Você sente que perdeu o primeiro amor?: descubra as causas da frieza espiritual e como reencontrar a alegria em Cristo — Sermão sobre Jó 29:2

 

Jó 29.2
Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!

Na maior parte do tempo, o bom Pastor conduz seu povo para junto de águas tranquilas e o faz repousar em pastos verdejantes. Mas, às vezes, o caminho atravessa um deserto, onde não há água e a alma se sente perdida.

Nesses momentos, famintos e sedentos, o coração desfalece, e clamamos ao Senhor em nossa angústia.

Embora muitos cristãos vivam em alegria quase constante, descobrindo que os caminhos de Deus são de fato prazerosos e de paz, há também muitos que passam pelo fogo e pela água. Eles enfrentam todo tipo de provação e tristeza.

O dever do ministro é pregar para as diferentes estações da alma. Às vezes, advertimos os confiantes para que não se tornem presunçosos; outras vezes, despertamos os sonolentos para que não durmam o sono da morte.

Hoje, nossa missão é confortar os desanimados. Queremos oferecer uma palavra que, com a ajuda de Deus, possa tirá-los dessa triste condição, para que não precisem mais clamar: "Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!".

Vamos direto ao ponto: a queixa, suas causas e sua cura.

1. A queixa de uma alma desanimada

Quantos de nós olhamos para o passado com saudade, para o futuro com medo e para o presente com tristeza? Lembramos dos primeiros dias na fé como os mais doces e vibrantes, mas o agora parece coberto por um véu de escuridão.

Sentimos que nos afastamos de Jesus ou que ele escondeu seu rosto de nós, e então o grito ecoa em nosso coração: "Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!". Vamos analisar as diferentes formas que essa queixa assume.

A perda da certeza da salvação

O primeiro caso é o daquele que perdeu a clareza de sua fé. Ele pensa consigo mesmo: “Ah, se eu pudesse reviver aqueles dias! Naquela época, eu não tinha dúvida da minha salvação. Se alguém me perguntasse a razão da minha esperança, eu responderia com confiança e mansidão.”

Nenhum medo me assombrava. Eu podia dizer com Paulo: ‘Eu sei em quem tenho crido’, e com : ‘Eu sei que o meu Redentor vive’. Minha alma estava firme sobre a rocha, que é Cristo Jesus.

Mas agora, tudo mudou. Onde não havia nuvens, hoje há uma tempestade. Onde eu lia meu nome no livro da vida, hoje tremo ao pensar que meu nome pode estar no livro da condenação. A escuridão é tão densa que mal consigo enxergar um palmo à frente.

Perdi a minha certeza no meio do caminho. Temo chegar ao final da jornada e ter a entrada negada, por ter confundido convicções naturais com a obra genuína do Espírito Santo. É uma das queixas mais comuns que ouvimos.

A falta de paz e confiança em Deus

Outra forma que essa queixa assume não é tanto a perda da certeza da salvação, mas a perda da paz diária em meio às circunstâncias. A pessoa diz: "Ah, se fosse como antigamente! Os problemas vinham, mas eu os via como nada. Eu conseguia entregar tudo a Deus."

Naquela época, eu não tinha medo do futuro. Eu confiava que o Senhor proveria. Colocava meu trabalho e minha família nas mãos dele e dormia em paz. Eu agia como o passarinho que acorda e canta, mesmo sem saber de onde virá sua próxima refeição.

Minha vontade era a vontade de Deus. Mas como estou diferente agora! Se perco um pouco de dinheiro, fico ansioso por dias. Se uma pequena sombra de dúvida sobre o futuro surge, ela se transforma numa nuvem escura sobre minha alma.

O amor próprio se enraizou em meu coração como uma planta daninha. Há coisas que amo mais do que a Deus. Há algo que eu não conseguiria entregar. Antes, eu contava a Deus todas as minhas dores, mas agora, tolamente, carrego meus fardos sozinho. Que saudades daquela paz que eu desfrutava!

A frieza nos cultos e na leitura da palavra

Talvez você se identifique aqui. Alguém lamenta: “Antigamente, quando eu ia à igreja, cada palavra era como mel para minha alma. Eu ouvia como se um anjo estivesse pregando. As lágrimas rolavam, meu coração ardia.”

Eu acordava no domingo cantando, ansioso pelo culto. Minha voz era uma das mais altas no louvor. Eu saía da igreja leve, contando a todos as maravilhas que tinha ouvido. Os cultos de oração eram momentos poderosos, e a leitura da Bíblia era como ver uma página iluminada por uma luz divina.

A oração era um prazer. Eu sentia que não podia viver sem passar tempo de joelhos. Eu amava meu Deus, e sentia que ele me amava. Mas agora... ah, como tudo mudou!

Vou à igreja, ouço o mesmo pregador, mas meu coração está duro. As emoções são raras. Quando oro em secreto, parece que as rodas da minha carruagem espiritual se soltaram, e tudo se arrasta. Canto com a boca, mas meu coração não acompanha. "Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!", quando a luz do Senhor brilhava sobre mim.

A consciência que se tornou insensível

Há um lamento ainda mais sutil, mas igualmente doloroso. Alguns de nós percebemos que nossa consciência não é mais tão sensível como antes. “Quando conheci o Senhor”, você diz, “eu tinha medo de dar um passo em falso. Eu olhava com cuidado antes de tomar qualquer decisão.”

Se havia a menor suspeita de pecado em algo, eu fugia. As pessoas me chamavam de puritano. Minha consciência era como uma planta sensitiva: ao menor toque do pecado, minhas folhas se fechavam. Eu era todo sensibilidade.

Mas agora, minha consciência parece ter adormecido. Eu a anestesiei, e ela não me alerta mais como antes. Um pequeno pecado já não me assusta. E esse "pouquinho" mostra a inclinação do meu coração. Ah, que saudade daquela consciência sensível! Que eu não tenha essa casca grossa, impenetrável à verdade. "Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!".

O zelo por almas que se apagou

Finalmente, há aqueles que lamentam a perda do zelo pela glória de Deus e pela salvação das pessoas. Meses atrás, se víamos alguém caminhando para a perdição, nossos olhos se enchiam de lágrimas. Desejávamos nos sacrificar para salvar uma alma.

Nós sentíamos que precisávamos falar de Jesus o tempo todo. Estávamos dispostos a ser ridicularizados e perseguidos pelo mundo, se isso significasse fazer algum bem. Nosso coração queimava com um desejo intenso por almas.

Mas agora... almas podem se perder, e não derramamos uma lágrima. Pecadores podem afundar no abismo, e não soltamos um gemido. Pregamos sem paixão, oramos por eles sem sentir o peso da necessidade deles.

Nossa compaixão parece ter morrido. Antes, era como se ouvíssemos os lamentos do inferno, o que nos impulsionava a agir. Hoje, esquecemos disso tudo. Se esse é o seu estado, meu irmão, então podemos dizer juntos: “Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!”.

Aplicação Prática

Refletir sobre essas perdas não é para gerar culpa, mas para despertar um diagnóstico honesto. Qual dessas queixas mais ressoa em seu coração hoje?

  • Faça um diário espiritual por uma semana: Anote como você se sente em relação a Deus, à oração e à igreja. A honestidade é o primeiro passo para a cura.
  • Liste suas preocupações: Se você perdeu a paz, escreva todos os seus medos e ansiedades em um papel. Depois, ore sobre cada um deles, entregando-os simbolicamente a Deus.
  • Peça um coração sensível: Ore especificamente: "Senhor, quebra a dureza do meu coração. Dá-me novamente uma consciência que Te teme e um zelo que Te ama".

2. As causas e a cura para o desânimo

Agora vamos investigar as raízes desse estado melancólico. Entender a causa nos aponta diretamente para a cura.

A negligência na oração

Meu irmão, uma das principais razões para sua condição é esta: você não ora como antes. Nada traz tanta fraqueza para a alma quanto a falta de oração. Um quarto de oração negligenciado é o berço de todo mal espiritual.

Ninguém pode progredir na graça se abandona a oração. Não importa quão forte ele seja na fé. Nenhum cristão tem "gordura espiritual" acumulada o suficiente para viver da graça de ontem. Precisamos de pão fresco todos os dias, e ele vem pela oração.

Você não consegue olhar para trás e dizer: “Três ou quatro meses atrás, minhas orações eram mais regulares, mais fervorosas, mais sinceras”? Se a resposta for sim, não procure outra causa. Aí está o problema.

E a solução? Orar mais. Foi a falta de oração que o derrubou; será a abundância de oração que o levantará. A oração é o navio que enviamos aos céus e que volta carregado de tesouros. Se você deixa seu navio no porto, não se admire de sua pobreza.

Uma dieta espiritual pobre

É possível que a culpa não seja inteiramente sua, mas do alimento espiritual que você tem consumido. Como alguém pode crescer na graça se não é regado com as águas que alegram a cidade de Deus? Como pode se fortalecer em Cristo se não se alimenta de comida espiritual sólida?

Se você tem frequentado um lugar onde o evangelho não é pregado com clareza e poder, e sua alma está definhando, você precisa buscar um pasto mais verdejante. Cada ovelha é responsável por ir aonde encontra o alimento que a nutre.

Muitas vezes, um ministério fraco pode transformar o povo de Deus em esqueletos espirituais. Não é de se admirar que, sem alimento, eles sintam saudade dos dias em que eram bem alimentados.

O abandono dos meios de graça

Outra razão comum é a frequência com que você vem para se alimentar. Lembro de pessoas que vinham aos cultos duas vezes no domingo. Na segunda-feira, estavam no estudo bíblico. Na quinta, na reunião de oração. Elas organizavam suas vidas para não perderem os meios de graça.

Mas, com o tempo, começaram a pensar: “Estou muito cansado”, “É muito longe para ir”. E assim, abandonaram um culto, depois outro. E logo começaram a clamar: “Ah, quem me dera voltar aos meses do passado!”.

Ora, não há mistério nisso. A pessoa não está comendo tanto quanto costumava. Se você abandona os cultos durante a semana, a menos que seja absolutamente impossível comparecer, está abrindo mão de uma fonte vital de força. Deus derrama seu leite no domingo, mas muitas vezes a nata fica para os encontros menores e mais íntimos.

A idolatria do coração

Muitos entregaram o coração a algo que não é Deus. Colocaram seus afetos nas coisas da terra, em vez das coisas do céu. É impossível amar o mundo e amar a Cristo ao mesmo tempo. E é muito difícil não se apegar às criaturas.

Sempre que construímos um bezerro de ouro para adorar, cedo ou tarde esse ídolo cairá sobre nós e quebrará alguns de nossos ossos. Deus não divide sua glória. Ele quer que seu povo viva dele, e somente dele.

Se buscamos satisfação em outras fontes, ele mesmo se encarregará de amargar nossa bebida para nos levar de volta à Rocha de águas puras. Cuidemos para que nossos corações sejam inteiramente de Cristo. Se forem, não teremos que clamar com tanta frequência por um passado perdido.

O orgulho e a autossuficiência

A causa mais comum de todas é, talvez, a autoconfiança e a justiça própria. Ah, esse velho inimigo! A justiça própria é como uma serpente, pois consegue se infiltrar pela menor fresta.

Se você serve a Deus, o inimigo sussurra: “Que servo fiel você é!”. Se você ora bem, ele aplaude: “Que dom maravilhoso você tem!”. Se você vence uma tentação, ele o parabeniza: “Você é um grande guerreiro!”.

Logo, você começa a se sentir forte, melhor que aquele irmão mais fraco ao seu lado. E, enquanto se sente o mais humilde, na verdade, você se tornou o mais orgulhoso. Exatamente quando pensamos que somos os melhores, geralmente estamos no nosso pior momento.

É essa justiça própria que nos faz murmurar. Sua lâmpada está com o pavio sujo de orgulho. Você precisa que essa sujeira seja removida, e então sua luz voltará a brilhar. Você está voando alto demais e precisa voltar para os pés do Salvador, como um pecador pobre e perdido.

Aplicação Prática

A cura está intimamente ligada à causa. Se você identificou uma ou mais dessas raízes em sua vida, a solução é tomar o caminho de volta.

  • Agende um compromisso com a oração: Coloque um alarme no celular. Defina um lugar. Comece com 15 minutos. Trate a oração como o compromisso mais importante do seu dia.
  • Avalie sua "dieta": O que você tem lido, ouvido e assistido? Seu alimento espiritual é nutritivo ou é "fast-food" que não sustenta? Busque sermões, livros e podcasts que aprofundem sua fé.
  • Volte para a comunidade: Não se isole. Participe de um pequeno grupo. Vá ao culto de oração. A brasa longe do fogo se apaga.
  • Faça um "detox" de ídolos: Pergunte-se honestamente: "Onde tenho buscado minha segurança e alegria fora de Deus?". Peça a Deus para destronar esses ídolos do seu coração.

3. Um chamado ao avivamento pessoal

Para concluir, quero deixar uma palavra de consolação e, em seguida, uma exortação.

Primeiro, a consolação. Talvez você esteja pensando: “Eu nunca mais serei feliz. Perdi a luz do seu rosto para sempre”. Você se lembra do homem na jaula de ferro no livro O Peregrino? Ele dizia: "Eu entristeci o Espírito, e ele se foi. Estou preso aqui e nunca mais sairei."

Mas, meu amigo, você não está fadado a permanecer nessa jaula. Outros já estiveram aí e saíram. Você não quebrará as barras de ferro com sua própria força. 

O que você deve fazer? Comece a cantar, como um pássaro engaiolado. Clame a Deus para libertá-lo. E ele o ouvirá. Você encontrará novamente a certeza da sua salvação.

Agora, uma exortação. Muitos de nós se contentam em ser apenas salvos, em apenas "entrar no céu". Dizem: “Se eu conseguir passar pela porta, já está bom”. E vivem um cristianismo mínimo, morno. Mas o que é "moderação" na religião? É uma mentira.

Ser moderadamente religioso é ser irreligioso. Uma fé que não transforma o coração e a vida não é fé de forma alguma. Tenham cuidado, sepulcros caiados! Vocês se contentam com a aparência, sem olhar para a podridão interior.

Cuidado, cristãos com asas de cera! Vocês voam bem aqui na terra, mas quando se aproximarem do sol da justiça de Cristo, suas asas derreterão, e vocês cairão na destruição. Queira ser ouro de verdade, purificado no fogo, e não metal barato pintado para parecer valioso.

Você deseja ser útil? Deseja honrar seu Mestre? Deseja levar uma coroa pesada para o céu, cheia de estrelas, para depositá-la aos pés do Salvador? Se sim, então busque, acima de tudo, que sua alma prospere e tenha saúde. Não se contente em ser um cristão anão espiritual.

Para aquele que ainda não conhece a Cristo, talvez seu lamento seja: "Ah, se eu pudesse voltar ao passado, quando eu tinha saúde, dinheiro e podia pecar sem consequências." Mas, pobre pecador, seu caminho é sempre para baixo. Em vez de olhar para trás, olhe para cima e clame: “Ah, que eu seja feito um novo homem em Cristo Jesus!”.

Deus pode fazer de você uma nova criatura. O Espírito Santo pode construir uma casa nova a partir de suas ruínas. Ele pode lhe dar um novo coração, novos prazeres, novas esperanças e, por fim, um novo céu.

"Mas eu posso ter isso?", você pergunta. Eu lhe digo: “Esta é uma palavra fiel e digna de toda aceitação: que Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores”. E ainda: “Aquele que vem a mim, de maneira nenhuma o lançarei fora”.

Você deseja vir? Se sua alma reconhece sua necessidade de um Salvador, então a porta está aberta. Venha a Jesus agora mesmo. Ele o receberá, o abençoará e o salvará da morte e do inferno, para o seu reino de glória.

Que Deus assim o conceda, para a glória do seu nome. Amém.


Adaptado do sermão "Comfort for the Desponding", nº 51, pregado por C. H. Spurgeon em 25 de novembro de 1855, na Capela de New Park Street, Southwark.

Semeando Vida

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