Introdução
Esta é uma das acusações mais solenes que o apóstolo Paulo faz contra a natureza humana. Quando pensamos no que o homem já foi — feito à imagem de seu Criador, puro e sem mancha — sentimos uma profunda tristeza ao encontrar uma declaração como esta contra nossa raça.
É como um sobrevivente caminhando pelas ruínas de uma cidade amada, lamentando a destruição de algo que um dia foi glorioso. Nós olhamos para a humanidade e vemos os destroços de uma estrutura magnífica que Deus construiu.
Anos atrás, astrônomos viram uma estrela brilhar intensamente e depois desaparecer. A teoria é que era um mundo em chamas, a trilhões de quilômetros de distância. Mas o que é a destruição de um planeta distante comparado à queda da humanidade? A queda de Adão foi a *nossa* queda. É a ruína da *nossa* própria casa que lamentamos.
O texto não precisa de muita explicação. A palavra "carnal" significa simplesmente "da carne", ou seja, a nossa natureza humana, a mente com a qual nascemos, herdada de nossos pais, antes de qualquer transformação espiritual.
E note a força da linguagem de Paulo. Ele não diz que a mente carnal é "hostil" a Deus; ele usa um substantivo. Ele diz que ela é a própria inimizade. Não é algo que *está* em inimizade, mas que *é* inimizade. É a essência, a quintessência de tudo o que se opõe a Deus.
Que o Espírito Santo nos convença de nosso pecado hoje, para que, unanimemente, possamos nos declarar "culpados" diante de Deus.
1. A verdade por trás desta afirmação
A primeira coisa que faremos é examinar a veracidade desta declaração. Como cristãos, a simples fato de estar na Palavra de Deus já é prova suficiente para nós. Mas se precisássemos de testemunhas, poderíamos convocar a história.
Poderíamos desenrolar o pergaminho da história antiga e ver como a humanidade fez do mundo um campo de sangue com suas guerras e assassinatos.
Poderíamos listar os vícios nos quais nações inteiras mergulharam. Poderíamos examinar a vida dos mais famosos filósofos e, se a verdade fosse dita, teríamos que concordar: "Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há quem faça o bem, não há nem um só."
Os melhores e mais santos homens sempre foram os primeiros a confessar sua própria depravação. Aquele com as vestes mais brancas é quem melhor percebe as manchas. Davi não se vangloriava de uma natureza pura; ele disse: "Eis que em iniquidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe."
Mas há uma testemunha que convocarei agora e que decidirá a questão: a sua própria consciência. Consciência, eu a coloco no banco das testemunhas! Responda com sinceridade. O seu coração já disse: "Eu gostaria que não houvesse Deus"?
Mesmo que não consigamos nos livrar completamente da ideia de Deus, não desejamos, às vezes, que tudo isso fosse apenas uma ilusão para que pudéssemos viver sem restrições? O Salmo não diz "O tolo *disse* em seu coração: 'Não há Deus'", mas sim "O tolo disse em seu coração: '*Não, Deus!*'", como quem diz: "Não quero um Deus!". Quem de nós nunca foi tolo a ponto de desejar isso?
Se você deseja que alguém morra, isso não prova que você o odeia? Sim. Da mesma forma, o desejo de que não houvesse um Deus prova que não gostamos do Deus que existe.
Consciência, outra pergunta: já que existe um Deus, seu coração nunca desejou que ele fosse um pouco menos santo? Um pouco menos justo?
Que aqueles grandes crimes fossem vistos apenas como pequenos deslizes? Que ele não fosse tão rigoroso em sua lei? Se você desejou mudar a Deus, isso prova que você não ama o Deus que Ele é.
Você pode até admirar o "deus" da natureza — das montanhas e do pôr do sol. Mas se você deseja mudar o caráter do Deus da Bíblia, você prova que está em inimizade com ele.
Aplicação Prática
- Faça um interrogatório honesto: Reserve um tempo para questionar sua própria consciência como fizemos aqui. Em que momentos você desejou que Deus não existisse ou que suas leis fossem diferentes para acomodar seus desejos?
- Diferencie admiração de submissão: É fácil amar a ideia de um Deus que se encaixa em nossa poesia e em nossas paisagens favoritas. A verdadeira questão é: você ama e se submete ao Deus revelado nas Escrituras, com sua santidade, justiça e soberania?
2. A universalidade deste mal
A afirmação do texto é ampla. Não se trata de uma mente carnal específica, mas "a mente carnal". É uma declaração sem qualificações, incluindo cada indivíduo que ainda não foi transformado pelo Espírito Santo.
Isso inclui todas as pessoas. Desde as crianças de colo até os idosos. Chamamos os bebês de inocentes, e eles o são de transgressões *atuais*, mas dentro do menor peito já existe uma semente de rebelião. O pecado não é aprendido apenas por imitação; ele é inato.
Pegue uma criança e coloque-a sob as influências mais piedosas. Deixe-a ouvir apenas orações e louvores. Ainda assim, se não for pela graça divina, essa criança pode se tornar uma grande transgressora. O pecado não é imitado, é herdado. A natureza carnal é, desde o início, inimizade contra Deus.
Isso também inclui todas as classes de pessoas. Os grandes gênios, os poetas, os cientistas, os filósofos. Você pode treinar o intelecto de uma pessoa até que se assemelhe a um anjo. Pode fortalecê-la para que ela resolva os maiores mistérios do universo. Mas depois de tudo isso, sua mente carnal ainda será inimizade contra Deus.
Você pode levá-la à igreja, fazê-la sentar-se sob a pregação mais clara do evangelho. Mas, se o Espírito Santo não tocar seu coração, ela permanecerá a mesma. Como a porta da igreja, que entra e sai, mas nunca faz parte do culto. Ela pode ter uma religião superficial, mas sua mente carnal continuará em inimizade contra Deus.
Isso é universal em todos os tempos. A mente carnal está *sempre* em inimizade contra Deus. Alguém pode dizer: "Há momentos em que me sinto rebelde, mas também há momentos em que me sinto amigo de Deus." Mas o que é verdade um dia, não é falso no outro.
O lobo pode dormir, mas ainda é um lobo. A cobra pode cochilar entre as flores, mas sua natureza venenosa não mudou. O mar pode parecer um espelho, mas ainda é a casa das tempestades. E o coração humano, mesmo quando parece calmo, ainda é um vulcão adormecido. A todo momento, se você é carnal, você é inimizade contra Deus.
Finalmente, a totalidade da mente é inimizade. A queda de Adão esmagou o homem por completo. Embora algumas colunas do templo da natureza humana tenham permanecido, a estrutura inteira ruiu. Todas as nossas faculdades foram afetadas.
Nossa memória? Lembra-se de coisas ruins com mais facilidade do que das boas. Nossos afetos? Amamos as coisas terrenas com mais facilidade do que o Criador. Nossa imaginação? Muitas vezes, só se torna verdadeiramente vívida quando estimulada por influências nocivas.
Poderíamos analisar todas as nossas faculdades e escrever em cada uma: "Traidor contra o céu!".
Aplicação Prática
- Abandone a autojustificação: Reconheça que essa condição se aplica a você, não importa quão "boa" ou inteligente você se considere. A inimizade contra Deus é o estado padrão da humanidade, não uma exceção para os "piores pecadores".
- Desconfie dos "bons momentos": Não confunda sentimentos de admiração pela criação ou emoções temporárias em um culto com uma verdadeira reconciliação com Deus. A paz com Deus não é um sentimento passageiro, é uma transformação de natureza.
3. A dimensão assustadora deste mal
Muitas vezes, pensamos na nossa condição pecaminosa mais em termos de miséria do que de culpa. Sentimos pena de nós mesmos por nossas inclinações, mas esquecemos de nos acusar pelo crime que elas representam. Ter um coração contra Deus é nosso pecado, e é uma maldade enorme.
Pense na nossa relação com Deus. Ele é nosso Criador, Legislador, Sustentador e Benfeitor. Ele nos fez, nos governa, nos alimenta e nos mantém vivos. Não é um crime de alta traição que nós, suas criaturas dependentes, estejamos em inimizade com ele?
Agora, pense em quem Deus é. Por que você está em inimizade com Deus? Ele é o Deus de amor. Foi o sol dele que brilhou sobre você hoje. Foi a comida dele que o nutriu. Você odeia a Deus porque ele o ama?
Pense nas misericórdias que ele lhe deu. Ele o poupou da morte muitas vezes. Ele o manteve fora do inferno até hoje. Você o odeia por sua paciência? Você odeia a Deus porque ele enviou seu Filho para morrer por pecadores?
Se um benfeitor terreno o alimentasse, você o odiaria? Se ele o vestisse, você o insultaria? Você despreza sua mãe que o amamentou? Você amaldiçoa seu pai que cuidou de você? Você diz: "Não! Tenho gratidão por eles."
Onde está o seu coração, então, que você pode desprezar a Deus? Que crime diabólico! Odiar Aquele que é totalmente amável. Desprezar Aquele que é essencialmente bom. Rejeitar o Deus que enviou seu Filho para morrer pelo homem! Nisso, vemos o quão terrível é o pecado de ter uma mente em inimizade com Deus.
Aplicação Prática
- Confesse a culpa, não apenas a condição: Em suas orações, mova-se de "Senhor, eu sou fraco" para "Senhor, eu sou culpado". Assuma a responsabilidade pela sua rebelião. A verdadeira tristeza pelo pecado vem de entender que ele é uma ofensa contra um Deus bom e amoroso.
- Faça uma lista de gratidão: Contrarie a inimizade do seu coração listando ativamente as provas do amor e da bondade de Deus em sua vida. A gratidão é um antídoto poderoso para a rebelião.
4. As doutrinas que aprendemos com isso
Se a mente carnal é inimizade contra Deus, algumas verdades se tornam inescapáveis.
Primeiro, a salvação não pode ser por mérito; tem que ser pela graça. Se somos inimigos de Deus, que mérito podemos ter?
Como podemos merecer algo daquele a quem odiamos? É impossível ser salvo por obras. Tentar ir para o céu com suas obras é como tentar cruzar o oceano em um barco de papel. A salvação para inimigos deve vir através de um mediador, uma expiação — através de Cristo.
Segundo, é necessária uma mudança completa de natureza. Se por nascimento somos inimigos de Deus, nossa natureza precisa ser mudada. Imagine, por um momento, um inimigo de Deus entrando no céu sem um coração transformado.
Ele ouviria canções de louvor ao seu inimigo. Veria o trono do seu inimigo. Estaria na casa do seu inimigo. Ele não se sentiria em casa; ele estaria em tormento. Ele pediria para fugir para o inferno, apenas para escapar da presença santa que ele odeia. Você precisa nascer de novo.
Terceiro, essa mudança deve ser operada por um poder além do seu. Um inimigo pode, talvez, fazer-se amigo. Mas a própria inimizade não pode se transformar em amizade. A mudança precisa ser mais profunda do que qualquer autoaperfeiçoamento. O Espírito Santo precisa renovar o coração. Até que Deus refaça o homem, não há como entrar no céu.
Conclusão: O caminho da reconciliação
Então, aqui estou eu, um ser mortal, mas imortal. Por natureza, sou inimigo de Deus. O que devo fazer? Não é meu dever e minha felicidade perguntar se existe uma maneira de me reconciliar com ele?
Cansado escravo do pecado, não vê que seus caminhos são de loucura? É sábio odiar seu Criador? É prudente se opor a ele? Que Deus o ajude a se voltar para Jesus. Ele é o Embaixador da paz.
Talvez, agora mesmo, o Espírito Santo o tenha convencido do seu pecado. Deixe-me proclamar o caminho da salvação. "E, como Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna."
Olhe, penitente trêmulo, para o Monte Calvário! Veja o Salvador em agonia, comprando sua alma com seu sangue. Ele morreu por você, se agora você confessa sua culpa. É simplesmente "olhar". Se você puder olhar para Jesus, será salvo. Ouça a voz do Redentor: "Olhai para mim e sereis salvos". Olhe! Olhe! Olhe! Ó alma culpada.
Aventure-se nele, aventure-se completamente. Ninguém, exceto Jesus, pode fazer bem a pecadores desamparados.
Adaptado do sermão "The Carnal Mind Enmity Against God", pregado por C. H. Spurgeon em 22 de abril de 1855, no Exeter Hall, Strand.
