Ele não é um salvador distante: por que a humanidade de Jesus é sua maior esperança — Sermão sobre Salmo 89.19

Salmo 89.19

Introdução

Originalmente, estas palavras se referiam a Davi. Ele foi, de fato, um homem escolhido do meio do povo. Sua família era respeitável, mas não ilustre; era piedosa, mas não fazia parte da elite.

Os nomes de Jessé, Obede e Rute não evocavam memórias de nobreza ou de uma linhagem gloriosa. O próprio Davi era apenas um jovem pastor, cuidando de ovelhas, mas com uma alma nobre e uma coragem inabalável. Ainda assim, ele era um plebeu, um homem do povo.

Mas isso não o desqualificou para o trono. Para Deus, a origem humilde daquele jovem herói não foi uma barreira. E ninguém pode ousar dizer uma palavra contra a sabedoria, a coragem e a justiça do governo daquele monarca que veio do povo.

Na verdade, a origem humilde de Davi, longe de ser uma desvantagem, o tornou mais apto para o cargo. Ele podia criar leis para a maioria, pois era um deles. Ele podia governar o povo como o povo deve ser governado, pois era "osso dos seus ossos e carne da sua carne" — seu irmão, e não apenas seu rei.

No entanto, hoje não falaremos de Davi, mas do Senhor Jesus Cristo. Davi, no texto, é um tipo, uma figura de Jesus, que também foi escolhido do meio do povo, e de quem o Pai pode dizer: "Exaltei um escolhido do meio do povo".

Antes de continuarmos, preciso fazer uma afirmação para evitar mal-entendidos. Nosso Salvador foi escolhido do meio do povo, mas isso se refere unicamente à sua humanidade. Como "Deus verdadeiro de Deus verdadeiro", ele não foi escolhido, pois não havia ninguém além dele. Ele era o Filho unigênito do Pai, co-igual e co-eterno.

Portanto, quando falamos de Jesus como alguém escolhido do povo, falamos dele como homem. Às vezes, esquecemos a humanidade real do nosso Redentor. Ele era homem em todos os sentidos, e eu amo cantar sobre o "Homem, um homem de verdade, que um dia morreu no Calvário".

Ele não era uma mistura de homem e Deus; suas duas naturezas não se confundiram. Ele era plenamente Deus, sem diminuição de seus atributos, e era também plena e verdadeiramente homem. 

É como homem que falo de Jesus, e meu coração se alegra ao ver o lado humano desse milagre e poder tratar Jesus como meu irmão.

Temos três pontos em nosso texto: a origem de Cristo (de onde ele veio), sua eleição (por que ele foi escolhido) e sua exaltação (aonde ele chegou).

1. A origem de Cristo, um homem do povo

Vivemos em um tempo em que muitos se queixam, e com razão, da distância entre os governantes e o povo. Sentimos que somos governados por uma elite, uma casta que parece viver em uma realidade diferente da nossa. Homens e mulheres comuns, por mais inteligentes e capazes que sejam, raramente chegam às posições de poder.

Não estou aqui para fazer um discurso político, mas devo expressar minha alegria por nós, cristãos, sermos governados por "um escolhido do meio do povo".

Jesus Cristo é o homem do povo. Ele é o amigo do povo, sim, um de nós. Embora hoje ele esteja assentado no alto, em seu trono, ele foi "um escolhido do meio do povo". 

Cristo não é o Cristo da elite, nem o Cristo dos nobres ou dos reis. Ele é o Cristo do povo. E é esse pensamento que deve encher nossos corações de alegria e nos unir a ele.

Pelo seu nascimento, Cristo era um de nós. É verdade que ele descendia de uma linhagem real. Maria e José vinham da casa de Davi, mas a glória daquela família havia desaparecido. O herdeiro legítimo do trono era um carpinteiro.

Veja o local do seu nascimento: uma estrebaria. Seu berço foi um cocho, onde os animais comiam. Sua cama era o feno, e seu sono era frequentemente interrompido pelo mugido do gado. Ele poderia ser um príncipe por nascimento, mas certamente não tinha uma comitiva de luxo.

Observe os visitantes que o cercaram. Os pastores chegaram primeiro. Eles não se perderam no caminho. É interessante como Deus guia os pastores, enquanto os homens sábios, com toda a sua sabedoria, às vezes se perdem. Mas ambos chegaram — os magos e os pastores — para nos mostrar que Cristo é o Cristo de todos. Ele não é apenas o Salvador do estudado, mas também do homem simples do campo.

Sua educação também foi a de um homem do povo. Ele não foi levado, como Moisés, para ser educado no palácio de um faraó. 

Ele não foi criado com a arrogância daqueles que nascem em berço de ouro. Seu pai era carpinteiro, e sem dúvida ele trabalhou na oficina da família. Ele conheceu bem a sentença de Adão: "Do suor do teu rosto comerás o teu pão".

Quando nosso Senhor começou sua vida pública, ele continuou o mesmo. Qual era sua posição? Ele se vestia com roupas finas? Não, ele usava a túnica simples de um camponês. 

Ele viajava com pompa e luxo? Não, ele caminhava por estradas poeirentas e se sentava, cansado, na beira de um poço. Ele era pobre. Seus companheiros não eram nobres, mas pescadores.

E quando ele falava, usava palavras difíceis e rebuscadas? Não, ele falava a língua do povo. Ele nunca se curvou diante dos grandes e poderosos.

Pelo contrário, ele os confrontava: "Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Sepulcros caiados!". Ele dizia as mesmas verdades tanto para os ricos do Sinédrio quanto para os camponeses da Galileia.

Sua doutrina era a doutrina do povo. O evangelho nunca foi um evangelho para filósofos, pois não se esconde em palavras difíceis ou jargões técnicos. É tão simples que aquele que consegue ler "Quem crer e for batizado será salvo" pode ter um conhecimento salvador.

Por isso, os "sábios" deste mundo desprezam a simplicidade do evangelho. Fico triste quando vejo pregadores diluindo a Palavra com filosofia, querendo ser "intelectuais", entregando sermões perfeitos para uma sala de acadêmicos, mas inúteis para o povo comum, pois lhes falta simplicidade, calor e o evangelho puro.

A doutrina de Cristo é para todos. O pacto da graça não é para uma classe social específica. A congregação de Jesus era formada pelas massas, pela multidão. "E a grande multidão o ouvia com prazer".

Ó vocês, orgulhosos de sua riqueza! Ó vocês que não conseguem nem tocar nos pobres! Lembrem-se que o mestre a quem vocês dizem servir é o Cristo do povo. Seus ministros deveriam ser amigos de todos, lembrando-se de que seu Mestre era um de nós. Alegrem-se, multidões! Pois Cristo foi escolhido do meio do povo.

Aplicação prática

  • Abrace a simplicidade: O evangelho não é complicado. Se você se sente perdido em teologias complexas, volte ao simples: Cristo morreu por seus pecados e ressuscitou para sua salvação.
  • Rejeite a arrogância espiritual: Nunca se sinta superior aos outros por causa de seu conhecimento ou posição na igreja. Cristo se identificou com os humildes, e nós devemos fazer o mesmo.
  • Conecte-se com Jesus em seu dia a dia: Lembre-se de que ele entende o cansaço do trabalho, a frustração e as dificuldades da vida, pois ele as viveu. Ele não é um Deus distante.

2. A eleição de Cristo, o escolhido para o povo

Deus diz: "Exaltei um escolhido do meio do povo". Essa palavra, "eleição", incomoda algumas pessoas. Mas não podemos fugir dela; está bem aqui no texto. Jesus Cristo foi o escolhido do Pai.

Como homem, ele foi escolhido dentre o povo para ser o Salvador do povo e o Cristo do povo. Mas por que essa escolha foi tão sábia? Vamos descobrir.

Primeiro, a justiça foi plenamente satisfeita. Suponha que Deus tivesse escolhido um anjo para pagar por nossos pecados. Mesmo que um anjo pudesse suportar todo o sofrimento, a justiça não seria satisfeita. Por quê? Porque a lei declara: "A alma que pecar, essa morrerá".

Foi o homem quem pecou, então era o homem quem deveria morrer. A justiça exigia que, assim como por um homem veio a morte, por um homem também viesse a ressurreição. Por isso, foi necessário que Jesus fosse um homem, escolhido do meio do povo. Nem mesmo o anjo Gabriel poderia ter satisfeito essa exigência.

Segundo, toda a raça humana foi honrada. Você sabia que eu não gostaria de ser um anjo? Por mais fraco e imperfeito que eu seja, sou um homem. E na humanidade há uma dignidade que foi perdida no Éden, mas restaurada na ressurreição. O homem, o homem eleito, é o maior ser do universo, exceto Deus.

Olhe para o céu! À direita de Deus, radiante de glória, está sentado um homem! Quem governa a providência? Um homem — o homem Cristo Jesus. Quem virá para julgar o mundo com justiça? Um homem. E quem é o canal de toda a graça e misericórdia do Pai? Um homem — o homem Cristo Jesus.

E Cristo, sendo homem, exaltou você e eu, e nos colocou na mais alta posição. Ele nos fez assentar com ele nos lugares celestiais.

Terceiro, e mais doce, ele foi escolhido para ser nosso irmão. Que relacionamento incrível existe entre Cristo e o crente! Eu tenho um irmão mais velho no céu. Quando o inimigo me ataca, eu digo: "Vou contar para o meu irmão". Eu posso ser pobre, mas meu irmão é rico. Eu posso ser fraco, mas meu irmão é um Rei. E ele me ama com amor fraternal.

Mas mais do que isso, pense, crente! Cristo não é apenas seu irmão, ele é seu marido. "Porque o teu Criador é o teu marido". 

É uma alegria para a esposa saber que o coração de seu marido bate com amor por ela, e que tudo o que ele tem também é dela. Saber que essa aliança foi feita entre minha alma e o precioso Jesus é o suficiente para encher meu coração de música.

Quarto, ele foi escolhido para poder nos entender e simpatizar conosco. Existe um ditado que diz que metade do mundo não sabe como a outra metade vive. Muitos ricos não têm a menor ideia do que é a angústia dos pobres. Mas nosso glorioso Jesus Cristo foi escolhido do meio do povo e, portanto, ele conhece nossas necessidades.

Ele sentiu cansaço, sentado à beira do poço. Ele conheceu a pobreza, pois às vezes não tinha o que comer. Ele soube o que é não ter um lar, pois "as raposas têm seus covis, mas o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça".

Meu irmão cristão, não há lugar onde você possa ir, exceto o pecado, que Cristo não tenha ido antes. No vale da sombra da morte, você pode ver suas pegadas. Nas águas profundas do Jordão, você verá as marcas dos pregos em seus pés. Ele foi antes de você e preparou o caminho.

Pobre pecador, você tem medo de vir a Cristo? Você diz: "Sou um pecador tão grande, ele não terá misericórdia de mim". Oh, você não conhece meu Mestre! Ele é mais amoroso do que você imagina. Outros dizem: "Tenho medo de não saber como chegar, de não usar as palavras certas".

Isso é porque você esquece que Cristo foi tirado do povo. Se um presidente o convidasse para uma reunião, você ficaria ansioso sobre o que vestir e como se comportar. Mas se um amigo seu o chamasse, você simplesmente iria, porque ele é um de vocês.

Pecador, vá a Jesus como você está, com suas falhas, sua sujeira e sua maldade. Ele é um do povo. Se o Espírito lhe deu um senso de pecado, não estude como vir, apenas venha. Venha com um gemido, com um suspiro, com uma lágrima. Apenas venha.

Aplicação prática

  • Abandone o medo de não ser "bom o suficiente": A qualificação para vir a Cristo não é sua perfeição, mas sua necessidade. Ele veio para os doentes, não para os sãos.
  • Converse com ele como um amigo: Não se prenda a orações formais e ensaiadas. Fale com Jesus com a mesma sinceridade que você falaria com um irmão mais velho e sábio que o ama profundamente.
  • Confie na sua intercessão: Quando se sentir fraco ou tentado, lembre-se de que seu advogado no céu já passou por isso e está torcendo por você.

3. A exaltação de Cristo, o vitorioso pelo povo

"Exaltei um escolhido do meio do povo." E lembre-se, a exaltação de Cristo é a exaltação de todo o seu povo. Tudo o que Cristo é e tem, se eu sou um crente, é meu. Estamos sentados juntamente com ele nos lugares celestiais.

Primeiro, ele foi exaltado em sua união com a divindade. Foi uma honra incomparável para um corpo humano ser unido à divindade. Apenas de Jesus se pode dizer: "Deus se manifestou na carne".

Segundo, ele foi exaltado em sua ressurreição. Por três dias, a morte exultou, pensando ter vencido. Mas Jesus se levantou! Ele agarrou a morte, esmagou seus membros de ferro e declarou: "Ó morte, eu serei a sua praga!". Ele saiu do túmulo, radiante de glória, e os guardas fugiram aterrorizados.

Terceiro, ele foi exaltado em sua ascensão. Ele não foi levado por cavalos de fogo, como Elias. Ele subiu por seu próprio poder. E enquanto subia, os anjos o aclamavam: "Aí vem o Herói conquistador!". Os portões do céu se abriram, e ele marchou pelas ruas celestiais. Coroas foram colocadas a seus pés, e seu Pai disse: "Muito bem, meu Filho!".

Por fim, ele será exaltado em seu julgamento. Aquele que foi desprezado e rejeitado virá para julgar as nações. Ele não virá como um homem humilde e sofredor, mas como o Rei dos reis. Os livros serão abertos, e o Nazareno desprezado se sentará triunfante sobre todos os seus inimigos.

Em vez de zombarias, haverá um grito de miséria: "Escondam-nos da face daquele que está assentado no trono!". Ó vocês que hoje desprezam a Jesus, eu tremo por vocês! O olho que um dia chorou de compaixão brilhará como um relâmpago sobre seus inimigos, e a boca que disse "Vinde a mim", dirá "Apartai-vos de mim, malditos!".

Pecador, você pode achar que pecar contra o Homem de Nazaré é pouca coisa, mas descobrirá que ofendeu o Juiz de toda a terra. Que Deus o livre dessa condenação!

Cuidado para não ser aprisionado para sempre por seus pecados. Um momento de prazer, um desvio do caminho... isso é tudo, você diz. Mas você sabe o que esse "tudo" significa? Significa ser trancado para sempre. Se você quer escapar disso, ouça mais uma vez sobre o Homem "escolhido do meio do povo".

Para os orgulhosos, uma palavra: o Cristo da multidão, o Cristo das massas, o Cristo do povo é quem deve salvá-los, se é que serão salvos. Vocês devem se curvar, deixar de lado sua pompa, ou nunca serão salvos.

Mas para o pecador pobre e trêmulo, repito a promessa consoladora: "Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei". Você acha que é bom demais para ser verdade que Cristo salvaria alguém como você? Eu lhe digo: é exatamente o que ele faz. É a natureza dele. Ele salvou a Saulo, ele me salvou, e ele pode salvar você. Na verdade, ele salvará a todo aquele que vier a ele.

Adaptado do sermão "The People’s Christ", pregado por C. H. Spurgeon em 25 de fevereiro de 1855, no Exeter Hall, Strand.

Semeando Vida

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