O perfume que divide o mundo: por que o evangelho é cheiro de vida para uns e de morte para outros — Sermão sobre 2 Coríntios 2.15-16

2 Coríntios 2:15-16

Nestas palavras, o apóstolo Paulo fala em nome de todos que são chamados por Deus para pregar o evangelho. E ele começa com uma declaração de triunfo que sempre me impressiona, vinda de quem veio.

Imagine Paulo: um homem idoso, que foi açoitado, apedrejado e deixado para morrer. Um homem que enfrentou perseguições constantes. E ainda assim, no final de sua jornada, ele diz: "Graças a Deus, que sempre nos conduz vitoriosamente em Cristo".

Triunfar no naufrágio. Triunfar na prisão. Triunfar sob o desprezo do mundo. Se um pregador famoso hoje dissesse isso, talvez não nos impactasse tanto, pois muitos vivem com conforto e aplausos. 

Mas, vindo de Paulo, um homem tão provado, percebemos que estamos diante de um verdadeiro herói da fé.

Apesar de tudo, ele encontrava consolo em um pensamento: "Deus manifesta por nosso intermédio a fragrância do seu conhecimento em todo lugar". 

Que consolo para um servo de Deus! Saber que, através de sua vida, o perfume do conhecimento de Cristo está se espalhando.

É a partir dessa ideia que ele chega ao nosso texto, que nos revela uma verdade chocante sobre esse perfume. Vamos analisar essa passagem em três partes: primeiro, os dois efeitos opostos do evangelho; segundo, a responsabilidade do pregador; e terceiro, a seriedade dessa missão.

1. O evangelho produz efeitos opostos

É um fato estranho, mas verdadeiro: quase tudo que é bom no mundo pode, em certas circunstâncias, produzir um efeito negativo. O mesmo sol que derrete a cera, endurece o barro. A mesma chuva que faz a semente brotar, pode causar uma enchente devastadora.

O mesmo acontece com o evangelho. Embora seja a maior bênção de Deus para a humanidade, para algumas pessoas ele se torna "um cheiro de morte para morte".

A culpa, no entanto, não é do evangelho. A culpa é de quem o rejeita. O evangelho é vida para todo coração que se abre para recebê-lo. Ele só se torna morte para quem odeia a verdade e a despreza.

Um cheiro de morte para morte

Em que sentido o evangelho pode ser destrutivo para alguém? Existem três maneiras principais.

Primeiro, ele pode endurecer as pessoas em seus pecados. É uma verdade terrível que alguns dos piores pecadores são encontrados dentro da igreja. São pessoas que ouvem a Palavra, talvez até se emocionem, mas usam a graça de Deus como uma desculpa para pecar.

Elas pensam: "Deus me ama, sou salvo pela graça, então posso continuar vivendo do meu jeito". 

Já vi pessoas que se orgulhavam de conhecer as doutrinas da graça, mas cujas vidas eram uma bagunça moral. Elas pegam a verdade, que deveria libertá-las, e a transformam em uma corrente para se prenderem ainda mais ao pecado.

Se você é alguém que ama ouvir sermões, mas sua vida continua impura, saiba de uma coisa: você está se enganando. A verdade não está em você. A prova de que a graça de Deus nos alcançou é a transformação de vida. Uma árvore boa não pode dar frutos ruins.

Segundo, ele aumentará a condenação no dia do juízo. Esse pensamento me assusta, mas é bíblico. O evangelho tornará o inferno mais quente para aqueles que o rejeitaram. Por quê?

Porque pecado cometido contra a luz é muito mais grave. Uma pessoa que nunca ouviu falar de Jesus será julgada pelo que sabia. Mas você, que tem uma Bíblia, que pode ouvir pregações no seu celular, que entende o plano de salvação e mesmo assim o rejeita, peca contra uma luz imensa.

Sua condenação não será apenas por seus pecados, mas pelo fato de ter desprezado o próprio remédio. Qual será o destino daqueles que zombaram de Cristo, que caluniaram seus servos, que odiaram a sua Palavra? A própria luz que lhes foi oferecida se tornará a testemunha mais forte contra eles.

Terceiro, ele torna as pessoas mais infelizes nesta vida. O alcoólatra poderia beber com mais alegria se não ouvisse a advertência de que "os bêbados não herdarão o Reino de Deus". A pessoa que vive na imoralidade poderia aproveitar mais sua vida vazia se a Bíblia não a lembrasse de que "o salário do pecado é a morte".

A verdade de Deus coloca um gosto amargo na taça do pecado. A mensagem do evangelho é como um esqueleto no meio da festa para quem insiste em viver para si mesmo. A alegria é superficial, e no silêncio da noite, o medo da eternidade assombra a alma.

Perfume de vida para vida

Mas, graças a Deus, o evangelho tem outro poder. Ele é um perfume de vida para vida. Muitos de nós podemos olhar para trás e lembrar o exato momento em que sentimos esse perfume pela primeira vez.

Estávamos mortos em nossos pecados, indiferentes a Deus. Mas um dia, ouvimos a voz da misericórdia e algo dentro de nós despertou para a vida. 

Ah, que momento! Talvez tenha sido há poucas semanas para alguns de vocês, talvez há muitos anos. Mas a doçura daquele primeiro encontro com a graça nunca nos abandona.

E a promessa é que esse perfume não é de "vida para morte", mas de "vida para vida". Aqui, preciso reforçar um ponto vital: a vida que Deus dá é eterna.

Alguns ensinam que uma pessoa pode ser salva e depois perder a salvação. Que um filho de Deus pode voltar a ser um órfão espiritual. Que Cristo pode perdoar alguém hoje e o Pai o condenar amanhã. Que ideia terrível!

Se um único crente pudesse ir para o inferno, Cristo não seria um Salvador completo. Satanás poderia zombar dele, dizendo: "Você morreu por esta pessoa, mas não teve poder para salvá-la! Sua obra foi um fracasso!".

Isso jamais acontecerá. Jesus disse: "Eu dou aos meus ovelhas a vida ETERNA, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão". Aquele que Deus ama, ele ama até o fim. Uma vez em Cristo, para sempre em Cristo.

Aplicação prática

  • Examine o efeito do evangelho em você: Quando você ouve a Palavra, ela te deixa mais macio ou mais duro? Ela te aproxima de Cristo ou serve como uma vacina que o torna imune à verdadeira transformação?
  • Não brinque com a luz: Cada sermão que você ouve e rejeita aumenta sua responsabilidade diante de Deus. Não seja um "consumidor de conteúdo gospel" que nunca se entrega de verdade.
  • Descanse na segurança da salvação: Se você está em Cristo, sua salvação não depende do seu desempenho, mas da fidelidade dele. O perfume da vida em você nunca desaparecerá. Viva com a alegria e a confiança que vêm dessa verdade.

2. O pregador não é responsável pelo resultado

O texto nos mostra algo libertador para quem prega: “Porque para Deus somos o bom perfume de Cristo, tanto nos que são salvos como nos que perecem”.

A responsabilidade do pregador é com a mensagem, não com o resultado. Pense nos papéis que a Bíblia nos dá.

Às vezes, somos chamados de embaixadores. Um embaixador leva uma proposta de paz a uma nação em guerra. Ele argumenta, negocia e apresenta os termos. Se a proposta for rejeitada, ele não é culpado pela continuação da guerra. Ele cumpriu sua missão. Ele foi fiel.

Outras vezes, somos pescadores. Um pescador é responsável por lançar a rede no lugar certo e da maneira certa, não pela quantidade de peixes que ele pega. Ele pode trabalhar a noite inteira e não pegar nada, mas se foi diligente, o dono do barco não o culpará.

Também somos semeadores. O semeador é responsável por espalhar a semente. Se parte dela cai em solo rochoso e não brota, a culpa não é dele. Ele cumpriu seu dever. O resultado pertence a Deus.

Isso significa que, no dia do juízo, a recompensa de um servo de Deus não será medida pelo seu sucesso, mas por sua fidelidade. Um pastor fiel em uma pequena igreja no interior, que viu poucas conversões, pode receber uma honra maior do que um pregador famoso que atraiu multidões, mas não foi fiel à Palavra.

Aplicação prática

  • Para quem prega: liberte-se da tirania dos números. Sua tarefa é ser fiel à mensagem. Deixe os resultados com o Soberano do universo.
  • Para quem não prega: sua vida é uma "sementeira". Você não é responsável pela salvação dos seus filhos, amigos ou colegas de trabalho. Mas você é responsável por semear a semente do evangelho com suas palavras e, principalmente, com sua vida.
  • Alegre-se em ser usado: A maior alegria de um cristão é saber que Deus o usou como instrumento para espalhar o perfume de Cristo, independentemente de quão grande ou pequeno seja o resultado visível.

3. Pregar o evangelho é um trabalho sério e solene

Se o evangelho tem o poder de gerar vida eterna ou de aumentar a condenação, então proclamá-lo não pode ser visto como um trabalho comum ou um mero passatempo. Paulo mesmo pergunta: "E quem é suficiente para estas coisas?".

O ministério nunca pode ser rebaixado a uma profissão. Não é algo que se escolhe como se escolhe ser engenheiro ou médico. É um chamado divino. Um pregador precisa, antes de tudo, sentir esse chamado de Deus e saber que depende do poder do Espírito Santo.

Por que é tão difícil? Porque o pregador é um homem como os outros. Ele luta com o medo de ofender os ricos da igreja. 

Ele teme a crítica e o desprezo do mundo. Ele se sente tentado a suavizar a mensagem para agradar a multidão, que hoje grita "Hosana!", mas amanhã pode gritar "Crucifica-o!".

Quem é suficiente para navegar por entre essas rochas perigosas? Quem tem a força para se manter fiel semana após semana, proclamando as insondáveis riquezas de Cristo?

A resposta é: ninguém, por si mesmo. E isso nos leva à grande conclusão: se pregar o evangelho é uma tarefa tão solene e perigosa, é dever de todo cristão orar por aqueles que pregam.

Talvez o dia em que um pastor se desvia da verdade seja o dia em que seu povo parou de orar por ele. Povo de Deus, vocês me darão suas orações? Nossos perigos não são nada enquanto tivermos a oração. Mas se ficarmos sem o apoio da intercessão, falharemos.

Sabendo em que posição difícil está o porta-estandarte do evangelho, eu imploro: unam-se ao redor dele. Apoiem-no. Orem por ele. Lutem juntos pela fé que uma vez foi entregue aos santos.

Até o dia em que, de pé sobre o último castelo conquistado do inimigo, levantaremos o grito final de "Aleluia! O Senhor Deus Onipotente reina!", a batalha continua. E, até lá, lutemos juntos.


Adaptado do sermão "The Two Effects of the Gospel", pregado por C. H. Spurgeon em 27 de maio de 1855, no Exeter Hall, Strand, Londres.

Semeando Vida

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