Uma nota de dez reais, desbotada e suja, toda amarrotada, encontrou-se um dia com uma nota de dez reais de um colecionador. A nota do colecionador estava novinha, colorida, sem uma ruga, conservadíssima.
- Olá, irmã, disse a nota do colecionador. O que fizeram com você? Por que está assim tão estragada? O que você tem feito desde que saimos da impressão?
- Você nem queira saber o que tem sido a minha vida, respondeu a nota de circulação. Ando de mão em mão. Entro em todos os lugares, desde os mais sórdidos, como os prostíbulos, até os mais sagrados como os templos.
Tenho dado muita alegria a muitas criancinhas, mas também tenho dado muita tristeza a muitas mães e esposas. Tenho sido usada para embriagar os homens, pagando bebidas caras ou ordinárias como a cachaça, ou sirvo para alimentar o vício de um adolescente.
Muitas pessoas são levadas a tentar comigo a sorte na loteria ou na Sena, e o que vejo depois é um rastro de frustrações e de desgraças.
Já servi, inclusive, para comprar uma dose de veneno com o qual uma jovem desesperançada da vida suicidou-se. Sofro muito com isso e não suportaria mesmo a vida, não fossem os momentos felizes que experimento para compensar minhas tristezas.
- Já comprei pão e leite para saciar a fome de muitas criancinhas". Comprei brinquedo para uma enfermazinha nas vésperas do Natal. Tenho sido usada para ajudar os orfanatos, asilos, creches.
Já salvei a vida de um ancião pagando a corrida de um táxi de sua casa até um hospital, onde chegou a tempo de ser salvo.
Com que satisfação entro numa farmácia para pagar um remédio que irá aliviar as dores a um enfermo! Com que alegria fico no salão de beleza, quando minha dona sai de lá um pouco mais bonita! Posso estar alegre num momento e no momento seguinte, triste!
Então, disse-lhe a nota do colecionador:
- A minha vida é melhor do que a sua. Vivo aqui resguardada de qualquer emoção. Não dou alegria, mas também não dou tristeza a ninguém. A única coisa que faço é alimentar a vaidade de meu dono, que vive a me exibir a seus amigos. Nem sei se sou feliz ou não. Você gostaria de viver como eu?
- Não, respondeu a nota de circulação. Prefiro continuar minha peregrinação pelo mundo, até o momento que eu não preste mais e me aposentem ou me incinerem.
Mesmo porque, quando levo sofrimento a alguém, não sou a causa, sou apenas o meio, pois dependo da vontade de meu dono para fazer qualquer coisa. Infelizmente eu não posso escolher os meus donos.
Se o meu dono é bom, ajuda a praticar o bem, mas se ele é mau, ajuda a praticar o mal. Não tenho vontade própria. Vivo apenas a torcer para que as pessoas que me possuem sejam pessoas bondosas que saibam me usar para a felicidade e para o bem.
Contudo você, minha amiga, não sabe sequer se o seu dono é bom ou é mau. Só sabe que é vaidoso. Essa sua situação já é uma desvantagem, não acha?
A outra pensou um pouco e concluiu:
-Acho que você tem toda razão. E este nosso encontro foi muito bom, pois acabo de aprender uma coisa muito importante.
O dinheiro não é bom nem é mau. Não faz o bem nem faz o mal. Bom ou mau é o indivíduo que o possui.
O bem ou o mal pratica o indivíduo que o possui. O dinheiro é amoral. Moral ou imoral é o indivíduo que faz uso do dinheiro.
Por isso Jesus disse que é muito difícil um rico entrar no reino dos céus, não por ser rico, pois riqueza ou pobreza não são condições sine qua non para se entrar no reino, mas por não saber usar sua riqueza.
Autor: Samuel Barbosa
(Extraído do livro “Respingando – Crônicas e Memórias”, 1ª Edição – Rev. Samuel Barbosa)