A verdade chocante sobre a lei de Deus: por que ela nos leva ao desespero (para que possamos ser salvos) — Sermão sobre Romanos 5.20

Romanos 5.20

Introdução

Poucos assuntos causam tanta confusão na vida cristã quanto a relação entre a lei e a graça. É um equilíbrio delicado, e errar o alvo pode levar a consequências espirituais desastrosas. 

De um lado, temos aqueles que transformam a fé em uma lista de regras, acreditando que a salvação é conquistada por bom comportamento, honestidade e caridade. Eles colocam a lei no lugar do evangelho.

Do outro lado, há aqueles que tratam a graça como uma licença para viver de qualquer maneira, ignorando os mandamentos de Deus. 

Eles removem a lei completamente. E no meio, há uma mistura confusa de tudo, onde as pessoas acreditam que são salvas um pouco por seu esforço e um pouco pela ajuda de Deus.

Todos esses caminhos estão errados. Eles falham em compreender o propósito distinto e perfeito de cada um. A Bíblia nos dá uma clareza chocante sobre isso. O apóstolo Paulo não deixa espaço para dúvidas ao explicar por que a lei foi dada: "A lei foi introduzida para que a ofensa abundasse".

Parece terrível, não é? Deus deu a lei para que o pecado aumentasse? Exatamente. Mas a frase não termina aí. Paulo imediatamente nos mostra o antídoto, o propósito final de tudo: "Mas, onde o pecado abundou, superabundou a graça".

Hoje, vamos explorar esta verdade em duas esferas: primeiro, como ela se aplica à história do mundo, e segundo, como ela opera dentro do coração de cada pessoa que se encontra com Deus.

1. A lei e a graça na história do mundo

Vamos primeiro entender o papel da lei no grande palco da humanidade. O pecado já existia no mundo muito antes de Moisés subir ao Monte Sinai. 

Desde a queda de Adão, a rebelião contra Deus já estava enraizada no coração humano. As pessoas pecavam contra a luz da natureza, contra a própria consciência e contra a memória do certo e do errado que herdaram.

Então, por que Deus introduziu a Lei Mosaica? Para que a ofensa, o pecado, "abundasse". Mas como a lei faz o pecado aumentar?

A lei revela o que é pecado

Primeiro, a lei funciona como um holofote, iluminando cantos escuros que nem sabíamos que existiam. Ela transforma transgressões vagas em crimes específicos. 

Por exemplo, sem a lei, uma pessoa poderia saber que é errado matar ou roubar, pois a consciência a acusa. Mas como ela saberia que cobiçar o que é do outro já é um pecado no coração? Ou que um dia específico em sete deveria ser dedicado ao Senhor?

A lei define os limites com clareza. Ela nos mostra que o padrão de Deus é muito mais alto do que imaginávamos. O que antes parecia um erro pequeno, a lei revela como uma rebelião direta contra a majestade de Deus. Ela não cria o pecado, mas o expõe em toda a sua malignidade.

A lei provoca a nossa natureza rebelde

Aqui está uma verdade desconfortável sobre o coração humano: nós odiamos ser controlados. A própria existência de uma regra muitas vezes desperta em nós o desejo de quebrá-la. Paulo mesmo confessa: "Eu não teria conhecido a cobiça, se a lei não dissesse: 'Não cobiçarás'".

É como uma criança que não dá a mínima para um objeto até o momento em que a mãe diz: "Não toque nisso!". De repente, aquele objeto se torna a coisa mais fascinante do mundo. A lei em si é perfeita, santa, justa e boa. 

O problema não está na lei, mas em nossa natureza pecaminosa que, ao ser confrontada por um limite, se rebela. Assim, a lei, sem querer, acaba incitando o pecado que já estava latente em nós.

A lei remove todas as desculpas

Antes da lei ser claramente revelada, as pessoas podiam, até certo ponto, usar a ignorância como desculpa. Mas uma vez que os mandamentos de Deus são conhecidos, pecar se torna um ato de desafio consciente. É uma coisa tropeçar no escuro; outra é olhar diretamente para a luz e escolher andar na escuridão.

A lei tira o álibi da ignorância de nossas mãos, tornando nosso pecado "excessivamente pecaminoso". Ela aumenta nossa culpa e faz a ofensa abundar.

O propósito gracioso por trás de tudo

Neste ponto, podemos perguntar: "Por que Deus faria algo tão duro?". A resposta é surpreendentemente cheia de graça. A humanidade estava iludida, achando que poderia alcançar a Deus por meio de seus próprios esforços. Estávamos tentando escalar uma montanha impossível, rumo à destruição certa.

Então, o que Deus fez? Ele tornou a montanha ainda mais alta. Ele deu uma lei tão perfeita, tão exigente, que ninguém em sã consciência poderia sequer sonhar em cumpri-la perfeitamente. O propósito da lei nunca foi ser uma escada para o céu. Foi para ser um espelho que nos mostrasse o quão sujos estamos e um martelo que despedaçasse nosso orgulho.

Ao nos mostrar a impossibilidade da salvação pelas obras, a lei nos força a procurar outro caminho. Ela nos encurrala, nos leva ao desespero, para que então, sem mais nenhuma esperança em nós mesmos, possamos olhar para a única solução: a graça de Deus em Jesus Cristo.

É aqui que entra a segunda parte da frase: "onde o pecado abundou, superabundou a graça". A graça de Deus não apenas cobre o pecado; ela o supera de forma espetacular. 

A graça vence o pecado em número, pois cremos que, no final, o número de salvos será muito maior que o de perdidos, incluindo as multidões de crianças que morreram na infância e os milhões que serão convertidos na era vindoura. A graça vence em escopo, pois um dia ela cobrirá toda a terra, algo que o pecado nunca conseguiu fazer completamente. 

E, finalmente, a graça vence em resultado, pois nos dá muito mais do que Adão jamais perdeu. Ganhamos uma justiça divina, uma segurança eterna e uma união com Cristo que a inocência no Éden nunca conheceu.

Aplicação Prática

  • Abandone o autoaperfeiçoamento como meio de salvação: Reconheça que a lei de Deus expõe sua incapacidade de ser "bom o suficiente". Pare de tentar barganhar com Deus com base em seu desempenho.
  • Use a lei como um diagnóstico, não como um remédio: Assim como um exame de sangue revela uma doença, mas não a cura, use os Dez Mandamentos para diagnosticar a condição do seu coração. Deixe que eles o levem a clamar pelo único Médico, Jesus Cristo.
  • Maravilhe-se com a superabundância da graça: Pense no pecado mais vergonhoso que você cometeu. Agora, medite no fato de que a graça de Deus é maior, mais profunda e mais poderosa do que ele. Deixe que a gratidão substitua a culpa.

2. A lei e a graça no coração humano

Agora, vamos trazer essa verdade do macrocosmo da história para o microcosmo do seu coração. O mesmo processo acontece individualmente quando o Espírito Santo decide nos despertar.

Como a lei faz o pecado abundar em nós

Quando o Espírito Santo aplica a lei à nossa consciência, o efeito é devastador. É como acender uma luz forte em um porão escuro e abandonado. De repente, vemos a sujeira, as teias de aranha e as criaturas rastejantes que sempre estiveram lá, mas que não enxergávamos na escuridão.

John Bunyan, em "O Peregrino", ilustra isso perfeitamente. O Intérprete leva Cristão a uma sala muito empoeirada. Primeiro, um homem tenta varrer a sala, mas ao fazer isso, levanta tanta poeira que quase sufoca a todos. Esse homem é a Lei, que agita e expõe o pecado, mas não consegue limpá-lo.

Depois, uma moça entra e borrifa água no chão, e então a sala é varrida com facilidade. Essa moça é o Evangelho. A lei revela a sujeira, mas só a graça pode limpá-la.

A lei nos mostra que nosso problema não é superficial. Não é que temos um "coração bom, no fundo". A lei nos mostra que o fundo é a pior parte! Ela revela que o pecado não é apenas um ato, mas uma natureza. É um veneno que corre em nossas veias. Ela nos condena, nos coloca no banco dos réus e pronuncia a sentença: "Culpado".

E, finalmente, a lei nos esmaga ao mostrar nossa completa incapacidade. Sob o peso da lei, percebemos que não conseguimos nos arrepender, não conseguimos crer, não conseguimos nem mesmo sentir a tristeza que deveríamos sentir. 

Estamos mortos em nossos delitos e pecados. A lei nos leva ao fim de nós mesmos. Ela nos deixa em ruínas, sem esperança e sem forças.

Como a graça superabunda em nós

É nesse exato momento de desespero total que a graça brilha mais intensamente. É no ponto mais baixo da nossa condenação que a salvação de Deus se torna a notícia mais gloriosa que poderíamos ouvir.

Onde seu pecado abundou em culpa, a graça superabunda em perdão. Não importa o tamanho ou a quantidade dos seus pecados, o sangue de Jesus é suficiente para apagar cada um deles. 

Onde o pecado o rebaixou à condição de rebelde, a graça o eleva à posição de filho, adotando-o na família de Deus.

Onde a sentença da lei era de condenação, o veredito da graça é de justificação — uma declaração final e irreversível de que você é justo aos olhos de Deus. Uma vez justificado pela graça, você nunca mais poderá ser condenado. A dívida paga por Cristo não pode ser cobrada duas vezes.

E onde o pecado trouxe miséria, ansiedade e medo, a graça traz uma alegria e uma paz que o mundo não pode dar. A lei nos acorrenta; a graça nos liberta. Lembro-me bem do dia em que, sentindo-me esmagado pela lei, ouvi a simples mensagem da graça e saí daquele lugar um homem livre, com o coração leve e a alma em paz.

Conclusão

Talvez você esteja neste exato lugar hoje. A lei fez sua obra em seu coração. Você se sente sujo, culpado, sem esperança e sem forças. Você vê a abundância do seu pecado. Se essa é a sua condição, eu tenho a melhor notícia do universo para você.

Essa percepção do seu pecado não é um sinal de que você está longe de Deus, mas de que ele está perto de você. 

A lei é o "tutor" que nos conduz a Cristo. Você não precisa de nenhuma outra qualificação para vir a ele. Você não precisa se limpar primeiro. Você não precisa prometer ser melhor.

Seu título para receber a salvação é simplesmente este: "pecador". Reconheça sua necessidade, abandone qualquer confiança em si mesmo e caia nos braços da graça salvadora. 

Confie em Jesus, que cumpriu toda a lei em seu lugar e pagou toda a sua dívida na cruz. Onde o seu pecado abundou, a graça de Deus superabundará, agora e por toda a eternidade.


Adaptado do sermão "Law and Grace" (Lei e Graça), pregado por C. H. Spurgeon em 26 de agosto de 1855, na New Park Street Chapel, Southwark, Londres.

Semeando Vida

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