O segredo para não temer a morte: a promessa de Deus para a sua colheita final — Sermão sobre Jó 5.26

Jó 5.26

“Na velhice irás à sepultura, como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.”

Introdução

Apesar de não concordarmos com tudo o que os amigos de disseram, pois muitas vezes falavam sem a inspiração de Deus, encontramos em seus discursos frases de imensa sabedoria. Eles eram homens experientes, e suas palavras, mesmo com as limitações de sua época, frequentemente refletiam verdades profundas.

Este versículo, dito por Elifaz, é uma dessas pérolas. E sabemos que ele carrega um peso divino, pois o apóstolo Paulo cita uma outra frase deste mesmo capítulo, validando sua mensagem. O que temos aqui não é apenas o conselho de um homem, mas um eco do consolo do próprio Deus.

A imagem usada é belíssima: um cristão maduro sendo comparado a um feixe de trigo pronto para a colheita. Imagine o campo. Quanto cuidado foi dedicado àquele trigo! Desde a semente, o agricultor se preocupou com pragas, geadas e secas. Ele olhava para o céu, ansioso por chuva e sol na medida certa.

Agora, o trigo está dourado, maduro, e a maior parte da ansiedade do agricultor passou. A espera paciente terminou. O fruto está ali, pronto.

Assim é o homem de cabelos brancos. Quantos anos de cuidado divino foram derramados sobre ele! Na juventude, parecia que a morte poderia levá-lo a qualquer momento, mas ele passou seguro. Quantos acidentes foram evitados! O escudo da Providência o protegeu de doenças e perigos.

Olhe para as marcas em sua vida, as cicatrizes das batalhas que enfrentou. Suas ansiedades agora estão se acalmando. Ele está perto do porto seguro. Como o agricultor olha para o trigo com satisfação, nós olhamos para o crente maduro, pois o tempo do descanso se aproxima.

Veja como o caule do trigo está fraco, curvando-se ao vento. Sua cabeça se inclina para a terra, como se quisesse beijar o pó de onde veio. Assim é o homem idoso: seus passos são vacilantes, sua visão se escurece, “o gafanhoto lhe é um peso”. Mas até nessa fraqueza há glória. Não é a fraqueza da planta nova, mas a fraqueza do grão maduro, que indica que ele está pronto.

A cor dourada do trigo é mais bela que o verde da sua juventude. Assim, os cabelos brancos são uma coroa de glória. Ele é glorioso em sua fraqueza, mais do que o jovem em sua força.

Logo, o ceifeiro virá. Já consigo ouvir a foice sendo afiada. Em breve, o trigo será cortado e levado para casa, para o celeiro, seguro de qualquer praga, tempestade ou doença. Que alegria será o dia da colheita, quando o feixe, plenamente maduro, for recolhido.

Assim é o crente. A morte está afiando sua foice, e os anjos preparam a carruagem de ouro para levá-lo aos céus. O celeiro está pronto. O Mestre em breve dirá: “Juntem o joio em feixes para queimar, e recolham o trigo no meu celeiro”.

Hoje, vamos refletir sobre a morte do cristão. Embora o texto pareça focar no idoso, ele fala a todo crente. Quatro pontos se destacam: a morte é inevitável (“irás”); é bem-vinda (“irás”, não “serás arrastado”); é sempre no tempo certo (“em plena idade”); e é honrosa (“como um feixe de trigo”).

1. A morte é um encontro inevitável

A primeira observação, de que a morte é inevitável até para o cristão, parece óbvia. Todos sabemos que vamos morrer. É a verdade mais conhecida e, ao mesmo tempo, a mais esquecida.

Aceitamos essa realidade na teoria, mas raramente ela toca nosso coração. O sino que dobra, o funeral que passa, a notícia de um amigo que se foi... tudo nos lembra da nossa mortalidade, mas logo esquecemos.

No entanto, quero fazer uma observação importante. Embora a Bíblia diga que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez”, haverá um tempo em que alguns cristãos não morrerão. Se Adão não tivesse pecado, não teria morrido. Enoque e Elias foram levados ao céu sem passar pela morte.

Isso nos mostra que a morte não é uma necessidade absoluta para o crente. O apóstolo Paulo nos diz que, na vinda de Cristo, alguns estarão “vivos e permanecerão”. Ele escreve: “Eis aqui vos digo um mistério: Na verdade, nem todos dormiremos, mas todos seremos transformados”.

Haverá um grupo de pessoas que não verá a morte. Paulo diz: “nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, e assim estaremos sempre com o Senhor”.

Cristo venceu a morte de forma tão completa que ele não apenas liberta os cativos da prisão, mas salva um grupo de nem sequer entrar nela. Ele diz à morte: “Para trás, monstro! Nestes você não tocará. Meus dedos frios nunca congelarão a corrente de sua alma. Eu os levarei diretamente para o céu, sem passar por seus portais sombrios”.

Que pensamento glorioso! Cristo derrotou a morte a tal ponto que alguns nem a experimentarão. Isso mostra o poder total de sua vitória.

Aplicação Prática

  • Viva sem procrastinar a eternidade: Sabendo que o seu tempo é finito, como você pode viver hoje de uma maneira que reflita prioridades eternas? Pare de adiar aquela conversa importante, aquele ato de perdão, aquele tempo de oração.
  • Encare a morte como um catalisador para a vida: Em vez de temer a morte, use-a como uma motivação. A certeza do fim pode nos inspirar a viver com mais propósito, amor e urgência. Pergunte a si mesmo: "Se hoje fosse meu último dia, do que eu me arrependeria?"
  • Ancore sua esperança na ressurreição: A inevitabilidade da morte só é assustadora para quem não tem esperança. Medite na promessa de que, para o crente, a morte não é o fim, mas uma porta para uma vida que nunca acabará.

2. A morte é um convite bem-vindo

Aqui está uma doce verdade: para o cristão, a morte é sempre bem-vinda. O texto diz: “irás à sepultura”. Não diz “serás arrastado” ou “te levarei à força”. É um movimento voluntário.

O homem ímpio é arrastado para a sepultura. O cristão *vai* até ela.

Deixe-me contar uma parábola. Dois homens estavam na mesma casa quando a Morte chegou. A um, ela disse: “Você morrerá”. O homem, com os olhos cheios de lágrimas, tremeu e respondeu: “Ó Morte, eu não posso! Eu não vou morrer”. Ele procurou médicos, ofereceu toda a sua riqueza por mais tempo de vida.

Mas a Morte voltou e disse: “Suas desculpas acabaram. Venha comigo”. Ela o amarrou e o arrastou para a terra das sombras. No caminho, ele se agarrava a tudo que podia, mas as mãos de ferro da Morte o puxavam sem parar. Ele não foi para a sepultura; a sepultura veio buscá-lo.

Ao outro homem, a Morte disse: “Eu vim por você”. Ele sorriu e respondeu: “Ah, Morte, eu a conheço. Você é a serva do meu Mestre, vinda para me buscar em casa. Diga ao meu Senhor que estou pronto”.

Eles caminharam juntos, em doce companhia. A Morte disse: “Eu uso estes ossos para assustar os ímpios, mas para você, sou diferente”. E, ao se revelar, o cristão viu o corpo de um anjo, com asas de querubim e um brilho como o de Gabriel. O crente disse: “Você não é quem eu pensava. Irei com alegria”.

Por fim, a Morte o tocou suavemente, como uma mãe que belisca o filho em um gesto de carinho. E com esse toque, o cristão se viu transformado, seu corpo renovado, sua alma purificada, e ele estava no céu.

Isso é apenas uma parábola, você diz? A história está cheia de exemplos de cristãos que morreram assim, com paz e até alegria. Vejam o que disse o grande teólogo Dr. Owen. Ao saber que seu último livro sobre a glória de Cristo tinha sido publicado, ele disse: “Estou feliz em ouvir isso. Ah, o tempo tão esperado finalmente chegou, no qual verei essa glória de uma maneira que nunca pude neste mundo”.

Ou ouçam o missionário David Brainard: “Estou quase na eternidade. Anseio por estar lá. Minha obra está feita. O mundo agora não é nada para mim. Ah, estar no céu, para louvar e glorificar a Deus com seus santos anjos!”.

E o conhecido pregador Joseph Irons disse em seu leito de morte, vendo sua esposa chorar: “Não chore por mim. Estou esperando por um peso de glória muito maior e eterno... Cristo é precioso. Estou indo para casa, pois sou um feixe de trigo plenamente maduro”.

O cristão não tem nada a perder com a morte. Você diz que ele perde os amigos. Não tenho tanta certeza. Muitos de nós têm mais amigos no céu do que na terra. Quantos irmãos e irmãs já estão na casa do Pai?

Quando a morte vem para o ímpio, ela o encontra ancorado neste mundo, corta suas amarras e o lança ao mar. Mas quando ela vem para o cristão, ela o encontra já recolhendo a âncora e diz: “Quando terminar, eu o levarei para casa”.

Aplicação Prática

  • Cultive uma perspectiva celestial: Quanto tempo você passa pensando no céu? A familiaridade com nosso destino final diminui o medo da jornada. Leia livros, ouça sermões e medite sobre a glória que nos aguarda.
  • Identifique suas “âncoras” terrenas: O que ainda o prende a este mundo com medo de partir? Sucesso? Relacionamentos? Conforto? Peça a Deus que essas coisas se tornem bênçãos a serem desfrutadas, não ídolos que o prendem.
  • Fale sobre a morte com esperança: Em nossa cultura, a morte é um tabu. Como cristão, você tem a oportunidade de falar sobre ela não como uma tragédia final, mas como uma transição gloriosa. Seja uma voz de esperança.

3. A morte chega no tempo certo

O texto diz: “irás à sepultura em plena idade.”

“Ah”, diz alguém, “mas isso não é verdade. Pessoas boas morrem jovens”. Mas olhe o texto. Não diz “na velhice”, mas em “plena idade”. O que é “plena idade”? É quando Deus decide que estamos prontos.

Algumas frutas amadurecem no início do verão; outras precisam do frio do inverno para atingir seu sabor ideal. Todas as frutas não ficam prontas na mesma estação. Assim é com os cristãos. Eles atingem a “plena idade” quando Deus os chama para casa.

Eles estão em plena idade se morrem aos 21. Não estão mais se vivem até os 90. Deus nunca colhe o fruto antes de estar perfeito. Isso nos dá duas grandes certezas: um cristão nunca morre cedo demais e nunca morre tarde demais.

Primeiro, ele nunca morre cedo demais. Quando um jovem pregador brilhante morre afogado, o mundo lamenta: “Ele morreu cedo demais! Pense em todo o bem que ele poderia ter feito”. Mas será? E se ele vivesse e caísse em pecado, trazendo desonra a Cristo? Não seria melhor que Deus o levasse para casa no auge de sua glória?

Talvez Deus o tenha poupado de um mal futuro que não podemos ver. Não ousemos questionar a sabedoria do agricultor. Ele sabe a hora certa de colher.

Segundo, o cristão nunca morre tarde demais. Aquela senhora de 90 anos, sentada sozinha em um quarto, dependendo da caridade. “Qual a utilidade dela?”, alguns perguntam. “Ela já viveu demais.”

Como você ousa criticar a obra do Mestre? O agricultor não deixa seu trigo no campo tempo demais. Vá visitar essa senhora e você será repreendido. 

Sua paciência silenciosa, sua submissão constante, ensinam mais sobre sofrimento e fé do que mil sermões. A folha seca que ainda se agarra à árvore serve a um propósito. Ela prega aos insensatos sobre a fragilidade da vida.

Então, a doença pode se espalhar, a violência pode crescer, mas eu morrerei em plena idade. O trabalho árduo pode drenar minha energia, mas morrerei em plena idade. E você, que espera ansiosamente pelo céu, dizendo: “Até quando, Senhor?”, saiba que você não será mantido longe do seu Amado um minuto a mais do que o necessário. Você terá o céu assim que estiver pronto para ele.

Aplicação Prática

  • Confie na soberania de Deus sobre o tempo: Solte a ansiedade sobre a duração da sua vida ou da vida de quem você ama. Confie que o Agricultor celestial sabe exatamente o que está fazendo.
  • Não meça valor por produtividade: Em uma cultura obcecada por resultados, a imagem da idosa ensina que nosso valor para Deus não está no que fazemos, mas em quem somos nele. O fruto do Espírito, como a paciência, muitas vezes floresce melhor em estações de aparente inutilidade.
  • Encontre propósito na sua estação atual: Seja jovem ou idoso, saudável ou doente, Deus tem um propósito para você *agora*. Em vez de lamentar o que passou ou ansiar pelo que virá, pergunte: "Senhor, como posso te glorificar hoje, exatamente onde estou?"

4. A morte do cristão é honrosa

“...como se recolhe o feixe de trigo a seu tempo.”

Os funerais de hoje podem ser extravagantes e vazios. Mas existe algo como um funeral honroso, um que todos nós podemos desejar. Não queremos ser descartados como lixo, mas que homens e mulheres devotos nos levem à sepultura e lamentem nossa partida. É um funeral que se parece com uma festa da colheita.

Lembro-me do funeral de um ministro de Deus. A igreja estava lotada. E quando um veterano da fé se levantou para falar, o povo chorava, lamentando que um príncipe em Israel havia caído. Naquele dia, senti uma alegria triste ao pensar que talvez um dia o mesmo carinho seria derramado sobre nós.

Quando você, que serve a Deus nesta igreja, partir, sua morte será para nós motivo de profunda tristeza. Seu funeral não será o de um esquecido. Diremos: “Aqui jaz um homem que serviu fielmente ao seu Mestre”. “Aqui jaz a professora da escola dominical que me ensinou sobre Jesus”, dirá uma criança.

O funeral do cristão é uma colheita honrosa.

Mas todo cristão tem dois funerais: um do corpo e outro da alma. Funeral da alma? Não, quis dizer o casamento da alma. Assim que ela deixa o corpo, anjos ceifeiros estão prontos para levá-la.

Eu creio que anjos nos escoltam pelas planícies celestiais. Anjos nos seguram, olhando com amor em nosso rosto. Anjos nos ajudam em nossa subida. E, assim como os camponeses gritam “É dia de colheita!”, os anjos sairão dos portões do céu e dirão: “Colheita! Colheita! Outro feixe de trigo maduro foi recolhido para o celeiro”.

O evento mais glorioso, depois da ascensão de Cristo, é a entrada de um crente no céu. Imagino que seja um feriado a cada vez que um santo chega. Um grande brado sobe, mais alto que o som de muitas águas, quando os redimidos celebram: “Mais um chegou!”.

Espere um pouco, amado. Em mais alguns anos, você e eu seremos carregados nas asas dos anjos. Imagino-me morrendo. Os anjos se aproximam. 

Oh, como me elevam! Deixei para trás a mortalidade. Minha jornada é veloz. Já passei pela estrela da manhã. Os planetas ficaram para trás. Que braços gentis me sustentam! No caminho, eles me chamam de irmão. Eu, um irmão dos querubins? “Sim!”, eles dizem.

Ouço uma música. Estou perto do Paraíso. Um comboio glorioso se aproxima. E ali... ali está o portão de ouro. Eu entro. E vejo meu bendito Senhor. O resto, não posso dizer. Eu estou com ele. Perdido nele, como uma gota no oceano, como uma cor no arco-íris.

Deixem-me por um momento, anjos. Depois conhecerei o céu de vocês. Deem-me séculos para me reclinar no peito do meu Senhor, para me aquecer no sol do seu sorriso. Jesus, tu és o meu céu. Estou perdido em ti!

Conclusão

Amado, não é isso ir à sepultura em plena idade, como um feixe de trigo maduro? Quanto mais cedo o dia chegar, mais nos alegraremos. Corram, rodas do tempo! Por que demoram?

Mas, coração impaciente, aquiete-se. Você ainda não está pronto para o céu, ou não estaria aqui. Seu trabalho não terminou, ou você já teria seu descanso. Lute mais um pouco. O caminho pode ser duro, mas não será longo. Vamos animá-lo com esperança e canções.

Aos que ainda não conhecem a Cristo, não tenho tempo de dizer muito. Mas oro para que tudo o que foi dito possa ser seu um dia. Não pensem que podem entrar no céu se andam no caminho do inferno.

Deus precisa mudar seu coração. Pela simples confiança em Jesus, mesmo que você seja o mais vil dos pecadores, você poderá cantar diante do seu rosto. Uma mulher me disse certa vez: “Se Deus me deixar entrar no céu, eu o louvarei com todas as minhas forças. Nunca acharei que cantei alto o suficiente”.

Como disse outro crente: “Se o Senhor Jesus me salvar, ele nunca mais deixará de ouvir sobre isso”.


Adaptado do sermão "The Death of the Christian" (Nº 43), pregado por C. H. Spurgeon em 9 de setembro de 1855, no New Park Street Chapel, Southwark, Londres.

Semeando Vida

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