Tiago 5.19-20
“Irmãos, se algum dentre vós se tem desviado da verdade, e alguém o converter, saiba que aquele que fizer converter do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte uma alma, e cobrirá uma multidão de pecados.”
Introdução
O verdadeiro crente sempre se alegra ao ouvir sobre a salvação de sua própria alma. É um prazer ouvir sobre o plano da aliança traçado na eternidade, o cumprimento na cruz do Calvário, a aplicação pelo Espírito Santo e a segurança que temos em Cristo.
Mas tenho certeza de que, por mais que amemos ouvir sobre nossa própria salvação, como novas criaturas em Cristo, feitas à imagem dele, temos um espírito de verdadeira benevolência. Por isso, nos alegramos ao ouvir, falar ou pensar sobre a salvação de outros.
Logo após a nossa própria salvação, o que mais valorizamos é a salvação de outras pessoas. Desejamos que aquilo que foi tão doce para o nosso paladar também seja provado por outros. O que foi tão precioso para nós também se torne propriedade de todos aqueles que Deus, em sua graça, chamar para a vida eterna.
Hoje, vou pregar sobre a conversão dos perdidos. Peço que você se interesse por este assunto como se fosse sobre a sua própria alma, pois, afinal, foi assim que alguns de vocês já estiveram um dia: perdidos, não convertidos, sem Deus.
Se Deus não tivesse pensado em você e movido seu povo para lutar por sua alma, onde você estaria agora?
Nosso texto envolve, em primeiro lugar, um princípio fundamental: o da instrumentalidade. Em segundo lugar, um fato geral: quem converte um pecador salva uma alma da morte. E, em terceiro, uma aplicação particular deste fato aos que se desviam.
1. O plano de Deus para nos usar
O primeiro ponto é o grande princípio da instrumentalidade. Deus, em sua sabedoria, escolheu usar instrumentos para a conversão de pessoas. Embora nem sempre seja assim, esta é a sua regra geral. Vejamos alguns pontos sobre isso.
Primeiro, a instrumentalidade não é uma necessidade para Deus. Ele pode, se quiser, converter almas sem usar ninguém. O Criador que usa a espada pode, se quiser, matar sem ela. Aquele que usa o pedreiro e o martelo pode, se assim o desejar, construir a casa em um instante com uma única palavra.
Nunca lemos sobre um instrumento na conversão de Abraão. Ele vivia em meio a idólatras, mas Deus o chamou diretamente de Ur dos Caldeus, sem usar um profeta. Nos tempos modernos, temos o poderoso exemplo de Saulo de Tarso.
Cavalgando para Damasco, cheio de fúria contra os cristãos, ele foi derrubado por uma voz do céu: “Saulo, Saulo, por que me persegues?”. Nenhum pregador foi seu pai espiritual; nenhum livro pode reivindicar sua conversão. Foi o próprio Jesus, de forma imediata.
Deus pode, se quiser, deixar o instrumento de lado. Ele não precisa de nós, embora nos use.
Segundo, usar instrumentos é algo que honra a Deus. Poderíamos pensar que seria mais glorioso se ele fizesse tudo sozinho, mas isso é um erro. Imagine um artesão habilidoso que consegue criar uma obra-prima com as próprias mãos. Agora, dê a ele as piores ferramentas que existem: quebradas, sem fio, frágeis.
Se, mesmo com essas ferramentas terríveis, ele conseguir criar algo belo, ele receberá mais crédito do que se tivesse usado apenas as mãos, pois as ferramentas foram um obstáculo, não uma ajuda.
Assim é com a instrumentalidade humana. Longe de sermos uma ajuda para Deus, muitas vezes somos um obstáculo. O que é um pastor? Um instrumento.
Mas é maravilhoso que alguém tão falho e imperfeito seja usado por Deus para gerar filhos espirituais. Deus usa instrumentos fracos para realizar grandes obras, e isso reflete ainda mais a sua glória, pois fica claro que o poder não está no instrumento, mas nele.
Terceiro, Deus geralmente usa instrumentos. Talvez um em cada mil casos seja uma conversão direta, mas em noventa e nove por cento das vezes, Deus usa seus servos, sua Palavra, um amigo cristão ou outros meios para nos levar ao Salvador.
A maioria das pessoas é alcançada pela conversa de um amigo, pelo exemplo de uma mãe, pelo pastor, pelo professor da escola dominical, pela leitura de um livro ou da Bíblia.
Não devemos, portanto, ficar sentados esperando que Deus faça tudo sozinho. É verdade que ele fará sua obra, mas ele a fará usando seus filhos como ferramentas.
Um último pensamento sobre isso: ser usado por Deus é a maior honra que alguém pode receber. É uma obra da qual, quem já experimentou, nunca mais quer sair. Aquele que foi usado para ganhar uma alma para Jesus sentirá que o cansaço é descanso e o trabalho é prazer, se por qualquer meio puder salvar mais alguém. Glória a Deus por nos honrar assim!
Aplicação Prática
- Deixe de se sentir inútil: Você acha que não tem nada a oferecer? Lembre-se de que Deus se glorifica ao usar "ferramentas" fracas e imperfeitas. Sua fraqueza é o palco perfeito para o poder dele.
- Reconheça sua história como uma ferramenta: Sua jornada, suas lutas e sua conversão são uma poderosa ferramenta em suas mãos. Não a esconda. Compartilhe-a.
- Não compare seus "instrumentos": Deus usa uma conversa de cinco minutos, um sermão de uma hora, uma mensagem de WhatsApp ou uma vida inteira de exemplo. Não menospreze a ferramenta que Deus colocou em sua mão, achando que a do outro é melhor.
2. Uma alma salva da morte
A maior felicidade que um ser humano pode experimentar é a de fazer o bem. Salvar um corpo da morte já nos dá um gostinho do céu na terra.
Alguns homens se gabam de ter tirado vidas. Um soldado pode se orgulhar de quantos inimigos derrubou. Mas não vejo glória nisso. A ideia de ter sido a causa da morte de alguém me tiraria o sono. Como eles conseguem lavar o sangue das mãos e dormir em paz?
Mas que alegria é ser o instrumento para salvar um corpo da morte! Imagine um bombeiro que entra em uma casa em chamas. Uma mãe e seus filhos estão presos no andar de cima.
As chamas bloqueiam a passagem. O bombeiro, movido pela compaixão, enfrenta o fogo. Embora queimado e quase sufocado, ele sobe as escadas que balançam, resgata a família e os traz para a segurança.
Ele pode ter arriscado a própria vida, talvez saia ferido, mas ele bate palmas e diz: “Eu salvei vidas!”. A multidão o aplaude como um herói, honrando-o mais do que a um general que destruiu uma cidade. É uma alegria incomparável.
Mas, amados, o corpo salvo do fogo hoje pode morrer amanhã. A alma salva da morte, no entanto, é salva para sempre. Se há alegria em salvar um corpo, quão maior é a alegria de ser usado por Deus para “salvar da morte uma alma, e cobrir uma multidão de pecados”!
Como isso acontece na prática?
Pode ser através de uma palavra simples. Muitos pensam que conversões só acontecem através do pastor. Que grande engano! Uma única frase de um amigo pode ser mais poderosa que um sermão inteiro. Havia um homem em uma cidade, um ateu convicto. Depois de muitas tentativas frustradas de convertê-lo, um ancião da igreja passou uma noite inteira orando por ele.
Pela manhã, foi até a oficina do homem. Ele planejava dizer muitas coisas, mas, com o coração cheio, tudo o que conseguiu dizer foi: “Senhor, estou profundamente preocupado com a sua salvação. Lutei com Deus a noite toda por você”. Dito isso, montou em seu cavalo e foi embora. O ateu largou seu martelo. Aquele argumento ele não conhecia: o argumento do amor sincero. O coração dele foi quebrado, e ele buscou o Salvador.
Pode ser através de uma carta. Você talvez não tenha o dom da palavra, mas pode escrever. Que meio doce de ser útil! Lembro-me de um homem que contava como lia as cartas de sua irmã. “Eu ficava encostado num poste, com um cigarro na boca, às duas da manhã, lendo as cartas dela.
Elas sempre me freavam. Eram como uma mão me puxando para longe do pecado.” No fim, uma dessas cartas, junto com uma providência de Deus, foi o meio para a sua conversão.
Pode ser através de seu exemplo. Muitos sentem que não podem pregar ou escrever. Mas há algo que todos podemos fazer: viver o evangelho. Muitos olham mais para a vida de Cristo escrita em você do que para a vida de Cristo escrita nas Escrituras.
Um ateu pode ter argumentos contra a Bíblia, mas um exemplo de vida cristã genuína — generosidade, honestidade, amor — o deixará sem palavras. Ele dirá: “Eu achava que a Bíblia era hipocrisia, mas não posso pensar assim quando vejo a vida daquela pessoa”.
Pode ser através do que escrevemos e publicamos. Pense em um livro, um artigo, ou até mesmo um sermão online. As palavras que foram ditas há semanas estão sendo lidas agora por alguém, enquanto lágrimas brotam de seus olhos. Recebi a notícia de um pastor que prega meus sermões em sua igreja. Quem pode dizer quantos corações serão alcançados assim?
A tecnologia hoje nos dá ferramentas incríveis. Um sermão no YouTube, uma mensagem no WhatsApp, um post em um blog. Deus usa tudo isso para alcançar pessoas que nunca pisariam em uma igreja.
Mas, no fim, a pregação ainda é o meio ordenado por Deus para a salvação, e através dela, dez vezes mais pessoas são trazidas a Cristo do que por qualquer outro meio. Que honra é ser usado para salvar almas através da pregação!
Lembro-me de uma mulher que estava a caminho de tirar a própria vida, mas decidiu entrar em nossa igreja para uma última mensagem. Naquela noite, o texto era sobre a mulher pecadora que lavou os pés de Jesus. Ela se viu naquela história, e seu coração se derreteu. Deus a salvou da morte física e da morte eterna.
Não vale a pena gastar dez mil vidas por isso? Homens e mulheres, como vocês podem gastar melhor seu tempo e seus recursos do que na causa do Redentor? Esta é uma riqueza que você pode levar para a eternidade: as almas que você, sob a graça de Deus, ajudou a salvar da morte.
Aplicação Prática
- Use suas palavras: Não subestime o poder de uma conversa sincera. Pergunte a um amigo sobre sua vida espiritual. Compartilhe o que Deus tem feito por você. Uma palavra de preocupação genuína pode quebrar as barreiras mais duras.
- Use seu exemplo: Suas ações pregam mais alto que suas palavras. Como você lida com o estresse no trabalho? Como trata o garçom no restaurante? Como responde a uma ofensa? Alguém está sempre observando.
- Use a tecnologia: Compartilhe um sermão, um artigo ou um versículo que o abençoou. Você nunca sabe quem pode estar a um clique de distância de uma mensagem que mudará sua vida.
3. O resgate de quem se desviou
O texto se aplica de forma especial àqueles que se desviaram da verdade: os desviados. Trazer de volta um desviado é tão honroso para Deus quanto trazer um novo pecador.
Infelizmente, o desviado é frequentemente o mais esquecido. Quando um membro da igreja cai em pecado, a moda hoje é não ter mais nada a ver com ele. Dizem: “Ele é uma má influência, vamos nos afastar”.
Amados, se ele está no pior estado, não é essa a maior razão para irmos atrás dele? Não entendo essa falsa modéstia ou esse orgulho excessivo que nos impede de ir atrás dos piores pecadores. Quanto pior o caso, maior o motivo para irmos.
E se ele for um filho de Deus que caiu? Lembre-se, ele ainda é seu irmão. Ele está unido a Cristo tanto quanto você. Se você o despreza, despreza o Mestre dele. Cuidado! Você também pode ser tentado e cair um dia. Como você se sentiria se os irmãos passassem por você com desprezo?
Se temos um desviado em nossa igreja, cuidemos dele com especial carinho. Não o trate com dureza. Lembre-se de que você também seria um desviado, se não fosse pela graça de Deus. Vá em busca da ovelha perdida da casa de Israel.
Um apelo final
Para você que se desviou: talvez você pense que nunca foi um crente de verdade, que apenas enganou a si mesmo e aos outros. Saiba que seu caso não está perdido. Se você confessar isso, Deus o perdoará. O convite para vir a Cristo ainda está de pé, mesmo que você tenha entrado no acampamento dele como um espião.
Mas se você sabe que um dia amou a Deus e ele o amou, saiba que ele ainda o ama. Não importa o quão longe você tenha ido, você ainda é filho dele. Seu Pai anseia por você. Volte! Ele não o receberá com uma espada, mas com braços abertos e beijos de amor.
E para você que está aqui, sem Cristo, saiba que está caminhando de olhos vendados para a perdição. Deus me envia hoje como um embaixador. Se você não ouvir, da próxima vez ele não enviará um embaixador, mas um executor. Você consegue suportar a condenação? Consegue fazer sua cama no inferno?
O caminho para ser salvo é abandonar suas obras e fugir para Jesus. Se você confessar que é um pecador, isso é tudo o que Deus requer — e até mesmo isso, ele lhe dá. Jesus diz: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei”.
Você ouvirá suas palavras de amor? A cruz não tem poder para atraí-lo aos seus pés? Confesse seus pecados hoje, e há um Cristo para você. Aquele que crer e for batizado será salvo, mas aquele que não crer será condenado.
Adaptado do sermão "Conversion" (Nº 45), pregado por C. H. Spurgeon em 7 de outubro de 1855, no New Park Street Chapel, Southwark, Londres.
