A palavra batizar na literatura patrística e o modo de batizar na igreja pós-apostólica



Resumo
  • O autor analisa a palavra batizar na literatura patrística e o modo de batizar na igreja pós-apostólica, e argumenta que essa palavra não significa sempre e somente imergir, mas depende do contexto em que é empregada. Entre os seus argumentos estão:
  • A literatura patrística é a literatura produzida pelos santos pais ou santos padres, que são os escritores e teólogos cristãos dos primeiros séculos da era cristã, logo após os tempos apostólicos. Esses escritores eram sucessores dos cristãos da era apostólica e empregavam os mesmos termos que eles empregavam, no mesmo sentido em que eles os empregavam.
  • A palavra batizar na literatura patrística não significa sempre e somente imergir, mas depende do contexto em que é empregada. 
  • O autor mostra como Clemente de Alexandria diz no seu livro Stromateis que o costume dos judeus era serem muitas vezes batizados no leito, o que não podia ser por imersão, mas por aspersão. 
  • Ele também mostra como Orígenes usa a palavra batizar para descrever o derramamento de água sobre a lenha do altar preparado por Elias no Monte Carmelo, e como ele diz que Jesus denomina o derramamento do seu sangue um batismo.
  • O modo de batizar na igreja pós-apostólica não era somente por imersão, mas também por aspersão ou derramamento. 
  • O autor mostra como Tertuliano diz no seu livro De Baptismo que os apóstolos receberam o mandamento de batizar em qualquer água disponível. 
  • Ele também mostra como Cipriano diz no seu livro De Lapsis que os mártires eram batizados com o seu próprio sangue. 
  • Ele também mostra como Eusébio diz na sua História Eclesiástica que Constantino foi batizado na sua cama antes de morrer.

Resta-nos ainda examinar os escritos dos santos pais, ou santos padres, como às vezes são chamados os escritores e teólogos cristãos dos primeiros séculos da era cristã, logo após os tempos apostólicos. À literatura produzida pelos santos pais dá-se o nome de literatura patrística.

Esses escritores, sendo sucessores dos cristãos da era apostólica, haviam muito naturalmente, de empregar os mesmos termos que foram empregados pelos cristãos primitivos, e no mesmo sentido em que eles os empregavam.

É valioso, portanto, o testemunho da literatura produzida pelos santos padres. Faremos algumas citações das suas obras para mostrar que empregaram o termo baptizo não, só no sentido de imergir, mas também em outros sentidos. As citações são do livro do dr. Ashbel C. Fairchild sobre "Ó Batismo Bíblico".

Clemente de Alexandria, o escritor de mais renome do segundo século, diz no quarto livro do seu Stromateis: "Este era o costume dos judeus, o serem muitas vezes batizados no leito"; (épi koite baptizesthai)

Não é possível que os judeus tivessem o costume de se imergirem quando deitados nos leitos, mas podiam ser aspergidos. Já tivemos ocasião de ver que os judeus faziam as suas purificações cerimoniais por aspersão como assevera Marcos (Marcos 7:4).

Orígenes foi um dos mais celebres teólogos dos segundo e terceiro séculos da era cristã. Emprega a palavra baptizo para descrever o derramamento de água sobre a lenha do altar preparado por Elias no Monte Camelo. No seu comentário sobre João, Orígenes assim se expressa:

"Como viestes a pensar que Elias, quando viesse, havia de batizar, que no tempo de Acabe não batizou a lenha sobre o altar, que devia ser lavada antes de ser queimada pelo aparecimento do Senhor em fogo? Mas ele ordenou aos sacerdotes que o fizessem; não uma só vez, mas diz, 'fazei-o pela segunda vez’, e eles o fizeram pela segunda vez: e ‘fazei-o pela terceira vez’; e fizeram-no pela terceira vez. Ele, portanto, que naquele tempo não batizou, mas encarregou a outros desse serviço, seria provável que ele batizasse, quando viesse, de acordo com a profecia de Malaquias?"

Nesse trecho Orígenes se refere ao fato de Elias ter encarregado os sacerdotes do serviço de batizar a lenha do altar.


E como foi feito esse batismo? O historiador sagrado nos diz em 1 Reis 18:33: "Dispôs a lenha, dividiu o novilho em pedaços e pô-lo sobre a lenha. Ele disse: enchei de água quatro talhas e entornai-as sobre o holocausto e sobre a lenha".

O holocausto e a lenha não foram mergulhados na água, mas a água foi sobre eles entornada. Esse batismo a que se refere Orígenes não foi por imersão.

O mesmo Orígenes, tendo citado as palavras de Jesus "Tenho de ser batizado com um batismo" (Lucas 12:50), faz o seguinte comentário; "Vedes, portanto, que ele denomina o derramamento do seu sangue um batismo". — Homilia 7, sobre Juízes 6. O derramamento do sangue de Jesus não foi uma imersão, e, no entanto, Orígenes dá-lhe o nome de batismo.

João de Damasco, eminente teólogo da Igreja grega, referindo-se a João Baptista, diz:

"João foi batizado (ebaptisthe) colocando a mão sobre a cabeça do seu divino Mestre, e pelo seu próprio sangue" (Vol. I, pag. 261, Ed. de Paris de 1712).

O mesmo escritor se refere ao batismo (baptisma) por sangue e pelo martírio, pelo qual Jesus foi batizado (ebaptizeto) por nós.

Santo Atanásio menciona sete batismos diferentes e, entre eles, o batismo de Moisés no mar, a ablução cerimonial dos judeus e o batismo de lágrimas. Nenhum desses três últimos batismos foi por imersão.

S. Gregório de Nazianzen, um dos quatro eminentes santos da Igreja grega, também conhecia vários batismos: "Conheço", diz ele, "um quarto batismo, o do martírio e de sangue; e conheço um quinto, o de lágrimas".

Das citações feitas depreende-se, bem claramente, que os santos padres empregavam freqüentemente a palavra baptizo em sentido diferente de imersão. Concluímos, portanto, que o testemunho da literatura patrística é contrario à infundada afirmativa de que o vocábulo grego baptizo significa sempre e somente imergir.

Do nosso estudo da literatura grega patrística resulta a conclusão de que os santos pais não empregavam a palavra baptizo no sentido exclusivo de imersão. Para dar a ideia da imersão completa, lançaram mão de outro vocábulo.

Tão logo que a prática da imersão se generalizou na Igreja primitiva, os cristãos gregos sentiram a necessidade de empregar uma palavra que desse a ideia exata da imersão.

A palavra por eles escolhida foi kataduo que significa mergulhar, afundar ou submergir. Se a palavra baptizo tivesse tido, para eles, a significação exclusiva de emergir, não teriam tido a necessidade de se valer de outro vocábulo para expressar essa ideia.

Passamos a dar quatro trechos da literatura patrística, em que se emprega o termo kataduo, para significar imersão completa. Esses trechos são extraídos do livro do dr. Fairchild: "O Batismo Bíblico".

O primeiro trecho é o seguinte de S. Basílio: “Por três imersões (en trisi katadusesi) e por igual numero de invocações, o grande mistério do batismo é completado" - De Spirit, cap. 15.

A imersão trina de que fala o trecho citado é uma das provas que contribui para mostrar que a Igreja primitiva, bem cedo, se desviou da pureza e simplicidade das práticas e doutrinas apostólicas.


Ademais, bem cedo, penetrou na Igreja a heresia da regeneração batismal, como se verifica do segundo trecho tirado dos escritos de S. João de Damasco: "O, batismo é um tipo da morte de Cristo: porque por três imersões (kataduseon) o batismo significa etc." — Orthod. Fid. IV. 10.

Nota-se nesse trecho que João de Damasco caiu no erro de supor que o batismo é tipo da morte de Cristo.

Os elementos empregados na santa ceia são tipos da morte de Cristo e não o batismo. O batismo é um tipo da regeneração do cristão, ou representa a expiação de pecados aplicada pelo poder do Espírito Santo ao coração do crente.

Nos escritos de Photio encontramos uma referencia à imersão de crianças, nos seguintes termos: "Imergir (katadusai) a criança três vezes no banho e tirá-la outra vez (anadusai), isso mostra a morte etc." — Quest. Apud Athen. Qu. 94.

Nos escritos de S. Cirilo Jerusalém encontramos ainda o seguinte trecho: "Imergi-os (kataduete) três vezes na água e levantai-os de novo".

Das citações feitas, há duas conclusões a deduzir.

A primeira é que bem cedo na história da Igreja apareceu a heresia da regeneração batismal e que a Igreja logo se desviou da simplicidade do rito apostólico do batismo, substituindo-o pela inovação da imersão trina que se julgava ser tipo da morte e sepultamento de Cristo.

A segunda conclusão é que, tendo se generalizado na Igreja o batismo por imersão, os santos pais gregos sentiram a necessidade de empregar um vocábulo que expressasse com exatidão a idéia de imersão, sendo escolhida para esse fim a palavra kataduo.

Nesse fato temos mais uma prova de que na literatura grega a palavra baptizo não significa somente imergir, pois se a palavra baptizo expressasse bem a idéia de imersão, e só imersão, não teria sido necessário procurar outro termo para dar essa idéia.

Os escritores patrísticos empregavam a palavra baptizo em casos em que não havia imersão, como já tivemos ocasião de ver, e empregavam a palavra kataduo para indicar imersão, e, portanto, no grego patrístico a palavra baptizo não tem o sentido exclusivo de imergir.

Um dos mais preciosos documentos históricos da Igreja primitiva é a Didaquê ou "O ensino dos apóstolos" que foi escrito, conforme a opinião dos entendidos, logo após a era apostólica, ou seja, entre os anos 90 e 100 A. D.

Diz o prof. Otoniel Motta, ilustre gramático e helenista, a respeito desse documento:

"O mais antigo testemunho escrito acerca do modo como se comportava a Igreja primitiva é o que nos ministra a Didaquê, o precioso livrinho descoberto não há muito tempo. A sua antigüidade cada vez mais se firma. Dão-lhe alguns a data de 90 A. D. É pois anterior a Justino Mártir, a Inácio, a Clemente de Roma, se acaso essa data se puder firmar. Em todo o caso não andará longe dela".

Transcrevemos, em seguida, a tradução do prof. Otoniel Motta do trecho da Didaquê que se refere ao batismo cristão:

"Com relação ao batismo, assim é que haveis de batizar. Tendo primeiro recitado todas estas coisas, batizai em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, em água viva. Mas se não tiveres água viva, então batiza em outra água; e se não puderdes fazê-lo em água fria, fazei-o em água quente. Mas se não tiveres nem uma nem outra, então derrama água sobre a cabeça três vezes, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo".

Depreende-se claramente, do trecho acima citado, que na Igreja primitiva, logo após a era apostólica, um dos modos de se administrar o batismo era pelo derramamento de água sobre a cabeça batizando por três vezes, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.


Temos, portanto, na "Didaquê" que era um manual de doutrina e de culto dos cristãos primitivos, mais um exemplo claro e insofismável de um batismo por afusão. Nesse caso, batizar não pode ter a significação de imergir. Logo, é insustentável a afirmativa que a palavra baptizo significa sempre e somente imergir.

Estamos agora preparados para dizer mais alguma coisa a respeito da história do batismo por imersão. O trecho acima citado da "Didaquê" não determina com clareza o modo de batizar, exceto no último caso mencionado, em que a água é derramada três vezes sobre a cabeça do batizando. É possível que nos outros casos o batismo fosse feito por imersão.

As instruções da "Didaquê" exigem que se procure, em primeiro lugar água viva ou corrente, mas não se diz se o batizando vai ser mergulhado para receber o batismo. A água viva deve ser de alguma fonte ou rio.

Caso não encontre água viva, o ministrante pode fazer uso de outra água. Parece que o batizando deverá entrar na água, pois é natural inferir que essa água deve ser em quantidade maior do que no caso de simples derramamento.

O uso de água aquecida também é permitido, provavelmente para batizar pessoas doentes que não suportariam a água fria.

E, finalmente, se não houver água disponível, em quantidade suficiente para administrar o batismo, enquanto a pessoa está dentro da água, é licito derramar água três vezes sobre a cabeça da pessoa, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

Ao que parece, as pessoas a ser batizadas entravam na água, quando isso era possível, mas esse fato não determina que o ato batismal fosse uma imersão.

É preciso lembrar que as fontes batismais da Igreja primitiva geralmente não eram de tamanho suficiente para imergir um adulto. A esse respeito diz o dr. Edward Robinson:

"As fontes batismais ainda encontradas nas ruínas das mais antigas igrejas da Palestina, como em Tekoa e Gophna, e que remontam aparentemente a tempos muito primitivos, não têm tamanho suficiente para comportar o batismo de pessoas adultas por imersão; e obviamente não foram construídas para esse fim" (Vide Bibl. Res, in Palest. II, pag. 182; III, pag. 78).

Em alguns casos, os batizandos ficavam em pé, em outros casos ficavam sentados, ou então de joelhos. O dr. Fairchild menciona os casos seguintes no seu "Batismo Bíblico", pag. 112:

Um quadro antigo do batismo do imperador Constantino, do quarto século, representa-o sentado em um grande vaso, em que fizera uma ablução, enquanto o bispo Eusébio derrama-lho água sobre a cabeça. 


Um outro batismo é de um menino de dez ou doze anos de idade. Está despido, em pé, e com as mãos levantadas para o céu. O padre derrama-lhe água sobre a cabeça de um jarro. Esta representação é obra de artistas gregos. Um terceiro quadro representa dois candidatos despidos e ajoelhados no chão. 


O ministro derrama água sobre eles de uma pequena vasilha. Uma grande pia se vê à esquerda, onde teriam já feito a purificação necessária. Ao lado da pia, está um terceiro candidato, ajoelhado em oração, dispondo-se a tratar da ablução preparatória para o batismo.

Não se pode negar que o batismo por imersão tenha aparecido bem cedo na história da Igreja cristã pós-apostólica. No capítulo quarto dos nossos estudos aludimos ao fato que o batismo por imersão no tempo de Tertuliano, apareceu em má companhia, ligado com a doutrina da regeneração pelas águas batismais.


Justino Mártir, escrevendo cerca do ano 150, mostra-se crente na regeneração batismal. Tertuliano mostra-se contaminado com a mesma heresia e adota o batismo por imersão. Muitos outros santos padres, depois destes dois, mostraram-se crentes na regeneração pelo batismo com água e praticavam a imersão trina.

Esse batismo se generalizou rapidamente e logo se tornou a forma preferida na Igreja pós-apostólica. No meio do terceiro século já era esse o uso predominante e era geral a crença na regeneração batismal.

Apesar dessa generalização da prática da imersão, a Igreja não deixou de praticar também a afusão, como provam os exemplos que passamos a citar. Mais uma vez, colhemos as nossas informações do "Batismo Bíblico" do dr. Fairchild.

Niceforo, um escritor do segundo século, nos "Séculos de Magdeburgo", relata que um judeu, viajando no deserto na companhia de alguns cristãos, se converteu; e adoecendo pediu o batismo. Não havendo água à mão, aspergiram-no com areia (conspersere).

Inesperadamente ele se restabeleceu, e foi levado para a Alexandria, e o seu caso foi submetido ao bispo grego. Este decidiu que o judeu estava batizado, uma vez que fosse de novo salpicado ou aspergido com água (aqua denuo perfunderetur) — Cent. II, cap. 6, pag. 110.

No terceiro século, relata-se o caso de Laurentio que batizou um soldado. Trouxeram-lhe um jarro com água para administrar o batismo. Há também o caso dos mártires de Samosata que do cárcere mandaram chamar um presbítero, pedindo-lhe que trouxesse consigo uma vasilha com água para batizá-los.

No meado do terceiro século, S. Cipriano e os seus sessenta e seis bispos foram consultados sobre os que tinham sido batizados no leito de enfermidade somente por afusão, se deviam ser batizados de novo quando sarassem.

A sua decisão foi que "a água da aspersão é uma purificação; do que aparece que a aspersão é suficiente, em vez da imersão e, quando é praticada, se houver uma fé sã por parte do doador e do recipiente, o ato é perfeito e completo".

Esses casos citados provam que na Igreja pós-apostólica nunca se deixou de batizar por aspersão, embora se tenha generalizado a prática da imersão.

E como aconteceu que tão cedo na história da Igreja a imersão se tornou o uso predominante? A resposta a essa pergunta não nos parece difícil.

No nosso modo de entender, o batismo por imersão nasceu da supersticiosa doutrina da regeneração batismal e do banho preparatório a que eram submetidos os candidatos ao batismo, bem cedo na história dia Igreja pós-apostólica.

Uma grande proporção dos cristãos primitivos eram judeus que ainda se apegavam ao ritualismo do Velho Testamento.

Era costume entre eles exigir dos seus prosélitos um banho do corpo todo, antes da circuncisão. Por semelhante modo, a Igreja primitiva também começou a exigir um banho preliminar para o batismo. Justino Mártir dá a esse banho o nome de loutron que significa lavação.

A heresia da regeneração pelas águas do batismo veio emprestar grande importância ao banho preliminar que, devido a esse grande valor que lhe deram, chegou a confundir-se com o próprio batismo.

Aparece, em seguida, a imersão trina de pessoas nuas. A imersão trina, em estado de nudez, é um fato histórico incontestável que não é negado nem mesmo por historiadores imersionistas.


Para justificar as suas heresias, os cristãos primitivos serviram-se de uma interpretação materialista de passagens como Efésios 4:22-24; Gálatas 3:27; Colossenses 2:12; 3:9, 10 e Romanos 6:4.

Desprezando a interpretação espiritual dessas passagens, ensinaram que o despir do velho homem e o vestir de Cristo deviam ser dramatizados fisicamente por um despir e vestir de roupa, por ocasião do batismo.

De igual modo, para eles, o sepultados com Cristo no batismo devia ser um sepultar literal nas águas do batismo e assim justificavam a imersão.

E visto como Paulo diz que o sepultamento com Cristo no batismo produz novidade de vida, estava, para eles, justificada a doutrina da regeneração batismal. A literatura patrística está cheia de passagens que provam ter sido esse o modo de pensar dos santos padres.

É certo que muitos hão de discordar da nossa opinião sobre a origem histórica do batismo por imersão, mas o que nos parece incontestável é que não se encontra na Igreja apostólica vestígio algum do batismo por imersão. É essa uma das inovações da Igreja pós-apostólica.

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