de suas vestes, e você será curado.


Adaptado do sermão "Christ's Prayer for His People" (Nº 47), pregado por C. H. Spurgeon em 21 de outubro de 1855, no New Park Street Chapel, Southwark, Londres.

Semeando Vida

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